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Maria Luiza Franco Busse

Jornalista há 47 anos e Semiologa. Professora Universitária aposentada. Graduada em História, Mestre e Doutora em Semiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com dissertação sobre texto jornalístico e tese sobre a China. Pós-doutora em Comunicação e Cultura, também pela UFRJ,com trabalho sobre comunicação e política na China

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O negócio é manter o fluxo

“O poder é fluxo mais do que estoque, precisa ser exercido para existir”

Presidente Lula durante cerimônia de assinatura da Medida Provisória “Brasil Soberano” (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Já está nas mãos do Congresso Nacional a medida provisória Brasil Soberano entregue ao parlamento nessa quarta-feira, dia 13, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, Lula aguarda a apreciação das duas casas legislativas para sancionar e implementar a ajuda às empresas e aos empregos afetados pela tarifa de 50% que vem sendo praticada pelo governante do Estados Unidos contra países soberanos, comprometidos com a geopolítica desenvolvimentista multipolar, multilateral e harmônica.

Na cerimônia de entrega do documento, o presidente Lula ressaltou que vai seguir “teimando em negociar” e voltou a afirmar que “a soberania é intocável”. A “teimosia” do presidente Lula lembra a do menino chinês que teve a bicicleta roubada e não deu sossego enquanto não a recuperou: “Você é teimoso, mesmo”, diziam ao garoto que sentia ser a teimosia dispositivo para manter a afirmação do irredutível da vida e teimar significava “resistir e sobreviver aos discursos tipificados(...)” também mantendo “ao revés e contra tudo a força de uma deriva e de uma espera”. Dando spoiler, o menino teve a bicicleta de volta.

A literatura é pretexto para trazer o fato que o Brasil está na presidência temporária do BRICS até dezembro deste ano, bloco alvo das sanções do ‘agente laranja’ que ocupa a presidência do EUA. Dada a situação, Lula propôs “ninguém larga a mão de ninguém”. O presidente da China Xi Jinping de imediato estendeu a sua, seguida da mensagem: “A China trabalhará com o Brasil para dar exemplo de unidade e autossufiencia entre os principais países do Sul Global”. Agora Lula conversa com Rússia, Índia e África do Sul para que cheguem a um acordo coletivo sobre o que fazer.

O café está na cesta dos perecíveis taxados pelo EUA, principal destino de exportação do produto brasileiro. Mas pode deixar de ser. A China mostrou interesse em aumentar a compra do café brasileiro para diversificar as importações hoje em torno de 6 milhões e 200 mil toneladas. Em 2024, antes mesmo do tarifaço, A rede chinesa de Café e Chá Luckin Coffee firmou termo de previsão de compra de 240 mil toneladas do café nacional até 2029 com a ApexBrasil _ Agência Brasileira de Promoção de Exportações. A rede Luckin Coffee tem 26 mil 206 lojas espalhadas por China, Malásia, Singapura, e abriu mais duas em Nova Iorque, uma em Greenwich Village e outra em NoMad, bairro badalado de hotéis de luxo, bares e restaurante, bem no centro da ilha de Manhattan.

Café não é a bebida preferencial dos chineses, mas está de moda desde a abertura aos negócios estrangeiros. Em 1999, a rede Starbucks chegou chegando e abriu a primeira loja em Pequim, na Cidade Proibida. Nada de chá, só café com espuma de leite e natas servido em grandes copos de papel ou canecas. Não deu certo. Foram 7 anos de críticas e protestos on line de pequineses que consideravam uma “invasão cultural” e “profanação” do local histórico, um dos principais cartões postais do país. A loja fechou, mudou de lugar, e foi substituída pela ‘Forbidden City Café’ administrada pela equipe estatal responsável pela conservação do monumento. Além do café, nela são oferecidos produtos relacionados com o palácio imperial e com a cultura chinesa. Sucesso absoluto. Em 2007, a Associação Chinesa do Café estimava consumo de 40% da bebida em todo o país, o equivalente a algo em torno de 70 mil toneladas do produto bruto.

Ontem, hoje e sempre, nascer não é fácil para ninguém, nem para quem pare nem para quem chega. Dói, mas é bom. No rumo à construção do novo mundo tudo é negociável, exceto soberania. O presidente Lula deu a saber que a “soberania é intocável”. Também nesse quesito segue acompanhado pela China, portadora de altas credenciais adquiridas no século XIX e inícios do XX quando conheceu todo esse esquema de tratados desiguais e extraterritorialidades jurídico-administrativas, ambos impostos pelas canhoneiras das potências ocidentais e Japão e agora emulados na forma de tarifa econômica. Em 1949 a China fez a sua revolução e acabou com a farra perversa da destruição da dignidade do seu povo.

Cada um com a sua revolução. O Brasil vem fazendo transformações por meio das palavras ‘dignidade e soberania’ e ações que indicam a veracidade do discurso. Além do presidente Xi Jinping, Mao Zedong também deve estar admirando o movimento que vem fazendo o presidente Lula para consolidar a unidade do BRICS e a força do Sul Global.

Em 1974, o representante chinês na sessão Extraordinária da Assembleia geral da ONU, declarou que “se algum dia a China, rumo ao socialismo, se convertesse numa superpotência e agisse despoticamente no mundo, perpetrando por toda parte agressões e explorações, os povos do mundo teriam direito de pregar na China a etiqueta de social-imperialista e o direito de denuncia-la, combate-la e unir-se com o povo chinês para derrubá-la”.

Em 1977, um ano após a morte de Mao Zedong, o Partido Comunista da China publicou no Diário do Povo: “O presidente Mao nos instruiu, mas de uma vez: ‘em nossas relações com o estrangeiro, nós chineses devemos renunciar resoluta, cabal e totalmente a qualquer manifestação de chauvinismo de grande nação. Devemos tratar em pé de igualdade aos países pequenos, quaisquer que sejam, e não erguer a cabeça com orgulho, e não procurar a hegemonia”.

Na luta antihegemonica que vem sendo travada neste século XXI, ainda vale lembrar os dizeres de Mao, muitos dos quais escritos nos muros das cidades usados como grandes jornais públicos, os chamados Dazibao _ jornal da grande palavra: “todas as lutas justas dos povos do mundo inteiro se dão como apoio mútuo. Nunca há no mundo prestação ou recepção de ajuda unilaterais.”.

Por aqui, um mestre brasileiro, professor de muitas gerações, também ensina que no enfrentamento com o imperialismo o importante é não parar porque “o poder é fluxo mais do que estoque, precisa ser exercido para existir”.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.