O Mapa do Caminho: O Brasil que encerra 2025 e o País que precisará se enfrentar em 2026
Em um mundo que se reconfigura tão rapidamente, o Brasil não pode caminhar sem bússola
O Brasil termina 2025 entre dois reflexos que jamais se alinham por completo. De um lado, o país que comandou o G20, articulou o BRICS ampliado e conduziu a COP-30 como se houvesse nascido para a diplomacia climática. De outro, a nação que segue atravessada pela desigualdade, pela violência cotidiana, pela precarização do trabalho e pela sensação de que a democracia, mesmo sobrevivendo, continua tensionada. Depois de um ano em que o Brasil brilhou no mundo, chega a hora inevitável de olhar para dentro, e enfrentar o país real que insiste em ser adiado.
O Brasil que encantou o Mundo, e o País que continuou à margem
Enquanto Belém recebia líderes globais para discutir a sobrevivência da floresta e o redesenho do “mapa do caminho na direção de um mundo que defende a preservação de florestas de pé, que combate o desmatamento e se afasta do uso de combustíveis fósseis”, os números domésticos seguiam revelando um Brasil suspenso entre avanços e frustrações.
A economia cresceu acima da média mundial — cerca de 2,0%, segundo o FMI — mas sem capacidade de alterar a estrutura profunda das desigualdades. A inflação convergiu para 3,8% ao ano, embora a inflação percebida pelas famílias de baixa renda continue muito mais alta em alimentos, gás de cozinha, transporte e aluguel. E os juros, seguiram entre os mais altos do mundo em termos reais, produzindo uma sangria de cerca de R$ 785 bilhões em pagamentos de juros apenas em 2025 — recursos que poderiam ter financiado saúde, educação, ciência, infraestrutura e a reconstrução do Estado brasileiro.
Essa contradição tornou-se quase uma marca do país: um Brasil que oferece ao mundo uma agenda de futuro, enquanto, internamente, ainda se move sob amarras antigas. O mercado de trabalho ilustra esse paradoxo. O desemprego caiu para 7,2%, o menor patamar em mais de uma década, mas o alívio estatístico não se converteu em dignidade. Cresceu a pejotização, aumentou a informalidade e a juventude — sobretudo negra e periférica — segue empurrada para ocupações de baixa remuneração e sem perspectiva. Criam-se vagas; não se criam horizontes.
A desigualdade permanece como a força gravitacional que estrutura a sociedade brasileira. Segundo a Oxfam, o 1% mais rico concentra 51% de toda a riqueza nacional, enquanto os 10% mais ricos ficam com 60% da renda. Convive-se, no mesmo território, com 9,1 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave e 32 milhões vivendo com menos de R$ 420 por mês. O Brasil que lidera discussões internacionais sobre desenvolvimento e sustentabilidade é o mesmo país em que a fome e a precariedade ainda moldam o cotidiano de milhões de cidadãos.
A Sociedade Ferida e a Fragilidade da Nossa Democracia
Ao longo de 2025, a situação social das grandes cidades brasileiras voltou a anunciar uma crise que teima em não ser tratada com a centralidade que merece — a da segurança pública. As mortes provocadas por policiais superaram 6.700 no ano — mais do que todas as mortes cometidas por forças de segurança da União Europeia somadas — e as chacinas se tornaram rotina em estados como o Rio de Janeiro e Salvador.
A saúde pública acumulou filas de quase um milhão de procedimentos, enquanto municípios enfrentavam falta de médicos, equipes e insumos básicos. E a educação básica, há anos abandonada por políticas estruturantes, continuou a operar entre a resiliência dos educadores e a precariedade das instituições: metade das escolas ainda não possui biblioteca, laboratório ou quadra coberta, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
A juventude é a face mais nítida desse esgarçamento. Taxas de desemprego quase três vezes maiores que a média, violência cotidiana, evasão escolar crescente e captura digital por redes de desinformação formam um círculo vicioso que mina não apenas o presente, mas o futuro democrático do país. Democracia não é apenas urna Constituição Cidadã como a que nos orgulha de 1988; é também a percepção de que a vida pode melhorar, de que há horizonte. Quando o horizonte se estreita, a democracia se fragiliza.
É nesse ambiente que a extrema direita brasileira — embora enfraquecida eleitoralmente — continua a operar e manipular. Recuou em volume, mas não em convicção. Reorganizou-se em prefeituras, câmaras municipais, redes religiosas e corporações armadas. Alimenta-se do medo, da desinformação e da experiência concreta de sofrimento econômico e social. As eleições de 2026, que começam a ser moldadas agora, não serão pleito de rotina. Serão, novamente, disputa de rumos profundos.
