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Cássio Vilela Prado

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O governo da horda-Temer

No Brasil, ainda em estado de Golpe de Estado, a minoria que ascendeu ao poder através da destruição da democracia com a concomitante instalação de um governo fascista, tirano e gozador talvez faça Freud e Marx arrepiarem os seus restos de cabelos em seus invólucros sepulcrais

No Brasil, ainda em estado de Golpe de Estado, a minoria que ascendeu ao poder através da destruição da democracia com a concomitante instalação de um governo fascista, tirano e gozador talvez faça Freud e Marx arrepiarem os seus restos de cabelos em seus invólucros sepulcrais (Foto: Cássio Vilela Prado)
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Tudo indica que a luta de classes desvelada por Karl Marx (1818-1883), como um sintoma sociopolítico do capitalismo, ainda é a base epistemológica prevalente e dominante das narrativas atuais observadas no nosso dia a dia: tanto da dita esquerda quanto da dita direita, inclusive dos ditos neutros.

Todos reconhecem, de uma forma ou de outra, que a nossa sociedade funciona a partir da divisão classista, mesmo aqueles que negam essa divisão, sublevando-se a determinadas categorias naturais como o discurso da meritocracia neoliberal, não conseguem sair da dicotomia sintomática marxista.

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O discurso do mestre religioso, em suas diversas gradações, tenta uma terceira via por meio da meritocracia divina baseada em certas virtudes morais bíblicas. A exaltação gloriosa da pobreza (inclusive do ‘espírito’) é imperiosa ao tempo em que a riqueza é profana – “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! Pois mais fácil é passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus” (Lucas 18:24-25). [Deus era marxista?] –, permeando toda a sua trama operatória, teórica e prática, propondo o alívio ou a solução dessa clivagem sintomática-marx com a necessária compra do passaporte para os céus (‘dízimo mercantil’) e a experiência do “sentimento oceânico” 1.

Apesar de serem contemporâneos, parece que Karl Marx e Sigmund Freud (1856-1939) ‘não se bicavam’. Pode-se pensar, contudo, que essa ‘indiferença’ entre eles não se deu por discordâncias, mas por se tratar de campos distintos do conhecimento, a priori, sendo que o objeto investigativo de Marx era o grosso tecido social (Sociologia) e o de Freud o inconsciente (Psicanálise). Nunca leram realmente um ao outro, tampouco se encontraram para quaisquer discussões.

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Todavia, dir-se-á que Marx dá ênfase à necessidade do homem enquanto Freud enfatiza o desejo inconsciente. Portanto, necessidade com Marx; desejo com Freud.

Mas até mesmo Freud observou a divisão de classes socais:

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“Fica-se assim com a impressão de que a civilização é algo que foi imposto a uma maioria resistente por uma minoria que compreendeu como obter a posse dos meios de poder e coerção. (...) Parece que toda civilização tem de se erigir sobre a coerção e a renúncia ao instinto. (...) Acho que se tem de levar em conta o fato de estarem presentes em todos os homens tendências destrutivas e, portanto, antissociais e anticulturais, e que, num grande número de pessoas, essas tendências são suficientemente fortes para determinar o comportamento delas na sociedade humana (...) Esse fato psicológico tem importância decisiva para nosso julgamento da civilização.”2.

Percebe-se, na citação acima, que Freud, aos poucos, vai se evadindo do campo econômico e se adentrando nas profundezas da mente humana, denunciando a pouca capacidade das massas de renunciar aos seus ídolos e a seus próprios prazeres, pois não lhes são possíveis conter as suas paixões, mesmo que aniquilando a si mesmas e o outro homem, haja vista as suas “tendências destrutivas” (‘pulsão de morte’).

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Segundo Freud:

“A questão decisiva consiste em saber se, até que ponto, é possível diminuir o ônus dos sacrifícios instintuais impostos aos homens, reconciliá-los com aqueles que necessariamente devem permanecer e fornecer-lhes uma compensação. É tão impossível passar sem o controle da massa – [‘Mase’. A palavra alemã possui um sentido muito amplo. É traduzida por ‘group’ (grupo), por razões especiais, em Grupo Psychology, de Freud (1921c). Ver Standard Ed., 18, 69n. Aqui ‘massa’ parece mais apropriado.] – por uma minoria, quanto dispensar a coerção no trabalho da civilização, já que as massas são preguiçosas e pouco inteligentes; não têm amor à renúncia instintual e não podem ser convencidas pelo argumento de sua inevitabilidade; os indivíduos que as compõem apoiam-se uns aos outros em dar rédea livre a sua indisciplina. Só através da influência de indivíduos que possam fornecer um exemplo e a quem reconheçam como líderes, as massas podem ser induzidas a efetuar o trabalho e a suportar as renúncias de que a existência depende.”3.

