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Cesar Locatelli

Economista e mestre em economia.

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O governo Bolsonaro e a tortura dos dados econômicos: o caso do desemprego

(Foto: Esq.: Adriano Machado - Reuters / Dir.: em cima (ABR))
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Por César Locatelli e Pedro Paulo Zahluth Bastos

É preciso advertir, logo de princípio, que os dados econômicos, assim como os presos e os delatores, às vezes revelam o que deseja quem os manipula, quem os aprisiona, quem os tortura física ou psicologicamente.

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Os encarcerados da vez, ou melhor, os dados da vez foram aqueles revelados pela Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua– do trimestre encerrado agora em junho de 2019. Não nos referimos ao fato que Bolsonaro já ameaçou torturar os dados de desemprego do IBGE, como ameaça fazer com os dados de desmatamento publicados pelo INPE. 

Usando estes mesmos dados do IBGE, economistas e jornalistas favoráveis à agenda econômica do governo Bolsonaro se apressaram ao comemorar a redução da taxa de desemprego. A notícia seria tão entusiasmante, tão confirmadora de que a política econômica de Bolsonaro e Guedes está no caminho correto que muitas declarações apontaram para o céu, em uma versão do bordão “o número de empregados bateu recorde histórico”. Finalmente entramos no trilho, pode-se concluir!

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Jornalistas mais sérios viram o copo meio cheio e meio vazio. A matéria “Entre o emprego e o desalento” do jornal Valor Econômico começa com a frase típica “nunca houve tanta gente empregada”: 93 milhões e 342 mil pessoas tinham trabalho no trimestre abril a junho de 2019. No entanto, tempera o entusiasmo com a realidade que “nunca houve tanta gente desalentada, sem esperança de conseguir trabalho”. 

Além do alívio frente ao que poderia ser pior, é razoável comemorar algum impacto positivo do governo Bolsonaro sobre a redução da taxa de desemprego, levando-a a 12,0% no segundo trimestre desde 12,7% no primeiro trimestre? Vários indicadores sugerem que não. 

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Se for tomado o período do governo Bolsonaro como um todo, não houve redução do desemprego. No último trimestre de 2018, o desemprego (taxa de desocupação) estava menor, em 11,6%. Hoje, está pior do que o terceiro trimestre de 2018, quando estava em 11,9%. 

O que houve foi uma recuperação parcial das perdas verificadas no primeiro semestre. O problema é que houve um aumento enorme da desocupação no primeiro trimestre com Bolsonaro. Isto é em parte sazonal, mas a recuperação no segundo trimestre também é. Ademais, a retomada é menos poderosa do que a ocorrida em 2018 e 2017 (em trimestres móveis): -4,6% em 2019, -5,2% em 2018, -4,8% em 2017.

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O pior é que os dados mais amplos sobre o mercado de trabalho mostram um cenário estrutural mais grave do que a foto conjuntural. Tomemos o relatório da PNAD Contínua de junho de 2019. Diz o relatório do IBGE:

“No trimestre de abril a junho de 2019, havia aproximadamente 12,8 milhões de pessoas desocupadas no Brasil. Este contingente apresentou variação de -4,6%, ou seja, menos 621 mil pessoas frente ao trimestre de janeiro a março de 2019, ocasião em que a desocupação foi estimada em 13,4 milhões de pessoas. No confronto com igual trimestre do ano anterior, quando havia 12,9 milhões de pessoas desocupadas, esta estimativa apresentou estabilidade.”

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Observamos que em 2018 a taxa de desocupação veio de 13,1%, no primeiro trimestre, para 12, 4% no segundo, 11,9% no terceiro e 11.6% no quarto trimestre. No primeiro trimestre de 2019 a taxa voltou a subir para 12,7% e o último dado revela 12,0%. 

Podemos dizer que: i. a desocupação ainda é maior do que aquela que terminou o ano de 2018, como mostramos; ii. O emprego melhorou em relação ao primeiro trimestre deste ano; e iii. o número de desempregados é praticamente igual ao do mesmo trimestre de 2018 (12 milhões 923 mil desocupados no segundo trimestre de 2018 contra 12 milhões 766 mil no segundo trimestre de 2019). Em outras palavras, o altíssimo desemprego, que atormenta mais de 10 milhões de pessoas desde 2016, não melhorou se tomado o novo governo como um todo.

