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Vinicius Gomes Casalino

Vinicius Gomes Casalino é professor de hermenêutica do Programa de Pós-graduação em Direito da PUC-Campinas

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O governo Bolsonaro e a não reforma tributária

As Constituições brasileiras sempre incorporaram as modificações jurídicas das metrópoles sem que a realidade nacional tivesse passado pelas mesmas transformações. Daí o sistema jurídico esquizofrênico que nos caracteriza até hoje

Modelo para previdência do Bolsonaro e Guedes assalta o trabalhador e rouba o Estado — E o ladrão é o Lula (Foto: Sérgio Moraes - Reuters)
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De acordo com a mídia tradicional, um dos problemas estruturais do governo Bolsonaro seria a ausência de uma reforma tributária.  

Aliás, sequer uma proposta teria sido concebida. Uma das fraquezas do ministro da economia, Paulo Guedes, seria precisamente a incapacidade de articular uma modificação abrangente que envolvesse Estados e Municípios.

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Antes de mais nada, é preciso que fique claro: não houve no passado recente e não há para o futuro próximo qualquer possibilidade de uma reforma tributária. 

Por mais que os meios de comunicação, com seus “experts” do mercado financeiro ou intelectuais de “Think tanks” da Avenida Rebouças tentem nos convencer do contrário, não há sequer indício desta possibilidade.

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As propostas apresentadas por Paulo Guedes e debatidas com suposta seriedade por colunistas de jornais não passam de arremedos normativos ou “puxadinhos jurídicos”. Estão longe, absolutamente distantes, de algo que possa ser considerado, ainda que com muitíssima boa vontade, como uma reforma tributária.

Aliás, a última modificação normativa digna deste nome ocorreu provavelmente em 1891, com o advento da Constituição republicana. Ali se estruturou algo como um “sistema tributário nacional”, alinhando as competências tributárias dos entes federativos. 

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Posteriormente, a Emenda nº 18 à Constituição de 1946, promovida em 1965 pelos militares, formalizou tal sistema, estabelecendo as vigas-mestras da ordem tributária que vigoram até os dias de hoje. Como se percebe, ambas as mudanças vieram através de golpes de Estado. 

Em outras palavras, guardadas diferenças pontuais aqui e ali, o sistema tributário previsto pela Constituição de 1988 não passa da recepção da estrutura normativa herdada das Constituições anteriores, especialmente do modelo instituído pela ditadura militar. Basta comparar o desenho tributário previsto na Carta de 1969 com o delineado pela “Constituição cidadã” para se constatar que houve tudo, menos ruptura.

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Há alguma novidade nisso? Claro que não. O sistema tributário é elemento constitutivo do modo de organização de qualquer sociedade. Numa economia de mercado, desigual por natureza, o tributo é um dos meios pelos quais tais desigualdades são institucionalizadas e perpetuadas. Seu caráter mais ou menos “democrático” depende do acirramento das lutas internas, sobretudo entre capital e trabalho. O direito apenas expressa essa situação de fato, nada mais.

Justamente por isso, e sem querer simplificar demais, houve três grandes “reformas tributárias” dignas desse nome. Não no Brasil, é claro. 

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A primeira ocorreu com a Revolução Francesa. A eliminação dos chamados “privilégios odiosos”, pelos quais o clero, a nobreza e a realeza estavam excluídos do pagamento de tributos, significou a reconfiguração institucional necessária à vitória da burguesia, e, portanto, à consagração jurídica da economia de mercado. O capital derrota a propriedade fundiária. 

A segunda ocorreu pouco antes da primeira guerra mundial, na Europa, e após o crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque, nos E.U.A. Eventos entremeados pela Revolução Russa de 1917. O advento dos chamados impostos progressivos, pelos quais se tributa acentuadamente os ricos, significou a reestruturação institucional necessária à incorporação dos interesses da classe trabalhadora enquanto ator político relevante. Não por outra razão, é o início do chamado Estado de bem-estar social. O trabalho confronta o capital.