O governo Lula, fortalecido internacionalmente, termina o ano pressionado internamente pela política fiscal e monetária restritiva, pelo Congresso fragmentado, pelo desgaste social acumulado desde a pandemia e pelo abismo entre números macroeconômicos positivos e a vida real da população. Resultados existem — mas não se traduzem ainda em percepção de alívio.
O Ano que Começa: a Necessidade de Encarar o País que somos
A travessia para 2026 exige que o Brasil abandone o hábito histórico de adiar suas questões estruturais. O país precisa enfrentar sua desigualdade com a mesma centralidade com que defende suas florestas; precisa reconstruir o trabalho digno com a mesma urgência com que negocia transições energéticas globais; precisa romper com o ciclo de juros proibitivos que beneficiam poucos e sacrificam milhões; precisa reinventar a política de segurança pública para que deixe de produzir corpos e comece a produzir vida; precisa transformar a transição ecológica num projeto nacional de inclusão, inovação e empregos; e precisa proteger a democracia da máquina de desinformação que tenta capturar o Estado pela via do ressentimento.
É nesse ponto que as pesquisas eleitorais mais recentes — Datafolha, Quaest, IPEC — assumem um papel ambíguo. Elas mostram Lula liderando cenários para 2026 com vantagem expressiva sobre todos os nomes da direita e da extrema direita, em alguns casos ultrapassando dez pontos de diferença e sustentando níveis de aprovação que resistem ao desgaste social e à pressão institucional. Mas números favoráveis nunca foram garantia de tranquilidade no Brasil. Pelo contrário: podem ser o prenúncio de ofensivas mais duras.
A extrema direita não está derrotada; está reorganizada. Opera nos municípios, influencia corporações armadas, avança nas igrejas neopetencospais, multiplica canais de desinformação e prepara uma disputa que será agressiva, polarizada e, se possivelmente, antidemocrática. O Congresso — que ao longo de 2025 sabotou projetos progressistas, distorceu prioridades nacionais e se portou como usina de chantagens — tem plena consciência de que seu poder depende de manter o país dividido e o governo acuado. Nada indica que recuará. É por isso que, apesar das pesquisas animadoras, a vigilância democrática permanece indispensável. O Brasil já viu o que acontece quando baixa a guarda. O perigo continua presente, disciplinado e paciente.
Planejamento de longo prazo
Há ainda uma cobrança que se torna cada vez mais urgente entre economistas, urbanistas, cientistas e gestores públicos: o Brasil precisa recuperar a capacidade de planejar o futuro. Não se constrói um país apenas reagindo à conjuntura, por mais turbulenta que ela seja. Falta-nos um programa de longo alcance, um horizonte estratégico capaz de integrar infraestrutura, educação, ciência, tecnologia, indústria verde, economia digital e redução das desigualdades. Países que romperam o atraso — e a China é apenas o exemplo mais notório — avançaram porque pensaram décadas à frente de si mesmos. Seus planos quinquenais não são fetiches tecnocráticos, mas instrumentos de coordenação nacional. O Brasil, que possui todos os recursos e talentos para liderar a transição ecológica e tecnológica, não pode seguir prisioneiro de ciclos eleitorais curtos, agendas improvisadas e disputas paroquiais. Precisamos de um plano de país, e não apenas de governo.
Geopolítica em transformação e a urgência de um plano nacional
Essa necessidade de planejamento se torna ainda mais evidente quando observamos a geopolítica em metamorfose acelerada. O mundo que se desenha para a próxima década não será um prolongamento inofensivo do presente: novas alianças surgem, novos países do Sul Global ocupam posições estratégicas e velhos atores passam a atuar como forças de erosão. Donald Trump, novamente na Casa Branca, é o símbolo mais claro dessa era de depredadores geopolíticos — líderes que desmontam instituições multilaterais, tratam regiões inteiras como zonas de influência militar e apostam no caos como método de poder. Ao mesmo tempo, cresce a relevância de parcerias estruturantes, como China, Índia, Indonésia, África do Sul e o conjunto de países do BRICS ampliado, todos empenhados em reorganizar comércio, moeda, energia e governança global.
Em um mundo que se reconfigura tão rapidamente, o Brasil não pode caminhar sem bússola. Ou teremos um projeto nacional capaz de dialogar com a nova ordem — e dela se beneficiar — ou continuaremos vulneráveis a pressões externas, crises importadas e aventuras de potências que tratam até aliados como peças descartáveis. Planejar é, hoje, um ato de soberania.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