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Para aprofundar a avaliação, precisamos levar em conta quatro categorias de subutilização da força de trabalho: 1) aqueles subocupados por “insuficiência de horas trabalhadas”, que gostariam e poderiam trabalhar mais horas e não o fazem porque não conseguem; 2) aqueles que por desalento decidiram parar de procurar emprego, mas estavam disponíveis para trabalhar, 3) aqueles que procuraram trabalho, mas não estavam disponíveis para trabalhar na semana de referência, sendo desempregados não desalentados; e, por fim, 4) aqueles que procuraram trabalho, mas não conseguiram encontrar na semana de referência, permanecendo desempregados.

“O contingente de pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas foi estimado em aproximadamente 7,4 milhões no trimestre de abril a junho de 2019”, afirma a pesquisa. Aqui há um aumento em relação ao trimestre anterior (janeiro a março de 8 2019) de 587 mil pessoas e, também, em relação ao mesmo trimestre de 2018, de 900 mil pessoas subocupadas. 

“O contingente de pessoas desalentadas, composto especialmente por aqueles que não procuraram emprego no período, foi estimado em aproximadamente 4,9 milhões no trimestre de abril a junho de 2019”, diz a pesquisa, revelando estabilidade tanto em relação ao trimestre anterior (janeiro a março de 2019), quanto em relação ao mesmo trimestre do ano anterior (abril a junho de 2018). Novamente chega-se ao resultado que piorou em relação ao último trimestre de 2018. 

O terceiro grupo, dos não desalentados, composto por pessoas que procuraram emprego, mas não estavam disponíveis para trabalhar na semana da pesquisa, somou 3,4 milhões de pessoas. Por fim, os desempregados no trimestre somaram quase 12,8 milhões. 

Somadas as quatro categorias, chegamos ao total de subutilização da força: 28,4 milhões de pessoas. Este resultado é recorde histórico e é mais do que 1,5 milhão maior do que no último trimestre de 2018. 

Esse contingente representa uma taxa de 24,8% da força de trabalho ampliada. Interessante perceber que os pontos mais baixos da série, com menor número de pessoas subutilizadas, aconteceram no segundo e no terceiro trimestres de 2014, com pouco mais de 15 milhões de pessoas nessa condição. Ou seja, desde 2014 houve um aumento de mais de 13 milhões pessoas integrando esse contingente que a economia não consegue ocupar adequadamente. Um em cada quatro trabalhadores está subutilizado. Veja no quadro que estamos no ponto mais alto da série.

Fazendo um balanço até aqui notamos que, em que pese termos um número absoluto recorde de pessoas empregadas no país, estamos muito próximos do topo de desocupados (12, 8 milhões contra 14,1), um recorde de desalentados, um recorde de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Em resumo, um recorde de 28,4 milhões de pessoas subutilizadas. Não surpreende que o rendimento real na média de todos os trabalhadores tenha caído 1,3% na comparação com primeiro trimestre. 

É digno de nota que o trimestre experimentou uma redução de 1,49% do número de empregadores. E um aumento de 1,65% do número de trabalhadores por conta própria, e de 2,13% de trabalhadores por conta própria sem CNPJ. É isto que revela o drama do mercado de trabalho: a falta de demanda agregada para estimular o emprego integral e formal.

O recorde notável é o de empregos eventuais, bicos ou por conta própria. A taxa de participação no mercado de trabalho também aumenta porque as pessoas precisam sobreviver de qualquer maneira, sobretudo em cenário de queda do rendimento médio e problemas no orçamento familiar. 

Em suma, considerando a demanda agregada que limita a oferta de emprego pelas empresas, e a estrutura do emprego gerado, não houve melhora com o governo Bolsonaro. Insistir na “austeridade expansionista” de sua agenda de cortes de direitos e gastos sociais não vem incentivando o investimento e as contratações privadas como imaginado, e não tende a fazer no futuro. 

A menos que o governo mude o rumo da política econômica mais ampla, apostamos em uma estagnação ou mesmo contração da demanda agregada, paradoxalmente até com uma eventual redução da taxa de desemprego por conta do aumento da taxa de participação e do emprego por conta própria. Contudo, com a mediocridade do emprego integral e formal.

Diante da tortura de dados com finalidades políticas e ideológicas, só há uma saída para fugir da manipulação: pegar a publicação original e ir a fundo nos dados e nas explicações. Se não tiver tempo, primeiro desconfie do otimismo oficialista, depois busque interpretações não oficialistas, por fim resista caso Bolsonaro resolva torturar de vez os dados de desemprego do IBGE, como do INPE. 

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