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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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O Irã abraça seu futuro eurasiano

O coração político do Irã está na sofisticada organização urbana do planalto setentrional, resultante de um processo contínuo de muitos milhares de anos

Presidente do Irã, Ebrahim Raisi (Foto: West Asia News Agency via Reuters)
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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Seyyed Ebrahim Raisi tomou posse como o oitavo presidente do Irã nesta quinta-feira, no Majlis (Parlamento), dois dias depois de ter sido formalmente endossado pelo Líder da Revolução Islâmica, o Aiatolá Khamenei.

Representantes do Secretário-Geral da ONU, da OPEC, da UE, da União Econômica Eurasiana (UEEA), da União Inter-islâmica e diversos chefes de estado e chanceleres estiveram presentes no Majlis, inclusive o Presidente do Iraque Barham Salih e o Presidente Ghani do Afeganistão. 

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A República Islâmica do Irã, em mais que um sentido, ingressa agora em uma nova era. O próprio Khamenei traçou seus contornos em um discurso curto e incisivo, 'A Experiência de Confiar nos Estados Unidos'

A análise estratégica de Khamenei, divulgada mesmo antes do resultados das negociações do acordo nuclear (JCPOA), em Viena, em 2015, da qual tratei em meu e-book publicado pelo Asia Times, Persian Miniatures, acabou por se mostrar premonitória: "No decorrer das negociações, afirmei repetidamente que eles não cumprem suas promessas.". De modo que, ao final, "a experiência nos diz que isso, para nós, é veneno letal". À época do governo Rouhani, acrescenta Khamenei, "ficou claro que confiar no Ocidente dá certo".
Com timing perfeito, um novo livro de seis volumes, Sealed Secret (Segredo Lacrado), de autoria do Chanceler Javad Zarif que ora deixa o cargo juntamente com os dois principais negociadores do JCPOA, Ali Akbar Salehi e Seyed Abbas Araghchi (que ainda participa do atualmente paralisado debate de Viena), será publicado na corrente semana, por enquanto apenas em farsi.

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O Professor Mohammad Marandi, da Universidade de Teerã, resumiu para mim o trajeto que o Irã tem pela frente: "As decisões de política externa do Irã são bastante claras. O Irã irá colocar menos ênfase nos países ocidentais, principalmente da Europa, e mais ênfase no Sul Global, no Oriente, nos países vizinhos incluindo, é claro, a China e a Rússia. O que não significa que os iranianos irão ignorar de todo a Europa, se decidirem retornar ao JCPOA. Os iranianos aceitariam caso os europeus se disponham a cumprir  suas obrigações. Até agora, não vimos nenhum indício dessa disposição".

Marandi não pôde deixar de se referir ao discurso de Khamenei: "É bastante claro que ele está dizendo que 'não confiamos no Ocidente, e estes últimos oito anos deixaram isso bem claro', ele está dizendo que o próximo governo deve aprender com a experiência desses oito anos".

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Mas o principal desafio para Raisi não será a política externa, mas o quadro interno, com as sanções fazendo estragos: "Com respeito à política econômica, haverá uma tendência a maior justiça social e ao abandono do neoliberalismo, ampliando a rede de segurança para os desprivilegiados e os vulneráveis".

É intrigante comparar o que diz Marandi com a opinião de um diplomata iraniano experiente e muito bem posicionado como observador do conflito interno, mas que prefere ficar anônimo:

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"Durante os oito anos de Rouhani, indo contra os conselhos do Líder Supremo, o governo gastou tempo demais em negociações sem investir no potencial interno. Bem, esses oito anos agora chegaram ao fim e, ao contrário das promessas de Rouhani, temos agora, no Irã, a pior situação financeira e econômica dos últimos 50 anos". 

O diplomata é categórico quanto "à importância de dar atenção às nossas capacidades e potencialidades internas e, ao mesmo tempo, manter sólidas relações econômicas com nossos vizinhos, e também com Rússia, China, América Latina, África do Sul, além de manter relações respeitosas com os europeus e o governo dos Estados Unidos, caso eles mudem de postura e aceitem o Irã tal como ele é, e deixem de tentar derrubar o estado iraniano e prejudicar seu povo de todas as formas possíveis". 

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Os iranianos são herdeiros de uma tradição de boa diplomacia que data de pelo menos 2.500 anos. De modo que, mais uma vez, nosso interlocutor teve quer ressaltar que "o Líder Supremo nunca, jamais disse ou acreditou que devamos cortar relações com os europeus. Muito ao contrário: ele crê profundamente na ideia de  diplomacia dinâmica" mesmo com relação aos Estados Unidos. Ele, muitas vezes, afirmou que não temos qualquer problema com os Estados Unidos se eles nos tratarem com respeito". 

