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Roberto Ponciano

Escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia. Doutorando em Literatura Comparada

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O ignorante não duvida porque desconhece que ignora – Ou, o terraplanismo e o senso-comum na esquerda

A esquerda brasileira zomba da direita por seu terraplanismo e crendices, por seu pouco apego à Ciência e à Lógica. O problema é que em grande parte da esquerda a situação é IGUAL

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Spinoza tem um aforismo muito importante. Ignorância não é argumento. Não é só uma frase vazia, é um princípio básico de argumentação e debate. Não é possível fazer uma discussão sem parâmetros, ou então é jogar xadrez com pombos, o adversário vai virar as peças, cagar no tabuleiro e ainda vai atacar você. Não se faz Ciência, incluindo Ciência Social, sem uma dose cavalar de ceticismo e outra dose cavalar de lógica, mesmo que elementar.

A esquerda brasileira zomba da direita por seu terraplanismo e crendices, por seu pouco apego à Ciência e à Lógica. O problema é que em grande parte da esquerda a situação é IGUAL! O senso-comum foi erigido como “democracia de opinião” e ninguém deve atacá-lo senão é um ditador autoritário. 

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A esquerda brasileira se organizou originariamente através do PCB e do marxismo, Konder assinala a falta de dialética deste marxismo que chegou ao Brasil. Na década de 60 o marxismo perdeu o monopólio de pensamento da esquerda brasileira e durante a década de 80 e 90, perdeu a hegemonia. O problema é que jogaram a criança fora junto com a água suja do banho. 

Se havia algo de importante durante a hegemonia comunista na esquerda brasileira era a política leninista de formação de QUADROS, e a necessidade de formação de qualquer militante, mesmo de baixa escolaridade. Às críticas ao esquematismo deste marxismo sem dialética, não levaram em conta o que ele tinha de bom. Minimamente os militantes comunistas ultrapassavam o senso-comum e se propunham a estudar história, filosofia, sociologia, lógica, geografia. Ignorância não era argumento. E se o marxismo, algumas vezes suplantava a prova científica, ou bem ou mal, o nível cultural da massa do Partidão era elevado e as pessoas aprendiam que não deviam opinar sem conhecimento de causa, a partir da máxima hegeliana que “liberdade é a descoberta da necessidade”. Em resumo, não se opina sobre uma questão se você não a conhece. Aparência não é essência, e se deve estudar um objeto antes de afirmar conhecê-lo. Então, se aprendia que só se devia opinar sobre um assunto depois de estudá-lo.

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Não cabe neste artigo discutir as causas da perda de hegemonia do PCB. Todavia, algo foi perdido junto com isto. A ideia de Vanguarda e de formação de Quadros. Os partidos de esquerda NÃO FORMAM MAIS NINGUÉM (antes deformam, no carreirismo interno louco de disputa de cargos e boquinhas) e qualquer um que entre num partido de esquerda pode virar dirigente e liderança, mesmo sendo IGNORANTE COMPLETO em todos os assuntos que deveria ao menos arranhar. Para ser liderança não precisa entender de ABSOLUTAMENTE NADA. Precisa aprender apenas a lógica interna da disputa de eleição e cargos. Aliás, dependendo do cargo que a pessoa for ocupar, quanto mais idiota melhor, porque assim fica fácil ser boneco de ventríloquo de alguém.

Assim se criou um caldo de cultura em que sim, IGNORÂNCIA VIROU ARGUMENTO. Discordar do senso-comum é AUTORITARISMO, compartilhar do senso-comum é DEMOCRACIA, e citar conhecimento de leitura prévia é PEDANTISMO!

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Burrice virou “HUMILDADE”, e o lugar de fala, que é importante (obviamente que defendemos que quem tem que falar sobre o racismo são os negros e negras; do machismo são as mulheres, etc) serviu para alguns ocultarem a própria preguiça em pesquisar, ignorância em todos os assuntos e falta de leitura basilar.

Sou formador desde 2004, e estou ficando cada vez mais assustado com o avanço da ignorância como algo normal e aceitável entre a militância de esquerda. Aliás, tenho visto a apologia da ignorância sob o manto da “tolerância de opiniões”. Se alguém diz uma bobagem anticientífica num grupo de esquerda e você critica, você agiu mal, você tem que ser tolerante (com a burrice) e aceitar a diversidade (mesmo que seja pregação de terraplanismo).

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Tenho ouvido, e não uma vez, mas dezenas de vezes as seguintes frases:

a) “Nunca li este autor, mas você não vai tirar meu DIREITO de opinar sobre ele”.

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b) “Só porque você leu sobre o assunto e eu NUNCA LI NADA, não quer dizer que você pode IMPOR sua opinião”;

c) Acho autoritário só porque você leu este autor/assunto e eu não li, você dizer que entende sobre ele e eu não”;

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d) “Acho Marx racista, acho Freud machista, por isto NUNCA OS LI”.

Não, não estou inventando, não estou floreando para que o artigo pareça veraz. Escutei cada uma destes argumentos acima DEZENAS DE VEZES, ditos da maneira mais tranquila, sem que a pessoa que os disse corasse de vergonha. E aí de você se argumentar que quem não conhece um assunto não deve argumentar sobre ele. Basta escolher um rótulo para você para acabar com a discussão: “autoritário”, “pedante”, “dono da razão”, “metido a intelectual”, etc. Sim, meus caros, na esquerda IGNORÂNCIA TAMBÉM É ARGUMENTO.

O assustador disto é que a burrice e a ignorância estão se tornando norma de comportamento e não formamos mais quadros. O ignorante não duvida porque desconhece que ignora. Trocamos a potência da filosofia pela impotência do lugar comum.

Creio que não estamos com esta bola toda para zombar da direita. A falta de formação de quadros, de escolas de formação, de estudo sério e continuado, na intenção de formar uma vanguarda capaz de pensar estratégia de longo prazo para sair do pântano, não nos coloca muito acima deles na média de nossas discussões.

Na verdade, o Olavismo e o Misses tem investido em criar uma vanguarda cultural de direita liberal e também de direita protofascista. Se eles pervertem a ciência e a filosofia, ao menos tem o mérito de estar estudando (a vanguarda deles), mais que a maioria de nós. Leitura de clássicos entre nós virou demérito, conhecimento de teoria política e filosofia virou pedantismo. E criamos uma caldo insonso de horizontalismo incapaz de pensar um único problema estrutural brasileiro.

Ou voltamos a investir em formação continuada, leitura dos clássicos, de Ciência Política, Filosofia, Economia, ou voltamos a criar vanguarda no sentido LENINISTA DO TERMO, ou teremos partidos de rebanhos de ovelhas repetidoras da direção, cuja única função é votar e disputar as boquinhas em cada aparelho.

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