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Sidney Duran Gonçalez

Advogado criminalista, pós-graduado em Direito Penal e mestrando em Direito Penal pela Universidade de Salamanca

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O mito está morto, vida longa ao novo mito

O problema da criação de Mitos é que os mesmos não suportam a realidade, eles necessitam viver em um mundo de ilusão, precisam da realidade paralela

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Antes de entendermos o mundo, quando ainda estávamos presos a imaginação dos acontecimentos que nos cercam, olhando atônitos ao universo e tentando entender o nosso lugar, o Mito nos trazia a tranquilidade de explicar-nos o mundo por meio de aforismos, tínhamos a segurança ao encararmos o desconhecido, o universo, nosso planeta, a fundação dos tempos. O conhecimento e a ciência vêm derrubando os Mitos, agora o homem pisa firme rumo ao conhecido, relega o Mito a crendices e manipulações sociais, mais lá no fundo do coração humano o Mito ainda vive, se faz forte, domina o imaginário e espera tranquilamente o seu novo momento.

Nietzsche assim escreve no aforismo 125 em Gaia Ciência:

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“Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!?”

Achávamos que éramos felizes, até descobrirmos que não! Em 2013 após aumento de R$ 0,20 na tarifa de ônibus na capital paulista governada por Fernando Haddad, um levante de mascarados eclodiu, com pautas intervencionistas e de combate a corrupção que tomaram conta da maior cidade do país. Estávamos vivendo o início da narrativa, o acordar do Mito.

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A partir do fatídico aumento em centavos da tarifa de ônibus, o Brasil nunca mais foi o mesmo, enxergamos a corrupção em nossa política após 513 anos do ‘descobrimento’, e certamente todos nós estávamos enojados. Não existia outra pauta na mídia, a não ser o combate a corrupção, o Brasil dava às mãos, cantava o hino, clamava por justiça! Estávamos vivenciando a construção da narrativa do Mito.

- Mito do grego Mýthos é uma narrativa que tem a função de explicar a origem das coisas, desempenhando um papel moral, respondendo a questionamentos humanos. O Mito é uma narrativa não real, imagética que evolui com condições sociais e históricas, busca explicar o que ainda não podemos entender com a nossa própria psique e demonstrarmos pela ciência, portanto, o Mito necessita de um certo tempo para ser constituído. O Mito deixa de existir quando é afastado pelo conhecimento, após conhecer e entender um fato não é mais preciso criar imagens não reais. 

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Após toda euforia de 2013 com a redescoberta das manifestações de rua pós ditadura, houveram ás eleições de 2014 e a presidente Dilma Roussef foi reeleita, mais para isso precisou sinalizar para a sociedade que não compactuava com as posições corruptas combatidas pela população, e, para tanto, promulgou a Lei 12.850/13, que deu sustentação a criação das forças-tarefas, que em pouco tempo colaborariam para destruir o seu governo, e instalariam no país um governo político/penal. Nesse momento entra o direito penal na política nacional como ferramenta para salvaguarda da nação.

A Lei 12.850/13 trouxe ao direito penal brasileiro a possibilidade de realizar-se acordos de colaboração premiada com o Ministérios Público e posteriormente com a Policial Federal. A lei promulgada pela presidente Dilma foi responsável por diversas delações de réus presos preventivamente por longos períodos, que prejudicaram seu governo, e depois muitas destas delações foram desconsideradas processualmente, sendo que mais recentemente a bombástica e pré-eleitoral delação do ex-ministro Antônio Palocci foi retirada de ação penal. As delações construíam um fato político.

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Deste período conturbado vieram ao mundo jurídico ás Leis penais 12.850/13 (lei das organizações criminosas)  e 13.260/16 (lei antiterrorismo). Às legislações em questão possuem um aspecto em comum, ambas vieram a existir com apelo populista, eleitoral e de sobrevivência de governo. A Lei 12.850/13 dá ensejo a delações sob efeito de coação, já a Lei 13.260/13 visava dar poder ao Estado para reprimir protestos e antecipava o direito penal às esferas do pensamento humano. Às Leis em questão se afastavam da concreta defesa de bens jurídicos importantes, fazendo isso apenas colateralmente e de maneira formal, não sendo seu objetivo, pois, é certo, que o objetivo destas Leis era político, eram o que chamo de ‘Fakenal’.

