O inimigo atrás da porta
Hugo Motta se revelou. Motta ocultava, atrás da porta, o Nem Se Importa
Karl Marx acertou quando, em O 18 Brumário, notou que a história não se repete. Se efetiva como tragédia (Napoleão Bonaparte, o grande) e depois como farsa (Luís Napoleão, o sobrinho, o pequeno). No cotidiano dos homens a regra também se comprova, com as devidas proporções, se compararmos Arthur Lira com Hugo Motta. Este alcançou o cargo que ocupa na Presidência da Câmara dos Deputados dando a impressão de um estadista habilidoso, de bom trato, com pinceladas progressistas no discurso, até citando o filme Ainda Estou Aqui. De repente, no episódio do IOF, se revelou. Já não era o camarada confiável, de palavra. Conspirava contra o governo e juntava numa causa todos os seus correligionários.
A derrota de Lula se tornou inevitável.
Primeiro, não se esperava a virada abrupta, uma transformação da água para o vinho em 24 horas! Supunha-se que o deputado se tivesse deixado contaminar quem sabe com uma pequena dose de princípios de solidariedade para entender que, em matéria de imposto, os pobres já pagam muito e os ricos, perto de nada. Um equívoco. O Motta ocultava, atrás da porta, o Nem Se Importa, como bem perceberam os vídeos das redes sociais, em cima do lance, com milhões de visualizações. Nosso primeiro mandatário, até aquele instante cuidadoso, educado, disposto a dialogar, registrara o golpe baixo e respondera à altura. Ao contrário do que se supusera, que se apresentava fraco, desprestigiado nas pesquisas, ressurgiu vigoroso, com base eleitoral militante e inclinada a apoiá-lo, junto a importantes parcelas da população. Na próxima disputa, terão pela frente um adversário disposto, com capacidade de luta, verdadeiramente imbatível. Na conspiração com Ciro Nogueira, Hugo Nem Se Importa entendeu que a falta de caráter não faz bem à política. Estudar o comportamento do Chefe do Executivo não lhe cairia mal, embora personalidade e estrutura psíquica em geral não se transfiram. Ao contrário de muitos, Lula não abandona os que lhe foram solidários nas fases de adversidade. Vide o seu encontro em Buenos Aires com Cristina Kirchner. O abraço longo, humano com que a saldou, sabendo-a vítima das perseguições do lawfare, uma justiça ideológica e aparelhada para impedi-la de se candidatar. É novamente a farsa. Nos vídeos, o Nem Se Importa, num jantar com milionários, desempenha um papel brilhante, alegre como um herói (como o festejou João Doria, nas telas de TV para lhe afirmar o título). Do seu ponto de vista, do herói metamorfoseado em vilão, o problema foi a ressaca, o day after, na rebordosa. Como no Rubião de Machado de Assis, deve ter se olhado no espelho e se visto de cabeça vazia, depois de erguer as mãos, elevá-las e se coroar com... coisa nenhuma. A imagem boa, cultivada com a eleição à frente do plenário, se desfizera. Rolava pelas ruas à beira das sarjetas. Recompor a dignidade perdida de alguém não representa tarefa simples. Vai ter de rebolar. E agora, onde estarão os conselheiros (Ciro Nogueira & Cia.?) que o conduziram ao abismo? Já não se mostram atrás da porta.
* Ronaldo Lima Lins é escritor e Professor Emérito da Faculdade de Letras da UFRJ.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

