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Marcos Mourdoch

Escritor, dramaturgo, roteirista e poeta brasiliense.

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O monopólio da empatia

Pelos deuses que amaldiçoaram as religiões de matrizes africanas e pela sociedade que se ri de corpos como o dele tombando ensanguentados e distantes de qualquer tribunal. A grande mídia faz a opinião pública saber e esta grita nos ouvidos da polícia e de outros braços estatais: parem os Mouros Malditos!

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Os chamados nos portais do maior conglomerado televisivo do Brasil não se cansam de anunciar notícias sobre supostos moradores de rua tidos por “mendigos gatos”. “Mendigo gato isso; mendiga gata aquilo” e a coisa, vez ou outra, toma aspectos de matéria insípida, de roteiro previsível, entretenimento ordinário – após expor as condições não raro absurdas dessas pessoas, as produções os levam no rumo de melhorias materiais e pessoais, cativam solidariedade, empatia de grupos diversos e o programa está produzido. Todavia, há algo perturbador nesse título bizarro de morador de rua tido por belo: na esmagadora maioria são pessoas brancas em condição de rua. Não me tenha assim, de pronto, por um militante das causas inventadas antes de ler este artigo. Negar o reflexo de fenômenos sociais seculares, tal qual a escravidão, na visão coletiva de virtude, isso sim me parece tapar o sol com a peneira. Esse reflexo secular se arrastou nos assoalhos daquilo produzido em diversos campos sociais, capaz de influenciar a visão coletiva sobre o senso ético-comum de justiça e isso se espalhou para o restante da superestrutura segregadora. Na arte em geral, da música à literatura, nos jornais, folhetins e, na contemporaneidade, na televisão, quando o individuo negro não era o vilão foi simplesmente deixado de lado. Segregados e posteriormente distantes dos veículos capazes de trabalhar suas imagens, tornaram-se, por consequência, quase incapazes de atrair para si o sentimento coletivo, inconsciente, de merecimento da solidariedade. Sentimento esse facilmente criado quando o “mendigo(a) é gato.” No final do século dezenove, Amaro, personagem de Adolfo Caminha no livro “O BOM CRIOULO”, já embrulhava estômagos de forma inconsciente, pela simples aproximação amorosa a Aleixo, o grumete jovem e loiro. Para os não familiarizados com a novela basta saber a cor do “bom crioulo”... Se a cor da pele, na caserna, já pressupunha graduação baixa e condições subalternas no fim do século dezenove, o nosso século não está tão distante assim da corveta onde esses dois se encontraram. De Otelo, o Mouro de Veneza, a Amaro, também haviam se passado alguns séculos sem que algo mudasse: a cor negra como arquétipo do mau. Negros fadados ao assassinato de beldades brancas tais quais Desdêmona e Aleixo. 

Do teatro shakespeariano aos jornais do século dezenove e, posteriormente, aos portais digitais de hoje, a reles cor da pele gera narrativas um tanto contraditórias no sentido mais maniqueísta possível. Isso empurra a população negra de encontro às formas mais plurais de marginalizações estruturais. No passado se prendia um sambista (na esmagadora maioria negros) pela reles posse de um violão. Hoje também se permite a criminalização em massa dessas populações, justificando as incursões (por vezes tendo crianças como vítimas fatais) nos seus guetos superpopulosos e dominados por forças paraestatais. Distante de qualquer merecimento, ainda que simbólico, da misericórdia social direcionada apenas aos “mendigos gatos, quiçá a julgamentos justos! Perecem já nas qualificações, enquanto indivíduos, feitas pela grande mídia: se é branco e morador de bairros de elite, conta-se a história de vida, os percalços, faz-se “epitáfios” nababescos antes de se invocar tratamento público e generoso a mais uma vítima de um problema de saúde publica. (caso do ator Fábio Assunção, o que me parece correto) Todavia, se negro e morador de favela, a negritude em si já os deve transformar em Otelo, o mouro de Veneza; quem sabe no bom Crioulo!? Acompanhe atentamente a narrativa da grande mídia numa invasão de morro, por exemplo, e julgue você mesmo. “José, vinte e cinco anos, cinco passagens pela polícia, foi morto.” Tal qual o mouro Otelo, assassino de Desdêmona, e Amaro, o alcoólatra algoz de Aleixo, não necessariamente precisará ser julgado, pois já o fora. Pelos deuses que amaldiçoaram as religiões de matrizes africanas e pela sociedade que se ri de corpos como o dele tombando ensanguentados e distantes de qualquer tribunal. A grande mídia faz a opinião pública saber e esta grita nos ouvidos da polícia e de outros braços estatais: parem os Mouros Malditos! E é exatamente isso o que se faz, longe, muito longe dos tribunais. Regeneração e oportunidades? Só e somente aos “mendigos gatos.”

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