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Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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O Globo plano do reino de Ratanabá

O plano argentino provoca austeridade, e o pacote cubano aumenta preços, segundo a imprensa que fala pela extrema direita, escreve o colunista Moisés Mendes.

irmãos Marinho, rede globo (Foto: José Barbacena)

Vejam os contrastes de dois títulos publicados este mês, em diferentes dias, na capa do Globo online. Abaixo, o primeiro título:

“Mundo Governo argentino anuncia sanções severas e toma medidas para limitar protestos contra o plano de austeridade”.

E este é o segundo título:

“Aperto Cuba anuncia medidas econômicas que aumentarão custo de vida”.

A palavra antes do primeiro título, e que no jornalismo chamamos de cartola ou chapéu, é Mundo. O pacote argentino está no que genericamente chamam de Mundo ou de Internacional e assim está resolvido.

Já as medidas cubanas têm a cartola Aperto, o que já as definem antes do título que vai resumir a notícia. Ao vago Mundo da notícia sobre a Argentina se contrapõe o Aperto da notícia sobre Cuba.

O governo argentino reage aos protestos com sanções severas porque fez um plano de austeridade, uma palavra bonita para o liberalismo e sempre assustadora para a população desprotegida.

O pacote cubano de correção de preços, como aperto que é, segundo o jornal, aumentará o custo de vida, coisa que não é nem mesmo sugerida no título sobre a Argentina.

O que se tem aqui são dois casos exemplares de como a grande mídia aderiu, sem escrúpulos, à tentação de fazer o jogo da extrema direita. Não mais apenas da direita, mas da extrema direita.

Ah, mas sempre foi assim. Sim, sempre foi assim, mas com modulações. Só que agora a Argentina não está, como os liberais brasileiros insistem em dizer, a caminho da implantação de medidas liberalizantes. A Argentina caminha de novo em direção ao autoritarismo político e de mercado.

O plano argentino de Javier Milei é fascista, antes de ser pretensamente liberalizante. É o mais cruel e criminoso conjunto de medidas já adotado contra a população argentina.

Foi na Argentina, e não em Cuba, que o pacote já provocou aumentos de até 100% nos preços dos alimentos. A gasolina subiu 30%. Os planos de saúde aumentaram 40%. A inflação, de 140% em 12 meses quando Milei assumiu, já está em 170%.

Os títulos do Globo não são casuais nem pontuais, são representativos do que os jornalões têm feito nos últimos anos e agora com mais fúria e intensidade desde a posse de Lula.

E assim caminha o jornalismo das corporações no Brasil. Folha, Estadão e Globo estão com outras turmas da direita.

As ideias de liberais com reputação inclusive entre as esquerdas, como Armínio Fraga, Paulo Malan e Luiz Carlos Mendonca de Barros, não contemplam mais as demandas das organizações de mídia preocupadas em sobreviver depois do desaparecimento do eleitor e do leitor de centro.

As turmas de Estadão, Folha e Globo agora são as mesmas de Paulo Guedes, Flavio Bolsonaro, Ricardo Salles, Romeu Zema, Fabrício Queiroz. 

Os jornalões que enxergam só austeridade e não veem fascismo na Argentina já pertencem ao reino de Ratanabá. No reino de Ratanabá, o respeito aos contratos, tão caro ao liberalismo, já não vale mais nada.

No reino de Ratanabá ressuscitado como pauta pelo ator Sandro Rocha, que viralizou essa semana ao voltar a dizer que a Terra é plana, Corguinho é o paralelo 19 e há uma malha de campo eletromagnético ainda desconhecida , cabe até o Globo.

O jornalismo brasileiro dos jornalões vive nesse reino de Ratanabá, inventado pelos que beberam o chá de cogumelo da horta da extrema direita e potencializaram os delírios dos desorientados com o fim do tucanismo. 

O Globo é uma circunferência no centro desse reino das alucinações bolsonaristas, mas não é um globo esférico. O Globo adaptou-se ao bolsonarismo e é plano como uma pizza.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.