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Clarissa De Franco

Psicóloga, doutora em Ciências da Religião, com pós-doutorado em Estudos de Gênero. Profa. Titular da Universidade Metodista de São Paulo

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O gringo que nos revela

Muitos Brunos têm morrido na Amazônia. E lamentavelmente precisamos de Dons e Dorothys para nos lembrar destes Brunos

(Foto: Redes sociais/reprodução)
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De todas as vicissitudes trágicas que envolvem o caso Bruno e Dom, temos esquecido de falar sobre como a banalidade da violência típica das terras de garimpo e extrativismo cedeu espaço a uma comoção pública apenas porque Dom Phillips era britânico e as cobranças acerca de seu sumiço ganharam status de “problema internacional”.

Sim, é lamentável afirmar algo desse tipo. No entanto, o silêncio em torno de outras mortes violentas em regiões próximas e ligadas a circunstâncias similares, como a de Maxciel Pereira dos Santos, confirmam o ridículo para além do sanguinolento: o Brasil que vive e cria suas leis na floresta oculta seus cadáveres há décadas. Infelizmente, somente mortos gringos recebem empenho da polícia, da mídia e da opinião pública por estas bandas. O nome de Maxciel só veio a ser conhecido nesse momento, como se precisasse de um empréstimo de importância que só gente do Norte parece ter.

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A Human Rights Watch (HRW), em levantamento de 2019, indicou que a Comissão Pastoral da Terra registrou mais de 300 assassinatos de 2009 a 2019 na Amazônia e que, dentre estes, apenas 14 foram levados a julgamento. Em relação às denúncias de ameaças, apenas uma teria sido formalmente encaminhada nestes anos.

Muitos Brunos têm morrido na Amazônia. E lamentavelmente precisamos de Dons e Dorothys para nos lembrar destes Brunos esquartejados em algum mato longínquo e provavelmente soterrados pelos movimentos dos tratores que não podem parar. O tempo da terra, dos índios, da floresta não se relaciona com o tempo da produtividade. Aquele deve olhar com olhos de descrédito para práticas que paradoxalmente destroem a terra da qual querem riquezas. 

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Na falta do Estado, sobram lógicas paralelas. Nosso presidente bem que alertou: entrar assim, numa região “selvagem” para uma “aventura” não é recomendável, não é mesmo, pessoal? Não sei bem, mas parece que encontramos narrativa similar no discurso misógino que diz que as mulheres não podem se vestir assim com saia curta e decote para a aventura das ruas selvagens cheias de homens, pois se arriscam a serem estupradas, ora!

O mecanismo do gringo que revela a ausência do Estado e a brutalidade de nosso capitalismo – esse sim, selvagem – não está somente ligado à Amazônia e aos locais que deveriam ser reservas indígenas. Em cena recente em nosso país, uma estrangeira denunciou crime sexual praticado pelo líder espiritual João de Deus e sua ação desencadeou uma montanha inacreditável de denúncias, trazendo à tona, inclusive, denúncias anteriores que já tinham sido levadas a julgamento em vão. João de Deus seguia de pé: dono de terra, prestígio, armas, fama... Precisamos da gringa para revelar a hipocrisia e brutalidade de abusar do corpo e da alma daquelas que buscavam cura. 

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Irmão protege irmão. E estes irmãos assassinos: grileiros, garimpeiros, madeireiros, têm feito valer o ditado entre si. Sem Estado, resta-nos seguir lutando na aventura realmente selvagem e cotidiana da vida pelos direitos humanos ou nos calar até que a próxima violência com gringo revele ao mundo do Norte mais um pedacinho de nossa faceta brutal, que também é fruto da violência na qual fomos forjados/as como nação, ou seja, a violência colonial protagonizada pelos mesmos gringos que hoje são assassinados por aqui. Um ciclo interminável de sangue.  

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