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A terceira tem início na década de 1970, com a ascensão neoliberal. As forças conservadoras trataram de desconstruir o modelo social implementado a partir da segunda guerra mundial, portanto, de esvaziar os orçamentos estatais destinados ao financiamento de serviços públicos. Esta reconfiguração ocorreu pela volta dos tributos regressivos, ou seja, pela tributação da base da pirâmide social e liberação das chamadas “elites”. O capital retoma as rédeas da tributação.

E no Brasil? Bem, aqui, as ideias estão fora do lugar.

As Constituições brasileiras sempre incorporaram as modificações jurídicas das metrópoles sem que a realidade nacional tivesse passado pelas mesmas transformações. Daí o sistema jurídico esquizofrênico que nos caracteriza até hoje.

Na sua origem remota, o sistema tributário brasileiro foi moldado para preservar, do ponto de vista institucional, os interesses da elite escravocrata. Ora, o escravo, enquanto força de trabalho, não é pessoa, mas coisa, mercadoria. A tributação no Brasil nasce a partir de um modelo de organização social em que a classe trabalhadora não é sujeito, mas objeto.

Esta chaga social imprimiu marcas duradouras em nossa organização institucional, que nunca foi revolucionada, mas apenas acomodada. Nossas “revoluções” nunca passaram de adaptações institucionais a novos rearranjos entre elites, cujos objetivos sempre foram o de manutenção da estrutura de produção e concentração de riqueza.

Os modelos tributários adotados ao longo dos anos não fazem senão reproduzir essa dinâmica. Porque a classe trabalhadora nunca foi incorporada como sujeito, mas apenas como objeto, o sistema de tributos no Brasil apenas reflete essa situação. 

É um sistema acentuadamente regressivo, caracterizado por tributos indiretos que incidem pesadamente sobra a base da pirâmide social. Somado a um conjunto de isenções bem pensadas e escondidas em dispositivos de lei esquecidos, o Brasil é um verdadeiro paraíso fiscal para as elites. Um lugar em que o proprietário de um jatinho de última geração ou de um iate de luxo não recolhe IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores), mas o trabalhador que usa a motocicleta para entregar comida por aplicativo é obrigado a fazê-lo. O pobre financia o rico.  

É importante compreender que não são “defeitos” do sistema. Pelo contrário, o sistema está operando em seu nível ótimo, beirando a perfeição. A “reforma tributária” da qual fala a mídia tradicional e os “professores” de direito tributário é tudo, menos uma reforma. Não se trata de modificar os mecanismos pelos quais a concentração de renda no Brasil se estrutura. Pelo contrário, trata-se de acentuá-los; melhorá-los; torná-los mais concentradores.

Sob o signo da “reforma possível”, os especialistas atuam como sempre atuaram, desde que o primeiro navio negreiro aportou por estas bandas. 

Não é o caso de reformular a legislação do imposto sobre a renda (IR) para tributar os ricos e liberar a classe média e os pobres; não se trata de instituir o imposto sobre grandes fortunas (IGF) para exigir a justa contribuição do 1% privilegiado; não se pensa em elevar as alíquotas de IPVA dos veículo de luxo e isentar os automóveis populares; nem se cogita de cobrar o imposto sobre a transmissão da propriedade de bem imóvel (ITBI) utilizando bases de cálculo reais, isto é, os valores pelos quais os imóveis são realmente vendidos, mas se utiliza uma imemoriável ficção jurídica chamada “valor venal” pelo qual as classes abastadas adquirem suas mansões, mas recolhem valores típicos de casas populares. O diabo mora nos detalhes.

Não. Discute-se a tal da CBS (contribuição sobre bens e serviços) ou a retomada da extinta CPMF (contribuição provisória sobre movimentação financeira), tributos regressivos, que incidem sobre os pobres de desoneram os ricos. Mais do mesmo, desde sempre. 

A reforma tributária que está na pauta do governo e da mídia tradicional é o tipo de reforma que sempre se fez no Brasil: uma não reforma; uma adaptação; um puxadinho para a acomodação dos interesses de cima em detrimento do sofrimento dos de baixo.

Há um ditado norte-americano segundo o qual duas coisas são certas na vida: a morte e os impostos. Bem, para elite brasileira esse ditado tem que ser reformulado: para ela, só a morte é certa.

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