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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

203 artigos

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O homem que diz sou (não é)

Bolsonaro gesticula em Brasília ao lado do vice Mourão, a primeira-dama Michelle e o empresário Luciano Hang nas comemorações do Bicentenário da Independência. 7/09/2022 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
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Tomo emprestada a inspiração de dois dos nossos excelentes poetas, Baden Powell e Vinícius de Moraes, no “Canto de Ossanha”, para pensar no ponto a que chegamos e, quem sabe, para onde vamos. No dia 7 de setembro, data dos duzentos anos da nossa independência, fomos confrontados com algo que, na escada na qual, pouco a pouco, estamos descendo em nossa autoestima, demos a impressão de ultrapassar todas as medidas da nossa dignidade. Num discurso fora de hora, verdadeiro comício a poucos metros do palanque oficial onde deviam se achar patentes civis e militares, lá aparece ele, o que diz sou (não é), ao lado da mulher, aos gritos de “imbrochável”. Contando, ninguém acredita. A imprensa estrangeira correu atrás de adjetivos semelhantes em suas línguas e não logrou traduzi-lo, a não ser forçando a barra do ponto de vista da pronúncia e do significado chulo. 

Pois o “imbrochável”, o que diz sou (não é), além de seus berros auto confiantes, com piscadas maliciosas para a mulher, esqueceu-se de proceder a um balanço do bicentenário. Nos confrontos entre o que fomos e o que somos nos dias que correm, não se sairia bem. Temos um presidente que simula força, que a procura nas esquinas e quarteis – e não a localiza nem dentro de casa, com esposa ou filhos. Carrega uma trupe de filhos estabanados nos quais faltam igualmente as qualidades de estadistas. As Forças Armadas, numa distância prudente, observam e obedecem. Uma estanha quebra de hierarquia, uma vez que, de súbito, generais de quatro estrelas agora batem continência para um mero capitão.

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Dizer que ele é (não é), que possui a disposição de um touro nas arenas em que deita ou dirige a nação, não nos convence. Carecemos, mais do que de disposição física, de força espiritual para nos salvar de uma miséria que anda levando ao relento milhares de brasileiros. Ele imaginou, sem dúvida, que oferecia uma exibição de energia com aquela multidão ávida por comportamentos abusivos e perigosa, disposta a bater e matar. Exibiu os exageros de uma irresponsabilidade que, frente à legislação vigente, tem de pagar um preço. Numa data nacional, não se esperavam comícios com a exclusão dos demais candidatos. O que diz sou (não é), prevalecendo-se do seu pequeno intervalo de poder, feriu os requisitos do momento e atacou os adversários, passeando nas nuvens da leviandade.

Enquanto isso, no dia seguinte, com a decência dos verdadeiros estadistas, numa praça em Nova Iguaçu, o ex-Presidente Lula não necessitava de pedir licença a ninguém para dizer a que vem e o que pretende para o país. A multidão ali reunida, num espetáculo de celulares acesos, vibrou. É um contraste chocante. Algo como uma necessidade ocorria. Uma dor no estômago que há tempos nos torturava, pedindo remédio, deu lugar a uma aragem de renovação, de inteligência e de cavalheirismo que nos orgulhava diante do mundo. Esta aragem começa a soprar de Leste para Oeste, de Norte para o Sul. É como se despertássemos espantados de um sono letárgico, de uma espécie de coma que nos imobilizou e nos condenou à acomodação. A nação reconhece nos seus quatro cantos que entra numa confluência astral favorável, depois de se submeter a intermináveis pesadelos. Teremos imensos desafios diante do tamanho da destruição que nos tomou desprevenidos. Mas não nos equivoquemos. Sairemos disso. Nossa capacidade de criar e de improvisar prevalecerá. Antes que as cortinas se fechem, uma última saudação a Vinícius e Baden: “Amigo sinhô Saravá / Xangô me mandou lhe dizer / Se é Canto de Ossanha não vá / Que muito vai se arrepender”.

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