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Fábio Buonavita

Superintendente do Ibama em SP, membro da Executiva Frente Ampla Democrática Socioambiental (Fads) e voluntário na Feira Esquerda Livre.

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O Nascimento de Jesus — Uma leitura laica e libertadora

A história do nascimento de Jesus é também a história de uma inversão radical de valores

Representação de Jesus Cristo (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)

O nascimento de Jesus, visto sob a ótica da Teologia da Libertação e de uma espiritualidade laica, não é o relato sobrenatural de um milagre distante: é a revelação de uma verdade humana e histórica.

Trata-se do nascimento de um símbolo de resistência, de um corpo frágil que encarna a esperança coletiva dos que vivem à margem — como tantas experiências comunitárias que, hoje, também nascem do povo e afirmam a vida onde o sistema insiste em negar.

Jesus nasce pobre, em um abrigo improvisado, fora da cidade, longe dos centros de poder religioso e imperial.

A manjedoura — simples, precária — é o primeiro gesto de subversão: nela, o divino se manifesta onde o mundo não esperava encontrá-lo.

É nesse mesmo chão simples, longe dos palácios e perto da vida real, que seguem surgindo espaços de dignidade, encontro e solidariedade.

A história do nascimento de Jesus é também a história de uma inversão radical de valores.

Enquanto o império romano celebra seus deuses nas colunas de mármore e nas moedas de ouro, a vida nova surge em silêncio, entre camponeses e viajantes, sob o frio de uma noite qualquer.

Essa vida que nasce em comum, junto de gente comum, aponta para outro modo de organizar o mundo: não de cima para baixo, mas de perto, no corpo a corpo, na partilha concreta.

A teologia laica entende esse gesto como um ato político: o nascimento fora do palácio é a recusa simbólica da dominação.

O que se anuncia não é o reino do céu separado da terra, mas a possibilidade de um mundo onde a justiça nasce de baixo — entre os pobres, os migrantes, os que não têm nome nem lugar.

É a aposta permanente na potência do coletivo e na força das comunidades que se constroem com autonomia e solidariedade.

Os Reis Magos, vindos do Oriente, representam mais do que personagens exóticos: eles simbolizam a diversidade espiritual e religiosa da humanidade.

São figuras de sabedoria que chegam de culturas distintas e reconhecem, no recém-nascido, não o herdeiro de uma fé única, mas o sinal universal do sagrado que habita a condição humana.

Como esses caminhos que se encontram, também hoje diferentes tradições, saberes e experiências populares se colocam lado a lado, sem hierarquia, compondo um mosaico plural de vida coletiva.

Ao se aproximarem do menino pobre, esses magos colocam suas tradições em diálogo: ciência, astrologia, filosofia e espiritualidade se unem diante da fragilidade da vida.

Eles trazem ouro, incenso e mirra — não como rituais de submissão, mas como oferta de sentidos, histórias e formas de existir.

É um gesto que nos lembra que o humano se fortalece quando transforma diversidade em convivência.

Logo após esse nascimento, o relato bíblico fala de perseguição e exílio: a fuga para o Egito.

Sob uma leitura libertadora, esse episódio é mais do que um detalhe histórico — é a denúncia permanente de um mundo que persegue a inocência e expulsa os vulneráveis.

Maria, José e o menino tornam-se refugiados políticos, ecoando as travessias atuais de tantos que ainda precisam buscar abrigo, sustento e reconhecimento.

Há, no acolhimento e nas redes de apoio que surgem hoje, a continuação dessa busca por lugares onde a vida possa resistir.

Nessa leitura, o nascimento de Jesus é um manifesto da vida contra o império da morte.

O menino pobre de Belém representa todos os corpos que insistem em nascer em meio à precariedade, à injustiça e à exclusão.

E a estrela que guia os magos continua a brilhar como metáfora da esperança — essa luz que não vem de cima, mas se acende quando as pessoas se encontram, se apoiam e se reconhecem mutuamente.

A teologia laica da libertação vê, nesse nascimento, a promessa de um mundo horizontal: sem tronos, sem intermediários, sem fronteiras entre fé e razão.

É o anúncio de que o sagrado não é monopólio de igrejas nem de impérios — ele se revela nas mãos calejadas, nos gestos solidários e nos sonhos dos que ainda acreditam na possibilidade de justiça.

Celebrar o nascimento de Jesus, sob essa ótica, é renovar o compromisso ético com a vida — com cada vida ameaçada, deslocada, invisível.

É afirmar que, mesmo nas condições mais adversas, quando a sociedade se organiza de forma coletiva, solidária e humana, a esperança deixa de ser promessa e volta a ser prática.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.