O gatilho que Trump puxou foi dentro da cabeça de todos nós
Trump renomeia o Departamento de Defesa para Departamento da Guerra, voltando a lançar sobre o mundo as sombras da guerra
Em uma decisão que ressoa como um alarme nos corredores do poder em Washington, o presidente Donald Trump anunciou hoje, 5 de setembro de 2025, a renomeação do Departamento de Defesa dos Estados Unidos para Departamento da Guerra. Nos EUA, departamentos do governo federal, como o de Estado – que equivale no Brasil a ministérios –, formam o primeiro escalão da Casa Branca. Seus titulares, chamados secretários, semelhantes a ministros, respondem diretamente ao presidente, coordenando políticas em áreas cruciais como relações exteriores e segurança nacional.
À primeira vista, a mudança parece apenas uma alteração linguística, um ajuste semântico em um organograma burocrático. Mas, como analista das estruturas sociais, observador atento das narrativas midiáticas e psicanalista, vejo nisso um sintoma grave de uma psique coletiva em crise.
Essa renomeação é um ato freudiano de regressão, revelando um narcisismo coletivo ferido diante de um mundo multipolar. A psique americana, confrontada pelo declínio relativo de sua hegemonia, projeta inseguranças internas em ameaças externas, transformando ansiedade em agressão simbólica. Psicanaliticamente, é uma recusa do princípio de realidade, onde a fantasia de dominação substitui a necessidade de cooperação global, evidenciando uma pulsão destrutiva que ameaça desestabilizar equilíbrios frágeis.
Por trás dessa decisão, aparentemente inofensiva, esconde-se uma estratégia de projeção de poder agressivo. Trump, em seu discurso na Casa Branca, argumentou que o termo “Defesa” soa passivo demais, fraco, em um mundo onde adversários como China e Rússia exibem seu poderio sem reservas. “Precisamos chamar as coisas pelo nome: guerra é guerra, e estamos prontos para vencê-la”, declarou, evocando a retórica de seu primeiro mandato, marcada por “América Primeiro” e tarifas como armas econômicas. Analistas sugerem que a medida busca frear a ascensão chinesa, sinalizando que os EUA não hesitarão em escalar tensões para manter a hegemonia global.
Para entender o peso histórico dessa nomenclatura, revisitemos o passado. O primeiro ministério da Guerra surgiu na França revolucionária de 1791, sob o nome de Ministère de la Guerre, para centralizar o comando militar em meio ao caos pós-Bastilha. Inspirado em estruturas antigas, como os secretariados de guerra do Antigo Regime, ele marcava a transição de monarquias absolutistas para estados-nação beligerantes.
Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), nações como Reino Unido (com seu War Office), Alemanha (Kriegsministerium) e França mantinham ministérios da Guerra, voltados à mobilização total para um conflito que matou milhões. Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), esses aparatos se tornaram máquinas de destruição, coordenando desde o Blitzkrieg alemão até o esforço aliado. Nos EUA, o Department of War existiu de 1789 a 1947, quando, no pós-guerra, foi rebatizado para Department of Defense, simbolizando uma era de contenção e alianças como a OTAN.
Como pano de fundo, Pequim exibiu sua força nos últimos dias, celebrando os 80 anos da expulsão dos japoneses da China – o fim da Segunda Guerra na Ásia, em 1945. Na Praça da Paz Celestial, um desfile militar monumental reuniu tanques, mísseis hipersônicos e tropas impecáveis, com líderes como Vladimir Putin, Narendra Modi e Kim Jong-un ao lado de Xi Jinping. O evento, exibindo mísseis nucleares de alcance global e armas hipersônicas atualizadas, foi a maior demonstração bélica da China em décadas, sinalizando que a balança do poder global pende para o Oriente.
Trump, atento ao espetáculo político-militar, reagiu no Truth Social com uma frase amarga: “Parece que perdemos a Índia e a Rússia para a China mais profunda e sombria. Que tenham um longo e próspero futuro juntos.” A ironia mal disfarçada revela seu desconforto com a presença de Modi e Putin, líderes de nações cortejadas pelos EUA, ao lado de Xi, em uma encenação de unidade contra o Ocidente. Para Trump, a imagem de Xi, Putin e Kim Jong-un observando o arsenal chinês é uma provocação direta a Washington, evocando tons de Guerra Fria.
