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Francisco Dominguez

Professor de ciência política na University of Middlesex

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O golpe de Pinochet no Chile - 50 anos depois

Diante do atual retrocesso no Chile, não temos outra opção a não ser nos inspirar política e eticamente no reservatório da história de 1970-73

Salvador Allende (Foto: REUTERS)
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Na fria manhã de 11 de setembro há 50 anos, em Santiago, no Chile, o comandante em chefe das forças armadas, Augusto Pinochet, liderou um sangrento golpe militar contra o presidente socialista democraticamente eleito, Salvador Allende.

Os tanques cercaram o palácio presidencial, La Moneda, e Pinochet exigiu que Allende se rendesse e renunciasse à presidência, entregando o poder às forças armadas.

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O presidente Allende se recusou e resistiu bravamente de arma em punho; Pinochet, muito provavelmente motivado pelos EUA, ordenou que a força aérea bombardeasse o palácio. Os aviões de guerra Hawker-Hunter, fabricados no Reino Unido, atingiram repetidamente o palácio com mísseis, incendiando-o.

A imagem do Palácio de La Moneda em chamas, após o brutal ataque aéreo, permaneceu como o símbolo indelével da destruição do esforço democrático do Chile para construir uma sociedade melhor e socialmente justa.

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O golpe de estado liderado pelos EUA instalou uma ditadura militar brutal  encabeçada por Pinochet, seguida pela imposição "pioneira" de um modelo econômico de acumulação que se tornaria universalmente adotado pelo capital mundial em todos os lugares e que a maior parte da humanidade vem suportando desde então: o neoliberalismo.

No Chile, a ditadura de Pinochet, guiada pelos EUA, levou ao assassinato a sangue frio de Salvador Allende e, em 17 anos, à morte de quase 5.000 chilenos, muitos deles depois de sofrerem formas indescritíveis de tortura, com muitos "desaparecidos".

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Os militares prenderam, torturaram horrivelmente, quebraram os dedos e crivaram o corpo de balas do poeta e cantor  radical Victor Jara.

Além de compor e cantar canções inspiradoras de redenção social e luta por justiça, ele não cometeu nenhum crime (Joan Jara, Victor: An Unifinished Song, 1998).

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Após o "11 de setembro", uma onda de golpes militares liderados pelos EUA varreu a América Latina com o duplo objetivo de impor o neoliberalismo e erradicr físicamente os movimentos e partidos sociais progressistas.

Na Argentina, outra ditadura militar liderada pelos EUA, foram assassinadas 32.000 pessoas, em sua maioria jovens, em apenas seis anos (1976-83). Os levantes em massa na América Central também foram brutalmente esmagados, sempre sob a direção dos EUA.

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A revolução sandinista na Nicarágua (1979-90) foi submetida a uma guerra de desgaste por procuração dos EUA, que levou ao massacre de pelo menos 50.000 cidadãos (trabalhadores, camponeses, enfermeiros, alfabetizadores voluntários) nas mãos dos Contras financiados, treinados e armados pelos EUA.

Nos países vizinhos El Salvador e Guatemala, esquadrões da morte igualmente treinados, financiados e armados pelos EUA assassinaram 80.000 e 120.000 pessoas, respectivamente.

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As vítimas eram, em sua maioria, civis inocentes, incluindo padres e freiras. Foi quando Elliott Abrams, funcionário do Departamento de Estado dos EUA, ganhou notoriedade: todos os assassinatos ocorreram sob sua supervisão.

As consequências para a região como um todo foram catastróficas. A exclusão social e o aumento do setor informal da economia foram surpreendentes: grande parte da população teve que sobreviver de forma altamente precária nas margens da sociedade, muitos deles catando lixo.

Em 1998, a taxa de pobreza na América Latina havia atingido mais de 48%, ou seja, quase metade da população.

Especialistas se referem a esse período como a "década perdida". Todos os índices - a mortalidade infantil e materna, a expectativa de vida, o desemprego, a renda e os salários médios e os padrões de saúde em geral - pioraram drasticamente.