E agora, é hora de viajar 

Teerã não tem a menor ilusão de que o Irã de Raisi, muito mais que o de Rouhani, continuará a ser alvo de múltiplas "pressões máximas" e/ou de táticas de Guerra Híbrida empregadas por Washington, Tel Aviv e pelo OTANistão, inclusive das mais cruas falsas bandeiras, com todo o combo celebrado nas análises dos Thinktanks americanos, redigidas por "especialistas" confinados nos cubículos do Beltway.

Tudo isso é irrelevante em termos do que realmente importa no futuro do tabuleiro de xadrez do Sudoeste da Ásia.

O grande e falecido René Grousset, em seu clássico de 1951, L’Empire des Steppes, apontou "que o Irã, renovando-se por mais de cinquenta séculos", sempre deu provas de uma surpreendente continuidade". Foi devido a essa força que a civilização iraniana, tanto quanto a chinesa, assimilou todos os estrangeiros que conquistaram seu território, dos seljuks aos mongóis: "A cada vez, em razão da radiância de sua cultura, o iranismo reapareceu com vitalidade renovada, a caminho de uma nova renascença".

A possibilidade dessa "nova renascença", agora, implica ir um passo além do "nem Oriente nem Ocidente" originalmente conceituado pelo Aiatolá Khomeini: trata-se agora de um voltar às raízes (eurasianas), o Irã fazendo renascer seu passado para  enfrentar o novo futuro multipolar.

O coração político do Irã está na sofisticada organização urbana do planalto setentrional, resultante de um processo contínuo de muitos milhares de anos. Por todos os "cinquenta séculos" de Grousset, o planalto foi a morada da cultura iraniana e o centro estável do poder. 

Em torno desse espaço central há muitos territórios histórica e linguisticamente ligados à Pérsia e ao Irã: na Anatólia do Leste, na Ásia Central e Afeganistão, no Cáucaso, no Paquistão Ocidental. Há também os territórios xiitas de outros grupos étnicos, a maioria deles árabe, no Iraque, na Síria, no Líbano (Hezbolá), no Iêmen (os zaiditas) e no Golfo Pérsico (Bahrain, os xiitas de Haza, na Arábia Saudita). 

Esse é o arco xiita - que se desenvolveu em um complexo processo de iranização principalmente político e religioso, e não cultural e linguístico. Fora do Irã, vi em minhas viagens o quanto os árabes xiitas do Iraque, Líbano e no Golfo, os xiitas Dari/Farsi do Afeganistão, os do Paquistão e da Índia, e os xiitas turcófonos do Azerbaijão  respeitam e admiram o Irã político.  

A grande zona de influência iraniana, portanto, baseia-se principalmente no xiismo, e não no radicalismo islâmico ou na língua persa. É o xiismo que permite que o poder político no Irã conserve uma dimensão eurasiana - do Líbano ao Afeganistão e à Ásia Central - o que, mais uma vez, reflete a "continuidade" de que fala Grosset quando ele se refere à história persa/iraniana.   

Desde a Antiguidade até a era medieval, foi sempre a partir de projetos imperiais originários do Sudoeste Asiático e/ou da Bacia do Mediterrâneo que nasceu o impulso a tentar criar  um território eurasiano. 

Os persas, que estavam a meio caminho entre a Europa Mediterrânea e a Ásia Central, foram os primeiros a tentar construir um império eurasiano indo da Ásia ao Mediterrâneo, mas foram impedidos em sua expansão em direção à Europa pelos gregos, no século V A.C.

Coube então a Alexandre o Grande, em puro modo blitzkrieg fodona, aventurar-se até a Ásia Central e a Índia, fundando o primeiro império eurasiano de fato. O que acabou por, em grande medida, materializar o império persa. 

Então, algo de ainda mais extraordinário aconteceu: a presença simultânea dos impérios parta e kushan entre o Império Romano e o Império Han durante os dois primeiros séculos do primeiro milênio. 

Foi essa interação que permitiu o início do comércio de mercadorias e de cultura e da conectividade entre as duas extremidades da Eurásia, os romanos e os chineses han.

Mas o mais extenso espaço territorial eurasiano, fundado entre os séculos VII e X, logo após as conquistas árabes, foram os califados omíada e abássida. O Islã foi o cerne dessas conquistas árabes, reorganizando as composições imperiais de antes, da Mesopotâmia aos persas, gregos e romanos. 

Em termos históricos, foi esse o primeiro arco econômico, cultural e político verdadeiramente eurasiano, que durou do século VIII ao século XI, antes de Genghis Khan chegar e monopolizar o Grande Quadro. 

Tudo isso está bem vivo no inconsciente coletivo dos iranianos e dos chineses. É por essa razão que o acordo relativo à parceria estratégica China-Irã é muito mais que um mero acerto econômico no valor de 400 bilhões de dólares. Trata-se de uma manifestação clara do objetivo do renascimento das Rotas da Seda. E tudo indica que Khamenei, anos atrás, já havia percebido para que lado sopra o vento (do deserto).

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