Essa demonstração de unidade sino-russa-norte-coreana, com a Índia em posição ambígua, evidencia o enfraquecimento do multilateralismo. As Nações Unidas, antes árbitro de conflitos, perdem influência: resoluções ignoradas na Ucrânia, Gaza e Taiwan mostram uma ONU paralisada por vetos no Conselho de Segurança, cedendo espaço a blocos rivais como a Organização de Cooperação de Xangai. A China, ao reunir líderes de países que orbitam entre Moscou e Nova Délhi, projeta não só poder militar, mas um domínio narrativo, articulando um futuro multipolar que desafia o pedestal histórico dos EUA.
Para contextualizar, analisemos o poderio militar e econômico dos principais atores. Os Estados Unidos, com PIB de US$28,5 trilhões, alocam US$850 bilhões ao orçamento militar, sustentando 1,32 milhão de tropas ativas e uma rede global de bases, com ênfase em superioridade aérea e naval, incluindo 11 porta-aviões e milhares de aeronaves de quinta geração. A China, rival emergente, projeta PIB de US$19,23 trilhões, com orçamento militar oficial de US$246 bilhões – estimativas sugerem até US$450 bilhões –, financiando 2,035 milhões de tropas ativas, expansão naval com três porta-aviões e avanços em mísseis hipersônicos, focando o controle do Mar do Sul da China.
A Rússia, com PIB de US$2,1 trilhões, destina US$136 bilhões à defesa, mantendo 1,32 milhão de tropas ativas e o maior arsenal nuclear global, com ênfase em guerra híbrida e tanques, como visto na Ucrânia. A Coreia do Norte, com PIB de US$30 bilhões, gasta cerca de US$5 bilhões (15,9% de seu orçamento) em forças armadas, com 1,32 milhão de tropas ativas e um programa nuclear provocador, incluindo mísseis balísticos intercontinentais, representando uma ameaça assimétrica. A Europa, via União Europeia com PIB de US$20 trilhões e OTAN com gastos totais de defesa de US$1,3 trilhão (incluindo EUA), conta com 3,44 milhões de tropas ativas (2,1 milhões na Europa), mas enfrenta fragmentação, focando em defesa coletiva, drones e cibersegurança, lutando para atingir 2% do PIB em gastos militares.
Psicanaliticamente, a renomeação reflete uma pulsão narcísica ferida: os EUA, diante do avanço de rivais, negam a realidade de um mundo interdependente, optando por uma retórica belicosa que mascara vulnerabilidades. Essa negação amplifica o risco de escalada, onde a fantasia de controle absoluto substitui o diálogo.
Diante desse cenário, vejo três riscos catastróficos no horizonte:
- Uma corrida armamentista global, com China e Rússia intensificando programas nucleares, drenando recursos de saúde e educação, gerando um equilíbrio de terror instável.
- Conflitos regionais escalando para guerras mundiais, como uma invasão taiwanesa provocando intervenção americana, arrastando aliados a uma conflagração global.
- Colapso de alianças ocidentais, com a OTAN fragmentada e a Europa vulnerável, permitindo que um eixo autoritário domine, subjugando democracias e reescrevendo normas internacionais.
Em tempos de IA manipulando narrativas e desinformação amplificando tensões, essa renomeação não é um simples termo: é um estopim para o caos total. Trump, com sua bravata incendiária, não apenas rebatiza um departamento, mas acende uma chama em um mundo saturado de tensões explosivas.
A humanidade, exaurida por crises sucessivas, já não suporta bravatas mascaradas de estratégia. Trump não apenas fere símbolos: empurra o mundo à beira de um abismo onde a paz, frágil como cristal, pode se despedaçar num instante e abrir caminho para um inferno irreversível. Age como quem valoriza mais a pontuação de sua próxima partida de golfe do que a missão de impedir que a humanidade mergulhe numa terceira — e última — guerra mundial.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