Com a promulgação da Lei 12.850/13, com muita pompa se instalou em Curitiba uma força tarefa denominada Lava-Jato, que havia iniciado seus trabalhos com a delação de um famoso doleiro que incriminava políticos. Chegava a Lava-Jato a corrupção na estatal Petrobrás, e, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal todos os casos relacionados a esta seriam de competência da 14ª Vara Federal de Curitiba, surge aí a figura do Sr. Sergio Fernando Moro, magistrado de primeiro grau, que fica responsável a processar e julgar às figuras mais poderosas da nação. Por mais que pareça, o juiz Moro não é a figura do Mito, ele é apenas o fato histórico e social para criação do Mito. O Mito ainda não nasceu.

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O Brasil entra em frenesi, tudo é combate a corrupção, todos são corruptos, ninguém mais presta. As lojas empilham dinheiro vendendo camisas da seleção e bandeiras do Brasil para classe média. Todos na rua! Diziam os movimentos como MBL e Vem pra rua, precisamos salvar o país da corrupção e para isso devemos prender todos os políticos que governaram (e que obviamente possuíam posição política partidária contrária). Arrastaram o direito penal aos movimentos. Vimemos nesse período o tempo dos juízes, que antecede um pouco o surgimento o Mito.

A eclosão das manifestações, o surgimento da Lava-Jato e o inconformismo dos derrotados nas eleições de 2014, faz surgir a linha de frente do combate a corrupção composta por Aécio Neves, Eduardo Cunha, Roberto Jefferson e demais líderes partidários, que relacionavam a corrupção a presidente reeleita e seu partido. Começa aí o combate às pedaladas e a corrupção da Petrobrás, que para o povo brasileiro era praticamente a mesma coisa. Surge aí o Mito, mais ainda sem uma figura determinada. Era preciso derrubar o establishment e esse seria o trabalho do Mito.

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Nessa época a presidente Dilma começa a responder a um pedido de impeachment e o Brasil assiste por horas a fio na TV toda sorte de investigações, prisões, conduções coercitivas, meu Deus! O país está perdido, infectado pelo mal, repleto de ladrões e bandidos é preciso reagir! Nessa toada de confusões e mescla de discursos a presidente é cassada. Nesse ponto se inicia a escolha da figura do Mito.

O Mito tem sua existência vinculada a missão de punir males feitores. Mais quem é melhor em punir do que o direito penal? – e para tanto, o direito penal é utilizado como ferramenta de punição e perseguição - O Mito exigia um rompimento com o establishment, exigia força policial, força judicial, forças tarefas, o Mito precisava romper com tudo isso que está ai, era a arma em punho, era o desejo pela destruição para construir, foi a metástase do ódio, a aparição do antissistema, do anti-gente, da falta de empatia, da falta de amor ao próximo, o Mito viria para mudar tudo, seria puro e imune a dor da mudança, seria o encontro do Brasil com seu redentor.

A presidente Dilma Roussef foi cassada pelo Congresso Nacional, assumindo seu vice Michel Temer, que mal assume a presidência e já é envolto em graves acusações de corrupção. São malas de dinheiro e gravações de propina, escândalos e mais escândalos de corrupção. Michel Temer não era o Mito, ele apenas prepara a chegada do Mito, asseverava o discurso, a necessidade de uma mudança de rumos, e não poderia ser qualquer mudança, era preciso um real rompimento. ‘O rompimento era o Mito’.

O rompimento, isso sim, o real rompimento, com cadeia aos políticos e purificação da escória, esse rompimento, esse desejo, esse sim era o Mito.

Em 2018 tivemos novas eleições para presidente da república e o candidato favorito nas pesquisas eleitorais o ex-presidente Lula foi impedido de concorrer, estava preso em Curitiba acusado de receber um apartamento no Guarujá como propina da empreiteira OAS. O professor Fernando Haddad assume a cabeça de chapa e concorre às eleições pelo Partido dos Trabalhadores que estava envolvido em diversas denúncias de corrupção.

Surge então um deputado do baixo clero com 8 mandatos parlamentares pelo Rio de Janeiro, conterrâneo de Eduardo Cunha e Sérgio Cabral e reeleito no palanque do candidato a presidente derrotado Aécio Neves. Um ex-militar, que defendia a ditadura, a tortura e o rompimento democrático, transformou-se no rosto do Mito, seria ele que mudaria tudo para melhor, que acabaria com o ‘toma lá, dá, cá’ da política de Brasília. O deputado Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República, após sofrer um atentado nas eleições que quase lhe tirou a vida, disputou uma eleição repleta de fakenews (mamadeira de piroca e kit gay), com a utilização massiva de comunicação por WhatsApp. Era Bolsonaro a cara do Mito, a destruição da corrupção, o valor do patriotismo, da bandeira nacional, das cores da pátria, seria ele o paladino da moral, o defensor dos conservadores, o destruidor do sistema, o grande cristão.