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Noutro texto seu, sobre ‘Psicologia Social’4, Freud relata a tendência inequívoca primitiva dos sujeitos inseridos nas massas e nos grupos em geral, agindo e interagindo-se a partir de certas estruturas psíquicas inconscientes, unindo-se libidinalmente uns aos outros, elegendo um líder e/ou uma ideia e identificando-se com traços desse objeto elegido. Embora outros fenômenos mentais infantis ocorram como as imagos fantasmáticas dos membros de determinada massa, a força da ideia ou do líder ao qual se refere Freud é prevalente.

Por outro lado, a leitura que Marx faz da realidade social, portanto da civilização, se dá na esteira de um materialismo histórico empírico. Marx não se interessa pela abstração do sujeito da história; se em Hegel o sujeito era a “ideia”5 do espírito absoluto, com Engels e Marx o predicado hegeliano da realidade concreta parece se tornar o sujeito da ação prática, portanto, da transformação da realidade material e social – práxis:

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“A história não faz nada, não ‘possui imensas riquezas’, não ‘financia batalhas’. É o homem real, o homem vivo quem faz tudo isso, quem possui e combate; a ‘história’ não é, como se tem pensado, uma pessoa em si, usando o homem como um meio para atingir os seus (dela) próprios fins; a história não é nada além da atividade do homem perseguindo os seus (dele) fins.”6 [A Sagrada Família, cap. 6].

E, ainda com Marx:

“As premissas pelas quais iniciamos não são arbitrárias, não são dogmas, mas premissas reais, de que só se pode fazer abstração na imaginação. São elas os indivíduos reais, sua atividade e as condições materiais sob as quais eles vivem, tanto as que já são existentes quanto as que são produzidas pela sua atividade. Tais premissas podem ser verificadas, pois, de um modo puramente empírico. (...) A primeira premissa da história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos vivos... (...) Os homens podem ser distinguidos dos animais pela consciência, pela religião ou o que quer que seja. Eles, por si mesmos, começam a se distinguir dos animais tão logo começam a produzir os seus meios de subsistência, um passo que é condicionado pela sua organização física. Produzindo seus meios de subsistência, os homens estão indiretamente produzindo sua própria vida material.”7 [A ideologia alemã, cap. 1A, §2. 1845].

Assim, verifica-se que, embora Freud e Marx reconheçam e partam da realidade concreta e natural, Marx nela continua e Freud dela se evade para o campo da abstração do sujeito – sujeito do inconsciente. Contudo, Freud não elimina o historicismo de Marx, porém o modifica, restringindo-o a história das vivências infantis dos sujeitos singulares e suas relações com o Outro, inclusive com o primeiro Outro-natureza, gerador de privações materiais; posteriormente diante das frustrações afetivas da ‘ausência materna’ e, finalmente, talvez a mais terrível delas, diante da castração simbólica operada pela função paterna e a subsequente imposição de um superego inibidor e gozador, podendo ser fruto das mais intensas neuroses.

Pode-se dizer que Freud ‘joga um balde de água fria’ nas pretensões socioeconômicas de Marx, ao advertir:

“Como vemos, o que rege a vida é simplesmente o programa do princípio do prazer. Esse princípio domina o funcionamento do aparelho psíquico desde o início. Não pode haver dúvida sobre a sua eficácia, ainda que o seu programa se encontre em descordo com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo quanto com o microcosmo. Não há possibilidade alguma dele ser executado; todas as normas do universo são-lhes contrárias. Ficamos inclinados a dizer que a intenção de que o homem seja ‘feliz’ não se acha incluída no plano da ‘Criação’.”8.

Todavia Freud não acerta o ‘balde’ em Marx, ou se acerta, não o ‘molha’.

Campos distintos, com aproximações e com grandes dissensões. Não faltaram estudiosos e militantes tanto do Marxismo como da Psicanálise que tentaram e fizeram aproximações do tipo freudomarxismo: Herbert Marcuse, Wilhelm Reich, Louis Althusser, Gilles Deleuze...

A Sociopsicanálise é uma das herdeiras do movimento que propusera uma união de Freud com Marx aplicada nas Instituições de Trabalho:

“A Sociopsicanálise é uma proposta de intervenção que toma a psicanálise e o materialismo histórico como referenciais teóricos. Os indivíduos de uma organização, desapossados de poder, veem-se submetidos a um esquema regressivo, infantilizado e extremamente culpabilizados pela figura mítica da autoridade. Tais relações promovem uma regressão do político ao psicoafetivo, ou seja, ao império do modelo psicofamiliar. A leitura marxista utilizada pelo autor, por sua vez, analisa a sociedade moderna através da expansão da divisão do trabalho e suas formas de alienação, por um lado, e do surgimento dos que possuem os meios de produção e o grupo dos despossuídos, por outro. Desse modo, Mendel estabelece um diálogo entre a psicanálise e o materialismo histórico, sinalizando como as instituições utilizam-se do desamparo fundamental dos sujeitos por meio de alienação, divisão do trabalho, exploração e mitificação da relação hierárquica. O modo próprio de intervir da Sociopsicanálise é o que Mendel vai chamar de ‘classe institucional’, ou seja, a responsabilização dos indivíduos na instituição pelas relações sociais de produção. A intervenção sociopsicanalítica se apresentaria como um meio de analisar os processos regressivos que impedem o funcionamento da dimensão do político na instituição.”9.

