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Fernando Horta

Fernando Horta é historiador

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O ministro deveria ter ficado silente

"Moraes declarou que Marcos do Val fala a verdade. Que ele, Moraes, sabia das articulações golpistas e não tomou atitudes imediatas", aponta Fernando Horta

Alexandre de Moraes (Foto: Reprodução/TV Lide)
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O ministro Alexandre de Moraes veio à público reconhecer que esteve em contato com o senador Marcos do Val. Moraes declarou o famoso “o que não está nos autos, não existe no mundo”. Um jargão clássico de juízes que querem se dizer “técnicos” e se eximir de reconhecer o conteúdo político das suas decisões. Moraes disse que “o que não é oficial” para ele “não existe”, numa clara tentativa de se manter acima da mundana política.

Era melhor ter ficado silente e usado outro dos jargões do mundo jurídico: “Só me pronunciarei nos autos”. A declaração de Alexandre é desastrosa e, possivelmente, torna toda a empreitada de Marcos do Val e Daniel Silveira, agora, bem sucedida.

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Primeiro é preciso assentar duas coisas: não há lei sem consenso social prévio que a valide, e no Brasil, os consensos sociais estão sendo torpedeados desde 2013. O resultado político das disputas pelos sentidos das coisas (verdade e mentira) é a criação de dois mundos diferentes. Num mundo de respeito às “instituições”, vale o que “está nas leis” e a interpretação dos sujeitos escolhidos (ministros). No outro mundo, tudo é política, tudo está disponível ao escrutínio, modificação e aceitação ou rejeição pelo indivíduo. Esses dois mundos em choque, cabe aos agentes políticos decidir em qual deles vão estar e por qual deles vão lutar.

A esquerda lulista decidiu ficar sob a guarda do primeiro mundo. Seguir as instituições e fortalecê-las, ainda que estejam em flagrante erro, é uma atitude socrática. Desde que Sócrates decidiu tomar cicuta e fazer valer a decisão (errada) da cidade-estado sobre ele, o caminho do fortalecimento das instituições ficou evidente. Não havia nenhuma obrigação da esquerda em seguir este caminho, mas agora que o seguiu, precisa se ater a ele. 

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O que não se pode fazer é, ingenuamente, acreditar que só esse mundo existe. Estamos em franca disputa pelo estabelecimento (ou reestabelecimento) dos regimes de verdade sobre o mundo. Ciência, política, instituições, mundo real, causa e consequência... tudo é disputa no Brasil hoje. Os bolsonaristas já escolheram colocar tudo abaixo e, portanto, ainda que digamos que “quando um não quer, dois não brigam”, a disputa está sobre nós.

O objetivo de Marcos do Val e Daniel Silveira era tornar Moraes figura suspeita. Todo o planejamento era colocar o ministro no centro do processo de tomada de decisão e, assim, fortalecer a versão de que Moraes agia de forma arbitrária. Qualquer um sabe que o “técnico” e o “político” não se distinguem da forma como a teoria jurídica não crítica afirma. Moraes estava sendo político tanto quanto Bolsonaro ou Mourão estavam sendo juízes e fazendo valer seus juízos sobre o mundo. A questão aqui é qual consenso vai se estabelecer.

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A maioria da população vai reconhecer Moraes como “juiz” e as instituições como legítimas para deter os poderes autoritários de “julgar”, “punir” e “inocentar”? Ou a maioria da população vai assumir que os senhores de capa (do STF aos juízes de piso) são uma casta autoritária de pessoas venais que destroem a “verdadeira democracia” e, por isso, precisam ser calados e suprimidos?

A disputa não é, portanto, em qual inciso de qual lei as ações de Marcos do Val ou Daniel Silveira são tipificados. A questão é qual relação será consensual a respeito do que ocorreu. Nesse sentido, Moraes declarou que Marcos do Val fala a verdade. Que ele, Moraes, sabia das articulações golpistas contra si e que, além, não tomou atitudes imediatas contra o que se estava ocorrendo. Estes todos são consensos extraídos da fala do ministro. As razões que ele deu para cada uma delas só tem algum interesse no mundo do respeito às instituições. Ocorre que, pelo resultado da eleição, 50% dos brasileiros não estão no mundo do ministro.

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O que Moraes fez foi validar a narrativa de Marcos do Val e oferecer um selo de verdade a fala de um senador que diz e se desdiz a cada entrevista que dá. E isso foi um erro. Imediatamente as redes bolsonaristas passaram a dizer que em o ministro sabendo de tudo, ele foi sócio da empreitada. Isso significa que ou Moraes deixou de usar suas ferramentas para invalidar o golpe ou estava agindo politicamente dentro dele. Mesmo que você diga que esta interpretação não está em consonância “com o que diz a lei”, a verdade é que a função de Silveira e Do Val era exatamente fragilizar este consenso.

A fala do ministro oferece aquilo que os dois golpistas estavam tentando. Fortalece a narrativa de que Moraes é um agente político (em oposição à sua perspectiva de “aplicador da lei”) e justifica que Marcos do Val agora siga dizendo que não pode ser culpabilizado porque “cumpriu com seu dever de avisar”.

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Aliás, Do Val disse que sua função era gravar o ministro Alexandre e conseguir algum ponto frágil (entre a postura de “juiz técnico” e de “agente político interessado”) que pudesse ser usado para invalidar todo o edifício institucional em que o STF se assenta. Pois, com a entrevista do ministro Alexandre, Do Val conseguiu. 

É por isso que juízes só se pronunciam nos autos. Os autos são o único lugar do universo em que as o distanciamento “técnico” e “político” e a realidade paralela do direito podem ser aplicadas. É o único lugar em que o mundo de cores, cheiros e decisões éticas questionáveis se transforma em uma folha bidimensional escrita com tinta preta. O ministro deveria ter ficado no seu mundo. Ele é muito mais simples. Ou era...

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