Jair Bolsonaro começa a governar com forte discurso anticorrupção e uma pauta rígida de costumes, mais logo no início de seu governo, já vê um de seus filhos envolvido em um escândalo de ‘rachadinhas’ em seu gabinete na Alerj, seu assessor mais próximo Fabricio Queiroz some dos radares da mídia pois é apontado como testa de ferro da família. O presidente é envolvido em denúncias de proximidade com milicianos e tem vários questionamentos de seus atos de governo junto ao Supremo Tribunal Federal. 

O presidente começa uma pauta de enfrentamento entre os poderes, conclama manifestações pedindo intervenção militar, ameaça intervir no Supremo Tribunal e tem seus decretos ignorados pelo Legislativo, caindo um, por um, seus intentos autoritários. A economia não decola, o PIB não cresce o esperado, e seu super ministro da economia não consegue animar investidores, o desemprego aumenta. A única carta branca do governo que segura as formas do Mito - o combate a corrupção personalizado pelo ministro da justiça Sérgio Moro - começa a perder força, com a retirada do COAF das mãos do ministro e a falta de apoio do governo ao pacote anticrime.

O Mito ainda se sustenta nos valores da ‘nova política’ (não fazer acordo para votar matérias) e no combate a corrupção representado por Sérgio Moro, o Mito se mantém, mais sua aproximação e acordo com o centrão para que possa segurar seus diversos problemas na justiça e não correr risco de um afastamento em caso de oferecimento de denúncia pelo PGR, lhe tira o equilíbrio, fica em pé mais já cambaleia. Sai o Ministro da Justiça acusando o presidente de querer intervir na Policial Federal do Rio de Janeiro, para defender interesse próprios e de seus familiares, o Mito foi ao chão.

- O problema da criação de Mitos é que os mesmos não suportam a realidade, eles necessitam viver em um mundo de ilusão, precisam da realidade paralela, as luzes matam os Mitos, eles precisam do fundo da caverna, pois o conhecimento os expõem, quando passamos a conhecer e entender os fatos o Mito morre.

Em 2020, temos a pandemia de coronavírus, nada igual se passou no mundo em 100 anos, todos os países fecham fronteiras, correm em busca de medicamentos, impõem quarentenas e contam seus mortos tragicamente. No Brasil o presidente Jair Bolsonaro nega a gravidade do problema, comparando o covid19 a uma ‘gripezinha’, começa a recomendar medicamentos que não possuem eficácia comprovada e se coloca contra as restrições impostas por prefeitos e governadores, incentiva as aglomerações de pessoas colocando-se contra todas as diretrizes técnicas da Organização Mundial da Saúde, passando a acumular derrotas no judiciário e no legislativo, torna-se um presidente sem poderes, perdendo em dois meses dois ministros da saúde e não indica titular para a pasta na pior crise sanitária de nossa história, a realidade começa a lhe vencer, o Mito está morrendo.
Com a saída de Sergio Moro do governo, acusando o presidente de querer interferir na Policia Federal; com a saída de dois ministros da saúde em plena pandemia por divergências técnicas com o presidente; com as ações no Tribunal Superior Eleitoral que buscam cassar a sua chapa nas eleições por fraude na utilização de impulsionamento em massa de material fake para beneficiar sua campanha; com inquéritos na Procuradoria Geral da República que podem abreviar seu governo, o presidente se entrega aos partidos que compõem o centrão, e passa a realizar aquilo que ele dizia mais abominar, o ‘toma lá, dá, cá’. A fragilidade do presidente frente a tantas denúncias de corrupção envolvendo seus parente e até mesmo o recebimento de valores por sua esposa expõem o Mito a realidade, e o que se vê é que nada daquilo que se pregou de fato existiu, o Mito não consegue sobreviver ao conhecimento da verdade, ele definha, sofre e morre, restando apenas o homem.

O Mito está morto, não resistiu ao conhecimento, a verdade lhe venceu, ficou o homem que luta para manter o poder, que luta com as armas da política que antes visava destruir, tenta ficar em pé, jogando o jogo que sempre jogou, fazendo os arranjos que sempre fez, sabendo conscientemente que o Mito está morto, mais que logo a ilusão para os problemas não reais, a polarização e o populismo, que fez com que a utilização do direito penal, o judiciários e as instituições clamassem por uma solução irreal para problemas reais irá voltar, e quando volta a ilusão e a ignorância volta a necessidade do Mito, e nascerá um novo Mito mais forte e mais intenso, um Mito que ainda não conhecemos, mais já espreita, apenas esperando definhar a razão, e assim, na ausência das luzes ele se mostrará. O Mito está morto, vida longa ao novo Mito! 

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