Aquilo que talvez tenha ficado de mais frutífero da união de Freud e Marx foi a observância da causalidade do adoecimento psíquico do trabalhador. Neste sentido, subjaz em cada sujeito singular a sua série disposicional mental, pronta a irromper-se diante de fatores externos que o prive (material) ou frustre (afetivo), ou seja, a sua disposição psíquica em face de determinados fatores desencadeantes: inibição, sintoma, agressividade, violência, adoecimento...

Agora talvez seja mais oportuno dizer que no lugar de contrapor-se Marx e Freud, mais apropriado seria dizer que vivemos numa sociedade material como diria Marx, ao mesmo tempo, numa civilização de indivíduos singulares (sujeitos do desejo) como gostaria Freud. Uma não anula a outra. Portanto vivemos numa sociedade de sujeitos singulares que se unem e se dispersam de acordo com as suas vicissitudes internas e fatores externos.

A “idade de ouro”10 à qual se referiu Freud está longe de se tornar realidade.

A luta de classes vigora esplêndida em nossa época atual, cada vez mais severa, portanto inegável a sua estrutura na sociedade de indivíduos.

No Brasil, ainda em estado de Golpe de Estado, a minoria que ascendeu ao poder através da destruição da democracia com a concomitante instalação de um governo fascista, tirano e gozador talvez faça Freud e Marx arrepiarem os seus restos de cabelos em seus invólucros sepulcrais.

A maioria do povo brasileiro está sendo dizimada em todos os seus direitos sociais, eminentemente a classe de trabalhadores mais carentes dos meios materiais, humanos e culturais.

Nunca uma minoria foi tão déspota e perversa com a maioria na História do país: um erro capital.

Conforme advertiu Freud, contudo: “Não é preciso dizer que uma civilização que deixa insatisfeito um número tão grande de seus participantes e os impulsiona à revolta, não tem nem merece a perspectiva de uma existência duradoura.”11.

Assim, com Freud e Marx aprendemos que essa minoria que tomou de assalto o Brasil é uma corja, no mínimo, desconectada da história e ignorante quanto à capacidade da hostilidade e da resposta agressiva da maioria.

O tempo vai se esgotar... A “refeição canibal totêmica”12 está sendo preparada pela maioria.

Será na ceia do próximo Natal?

1 FREUD, Sigmund – Obras Completas, Volume XXI – O mal-estar na civilização – Imago Editora, Rio de Janeiro (RJ), 1966, p.73: “Trata-se de um sentimento (...) uma sensação de ‘eternidade’, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras – ‘oceânico’, por assim dizer.”.

2 FREUD, Sigmund – Obras Completas, Volume XXI – O futuro de uma ilusão – Imago Editora, Rio de Janeiro (RJ), 1966, p. 16.

3 Idem, p. 17.

4 FREUD, Sigmund – Obras completas, Volume XVIII – Psicologia de grupo e a análise do ego – Imago Editora, Rio de Janeiro (RJ), 1966.

5 BLUNDEN, Andy – Marx e o sujeito alienado, artigo traduzido por Ranato Suittana: “O mais importante é que Hegel sempre faz da Ideia o sujeito e faz do sujeito real e concreto, como o ‘sentimento político’, o predicado. Mas o desenvolvimento se dá, sempre, do lado do predicado.” [Marx, Crítica da Filosofia  do direito de HegeI, 1843]. Disponível em: http://www.arquivors.com/blunden1.htm

6 Idem.

7 Idem.

8 FREUD, Sigmund – Obras Completas, Volume XXI – O mal-estar na civilização, Op. Cit., p. 84.

9 PEREIRA, Willian César Castilho - Movimento institucionalista: principais abordagens, PUC Minas, 2007. Disponível em: http://www.revispsi.uerj.br/v7n1/artigos/html/v7n1a02.htm

10 FREUD, Sigmund – Obras Completas, Volume XXI – O futuro de uma ilusão – Imago Editora, Rio de Janeiro (RJ), 1966, p. 17.

11 Idem, p. 22.

12 FREUD, Sigmund – Obras Completas – Totem e Tabu – Imago Editora, Rio de Janeiro (RJ), 1966, p. 150: “Certo dia1, os irmãos que tinham sido expulsos [de uma tribo] retornaram juntos, mataram e devoraram o pai (pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si próprio e expulsa os filhos à medida que crescem. O tipo mais primitivo de organização que realmente encontramos – que ainda se acha em vigor, até os dias de hoje... – p. 149), colocando assim um fim à horda patriarcal... O violento pai primevo fora sem dúvida o temido invejado modelo de cada um do grupo de irmãos; e, pelo ato de devorá-lo, realizaram a identificação com ele, cada um deles adquirindo uma parte de sua força. A refeição totêmica, que é talvez o mais antigo festival da humanidade, seria assim uma repetição, e uma comemoração desse ato memorável e criminoso, que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais e da religião.2

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