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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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O fio da memória

Uma descoberta arqueológica ajuda uma comunidade afrodescendente a recompor sua história em "O Último Navio Negreiro", documentário pré-indicado ao Oscar

(Foto: Divulgação)
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Pré-indicado ao Oscar de longas documentários, O Último Navio Negreiro (Descendant) retrata o processo de resistência cultural de uma comunidade de descendentes de africanos escravizados no Alabama, sul dos EUA. Mas, guardadas as diferenças de contexto atual, poderia ser de uma comunidade quilombola em algum ponto do Brasil.

O filme de Margaret Brown se organiza a partir de um achado de arqueologia marinha. Em 2019, um repórter investigativo e um lojista descobriram os restos do Clotilda, tido como o último navio a transportar pessoas escravizadas da África para a América, em 1860. Cumprida a viagem duplamente ilegal – porque 52 anos após a escravidão ser abolida nos EUA –, a escuna foi parcialmente incendiada para não restarem vestígios do crime.Encontrar o Clotilda sempre foi uma questão identitária para os moradores de Africatown. 

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Era parte importante do fio da memória de um grupo sempre em busca de sua ancestralidade e de completar sua própria história. Uma história de gente libertada sem terras nem trabalho para sobreviver. Em fins do século XIX eles conseguiram comprar algumas terras, onde estabeleceram Africatown.Hoje a comunidade se vê cercada por um cinturão de indústrias pesadas e poluentes que afetam a saúde dos moradores. Por suprema ironia, algumas dessas indústrias pertencem à mesma família de escravocratas que construíram o Clotilda.Para além do achado do navio, trata-se de manter viva a memória do tráfico escravocrata e da resiliência dos afrodescendentes – ao contrário de muitos que preferem o esquecimento como cura. 

Trata-se, ainda, de discutir qual o sentido de justiça e reparação para essa comunidade cujo passado foi de tal maneira vilipendiado. O encontro de alguns deles com descendentes dos mercadores de escravos é o momento mais inquietante do filme.Sem sublinhar, Margaret Brown deixa entrever como os negros continuam a ser tutelados pelos brancos e como resistem a isso. Tome-se o prefeito da cidade com seu discurso paternalista ou os especialistas da National Geographic com sua superioridade tecnológica sobre os mergulhadores negros.O filme ganharia com uma edição mais concisa, mas nunca perde o interesse pela diversidade de ângulos e as revelações que traz. 

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É curioso saber, por exemplo, que existe uma Associação Nacional de Mergulhadores Negros dedicada a procurar restos de navios negreiros pelo mundo. Igualmente interessante é descobrir a figura de Zora Neale Hurston, escritora, antropóloga aluna de Franz Boas e primeira cineasta afro-americana. Entre seus registros fílmicos e vocais dos anos 1920 estão as únicas imagens filmadas de Cudjo Lewis, ultimo sobrevivente do Clotilda, cultuado como um mito fundador de Africatown. 

O livro de Zora sobre Cudjo, intitulado Barracoon, foi escrito em 1927 e ficou guardado num cofre até 2018.Vemos também gravações em VHS de um folclorista que vão tecendo esse fio de memória de uma comunidade obrigada a manter silêncio sobre suas origens por longos 100 anos. A sequência final, no museu Smithsonian de Washington, tem um caráter cívico que é mais de consolação que de desagravo.

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O Último Navio Negreiro está na Netflix.

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