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Reynaldo José Aragon Gonçalves

Reynaldo Aragon é jornalista especializado em geopolítica da informação e da tecnologia, com foco nas relações entre tecnologia, cognição e comportamento. É pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT DSI), onde investiga os impactos da tecnopolítica sobre os processos cognitivos e as dinâmicas sociais no Sul Global. Editor do site codigoaberto.net

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O golpe dos bagrinhos: anistia que legaliza o golpe

Do silêncio calculado às urnas: como a anistia pode transformar golpistas em mártires e o Senado em trincheira contra a democracia

Atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023 (Foto: Joedson Alves/Agencia Brasil)

O que era para ser punição virou combustível eleitoral. Sem delações, os presos do 8 de janeiro se preservaram como capital político. Agora, com a promessa de anistia e a mira voltada para 2026, a extrema-direita prepara a legalização do golpe pela via institucional.

A anistia que legaliza o golpe

No dia 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu ao maior ataque contra a democracia desde a ditadura. Quase 1.500 pessoas foram presas, flagradas em atos de destruição, incitação e conspiração golpista. Hoje, passados dois anos e meio, apenas 141 seguem em regime fechado e 44 em prisão domiciliar. O que deveria ser punição exemplar se transformou em algo mais perigoso: capital político.

O que era para ser um freio ao golpismo virou combustível eleitoral. O que era para ser vergonha, virou credencial. Se a anistia for aprovada no Congresso, criminosos se tornarão mártires, e mártires se transformarão em candidatos competitivos em 2026.

O pacto do silêncio

Nenhum grande delator. Nenhuma colaboração premiada que desnudasse a cadeia de comando ou os financiadores do golpe. O silêncio dos presos do 8 de janeiro não é acaso: é estratégia coordenada.

Advogados alinhados instruíram seus clientes a recusar acordos de delação. Melhor cumprir anos de prisão do que abrir a boca e destruir a engrenagem política que os sustenta. Por trás desse silêncio, havia promessas: anistia futura, candidatura garantida e financiamento certo. Cada dia de cela se converte em moeda eleitoral. Cada condenado que não fala preserva os empresários, políticos e articuladores de alto escalão que seguirão livres para financiar a próxima rodada.

Não há heroísmo: há cálculo. Quem cala, ganha. E quem orquestrou, continua protegido.

Do mártir ao candidato

De dentro das celas, surge a próxima safra de candidatos da extrema-direita. O preso que manteve o silêncio vira “herói da resistência”. O indiciado que cumpriu pena vira “injustiçado do sistema”. Todos transformados em ativos políticos prontos para disputar em 2026.

É nesse ponto que aparecem os “Zézinho da Papuda” ou “Chirley da Colmeia”: caricaturas que funcionam como marcas eleitorais em redutos locais. Com um empurrãozinho do bilionário fundo partidário e um curso rápido de redes sociais, esses personagens se convertem em cabos eleitorais digitais, multiplicando votos em escala.

O cálculo é simples: quem foi preso pelo golpe agora pede voto como perseguido. Quem depredou instituições pede cadeira no Parlamento em nome da “liberdade”. O crime virou palanque, e a cadeia virou credencial.

A engrenagem da anistia

O projeto de anistia é a chave da estratégia: limpar a ficha de quem participou do 8 de janeiro e devolver direitos políticos e acesso ao fundo partidário. Pela Constituição, o Congresso pode aprovar leis de anistia e até derrubar veto presidencial com maioria absoluta. Mas o STF pode intervir e declarar a medida inconstitucional, já que a anistia não pode ser usada para encobrir crimes contra a democracia. Se isso acontecer, a narrativa da extrema-direita se fortalece: dirão que o Brasil vive sob uma “ditadura do Judiciário”, explorando a decisão como prova de perseguição.

O Senado de 2026 como campo decisivo

A disputa central está no Senado, onde 54 cadeiras serão renovadas. Com maioria, a extrema-direita não apenas aprova leis, mas controla sabatinas, engaveta indicações e pode até julgar ministros do STF. A anistia seria o primeiro passo: uma vez de volta ao jogo, os “perseguidos políticos” podem se lançar candidatos e usar o Senado como trincheira contra a Justiça. Nesse cenário, a institucionalização do golpismo se daria por via legal, normalizando a violência política e esvaziando o sistema de freios e contrapesos.

Conclusão — A anistia é o golpe

Se a anistia passar e o Senado for tomado pela extrema-direita em 2026, o Brasil entrará em um novo ciclo: o golpe deixará de ser ato clandestino para se tornar método legal de poder. O recado será direto: quem atenta contra a democracia não apenas fica impune, mas é recompensado com voto, dinheiro público e legitimidade institucional. O que era crime vira programa de governo. Não há pacificação, há autorização. Não há perdão, há licença para repetir. A anistia não apaga o 8 de janeiro: ela oficializa o 8 de janeiro como prática aceitável no futuro.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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