No entanto, havia uma minoria cada vez menor no topo, que, em cumplicidade e junto com as empresas multinacionais, se beneficiou enormemente.

Isso foi exatamente o oposto do que a teoria neoliberal previa - em vez de a riqueza do topo descer para a base, houve, na verdade, uma transferencia da riqueza da base pobre para o 1% mais rico.

 Tanto as oligarquias locais quanto as empresas multinacionais colheram frutos da onda de privatizações que privatizaram praticamente tudo em que puderam colocar suas mãos gananciosas: empresas estatais e recursos naturais. No Chile, toda a água, os rios, os lagos e o mar são propriedade privada. Se eles tivessem a tecnologia, teriam privatizado o ar que respiramos. Os "caubóis" dos EUA uniram forças com a Europa "civilizada" para saquear a América Latina.

A inevitável resistência da sociedade foi enfrentada com a repressão sistêmica, não apenas no Chile, mas também em outros lugares, de forma coordenada.

Henry Kissinger, o arquiteto do golpe do Chile, estabeleceu uma coordenação sinistra para eliminar todo e qualquer foco de oposição real ou potencial.

A "Operação Condor" foi corretamente caracterizada como "uma conspiração criminosa para o desaparecimento forçado de pessoas". Ela envolveu os governos e os serviços de inteligência do Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Brasil e EUA, com a tarefa de perseguir e eliminar ativistas políticos, sindicais e estudantis.

Em 2019, o longo torpor conformista neoliberal do Chile foi abalado em seus alicerces por um "estallido social" (levante social) iniciado por adoloescentes do ensino médio.

Este levante foi tão  poderoso e o mainstream chileno tão podre que levou o país à beira de um reinício da revolução democrática de 1970-73 que Allende buscou realizar, ameaçando seriamente varrer o neoliberalismo em seu rastro.

Em 2019-22, o Chile elegeu uma assembleia constituinte que elaborou um texto constitucional alternativo para substituir a constituição de Pinochet de 1980. Ele quase foi aprovado, o que quase resolveu a questão indígena que já durava séculos, quase aboliu o sistema de previdência privada e quase desprivatizou os rios, lagos e água do mar do país.

A direita chilena conseguiu impedi-lo.

O caminho do Chile para enterrar o neoliberalismo é confuso e acidentado. Em 2021, os chilenos pensaram que tinham eleito um presidente de esquerda, mas receberam Gabriel Boric que, ao contrário de Allende, que levou o povo a realizar suas aspirações independentemente das probabilidades, não está apenas buscando acomodar a direita parlamentarmente dominante, capitulando às suas demandas, mas também usa sua imagem "jovem" e sua posição como presidente para condenar regularmente Cuba, Venezuela e Nicarágua, em declarações que, para dizer o mínimo, não são progressistas.

A falta de uma liderança política hegemônica e coerentemente antineoliberal no Chile descarrilou temporariamente o promissor levante de 2019.

Embora o golpe de 1973 tenha destruído nossas organizações, assassinado nosso presidente e nossos líderes e, por meio de repressão desenfreada, tenha imposto brutalmente o capitalismo neoliberal, ele nunca matou nossa memória histórica que atingiu seu ponto mais alto durante o governo de Salvador Allende.

Derrotamos a ditadura em 1989. A espécie de democracia que veio em seu rastro (1990-2019) aperfeiçoou o neoliberalismo, mas não conseguiu apagar nossa memória histórica, pois ela ressurgiu vigorosamente durante o levante social de 2019.

Diante do atual retrocesso no Chile, não temos outra opção a não ser nos inspirar política e eticamente no reservatório da história de 1970-73, que Allende resumiu tão bem em 11 de setembro de 1973, às 9h10: "Outros homens e mulheres superarão este momento sombrio e amargo em que a traição procura prevalecer. Sigam em frente sabendo que, mais cedo ou mais tarde, as grandes avenidas se abrirão novamente, onde homens e mulheres livres caminharão para construir uma sociedade melhor." Venceremos!

(Tradução: Franklin Frederick).

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