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Edson Santos

Vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PT

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O necessário exercício da multipolaridade

Sem descartar o que for positivo nas relações com os EUA, devemos fortalecer parcerias que podem ajudar o país a retomar o rumo do desenvolvimento

Lula e Xi Jinping (Foto: Ricardo Stuckert)

Nunca se fez tão necessário para o Brasil o exercício da multipolaridade quanto nos dias de hoje, talvez apenas na década de 1950, quando os Estados Unidos também trabalharam para boicotar o nosso desenvolvimento econômico. 

Na época, Getúlio Vargas buscava promover a industrialização do país, com a criação de uma nova matriz siderúrgica e de uma indústria mais diversificada. Buscou para tanto, inicialmente, o auxílio dos Estados Unidos. Porém, para manter a relação de dependência econômica e geopolítica que impunham à América Latina no contexto da Guerra Fria, os EUA adotaram estratégias para limitar o desenvolvimento da indústria nacional, como a concessão de empréstimos condicionados à importação de equipamentos e tecnologias.

Diante do boicote, Vargas buscou acordos mais vantajosos com a Alemanha, que trouxeram, dentre outras, a gigante metalúrgica Mannesmann e a Volkswagen, duas empresas ícones da recuperação alemã. Apesar de ter sido devastada na II Guerra Mundial, a banda Ocidental do país logo se recuperou e, em pleno boom econômico, destinou ao Brasil, nas décadas de 1950 e 1960, a maior parte dos seus investimentos externos. 

Foi assim que surgiram nossas primeiras linhas de montagem de automóveis, que ampliamos nossa expertise metalúrgica e que demos os primeiros passos no desenvolvimento da energia nuclear. Os recursos alemães impulsionaram a industrialização nacional, que foi interrompida após o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, quando tomou posse o então vice-presidente Café Filho – o Michel Temer da época – e depois retomada com a eleição de Juscelino Kubitschek, em 1955. 

Em “O ‘milagre alemão’ e o desenvolvimento do Brasil”, o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira demonstra como a emergência da Alemanha como potência industrial possibilitou ao Brasil negociar de forma mais altiva com os EUA, não apenas em relação à balança comercial, mas também como fonte de investimentos diretos e em termos de transferência de tecnologia. 

Analisar este case econômico de um passado recente nos ajuda a compreender melhor o contexto da ascensão de Donald Trump ao poder e da nova guinada protecionista-imperialista dos EUA. Fica a lição de que, sem descartar o que for possível manter de positivo nas relações com os Estados Unidos, podemos e devemos buscar fortalecer outras parcerias que podem ser estratégicas para reverter o processo de desindustrialização do Brasil e ajudar o país a retomar o rumo do seu desenvolvimento.

Não é hora de restringir, mas de ampliar nossas relações com o mundo. São promissoras nesse sentido as possibilidades que se abrem, por exemplo, com a iminente assinatura do Acordo de Parceria Mercosul-União Europeia. Apesar da resistência da França, com seu medieval sistema de subsídios à agricultura, a Alemanha, carro-chefe do bloco europeu, tem grande interesse em voltar a fortalecer sua cooperação com o Brasil e os demais países sul americanos. Estagnada por falta de vendas, a indústria automobilística alemã poderá aumentar seu mercado por aqui, enquanto nós, em contrapartida, poderemos adquirir novas tecnologias em áreas estratégicas, como a química fina, além de ampliarmos mercados para nossas aeronaves, produtos industrializados e commodities. 

É também chegada a hora de ampliar ainda mais as relações com os chineses, nossos maiores parceiros comerciais, com quem, em 2023, atingimos o recorde histórico de US$ 157 bilhões no comércio bilateral. A parceria com a China é uma grande fonte de investimentos e também a chave para avançarmos no desenvolvimento logístico e das tecnologias para a geração mais eficiente de energias renováveis. Algo fundamental para um país como o nosso, que tem pela frente o desafio de conduzir a transição energética mundial para as matrizes energéticas menos poluentes – em contraponto aos EUA, que saíram novamente do Acordo de Paris e querem ampliar de forma irresponsável a extração de combustíveis fósseis.

Como disse no início desse texto, poucas vezes antes se fez tão necessário para o Brasil o exercício da multipolaridade quanto nos dias de hoje. Como sempre, as crises podem representar grandes oportunidades. Com seus arroubos protecionistas e imperialistas, Trump abre caminhos para que nós e o mundo sejamos capazes de superar a hegemonia de um império em franca decadência, inclusive com o esvaziamento do dólar na intermediação das transações internacionais. 

O pragmático ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger já havia vaticinado, em texto escrito para uma conferência de política externa da Fundação Alexandre de Gusmão, do nosso Ministério das Relações Exteriores, nos idos de 2008: “não importa quão altruísta a América perceba seus objetivos, uma insistência explícita na predominância uniria gradualmente o mundo contra os EUA e forçaria imposições que acabariam por deixá-lo isolado e esgotado”.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.