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Chris Hedges

Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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O novo e sofisticado macarthismo

'A oclusão dos críticos em uma sociedade decadente é equivalente a desligar o oxigênio de um paciente seriamente doente', diz o jornalista Chris Hedges

Casa Branca (Foto: Reuters)
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Chris Hedges

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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A classe dominante nos EUA – constituída pelas elites tradicionais que mandam no Partido Republicano e no Partido Democrata – está empregando formas draconianas de censura sobre os seus críticos de direita e de esquerda, num esforço desesperado de se agarrar ao poder. As elites tradicionais foram desacreditadas por forçar uma série de ataques aos trabalhadores, desde a desindustrialização até os acordos comerciais. Eles foram incapazes de sustar a inflação ascendente, a iminente crise econômica e a emergência ecológica. Eles foram incapazes de realizar reformas sociais e políticas significativas para melhorar o sofrimento abrangente e se recusaram a assumir a responsabilidade por duas décadas de fiascos militares no Oriente Médio. E agora eles lançaram um novo e sofisticado Macarthismo. Assassinato de caráter. Algoritmos. Ocultamentos de sombras. Desplataformização.

A censura é o último recurso de regimes desesperados e impopulares. Ela aparece magicamente para fazer uma crise ir embora. A censura consola os poderosos com a narrativa que eles querem ouvir, retroalimentada para eles pelos cortesãos das mídias, pelas agências governamentais, pelos grupos think tanks e pela academia. O problema de Donald Trump é resolvido censurando Donald Trump. O problema dos críticos de esquerda, como eu mesmo, é resolvido nos censurando. O resultado disso é um mundo de faz-de-conta.

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O YouTube fez desaparecer seis anos do meu programa On Contact na RT, apesar de que nem um único episódio tratava da Rússia. Não é um segredo por que ele sumiu: dava uma voz a escritores e dissidentes – incluindo Noam Chomsky e Cornel West –, bem como ativistas do Extinction Rebellion, Black Lives Matter, terceiros partidos e o movimento abolicionista das prisões. Meu programa bradava contra o Partido Democrata pela sua subserviência ao poder corporativo; ele escoriava os crimes do estado de apartheid de Israel. Ele cobriu o caso de Julian Assange em numerosos episódios. Ele deu uma voz aos militares críticos, muitos dos quais veteranos de combate, que condenavam os crimes de guerra dos EUA.

Não importa mais quão proeminente você é, nem o tamanho do público que lhe segue. Se você desafia o poder, corre o risco de ser censurado. O ex-membro do parlamento britânico George Galloway detalhou uma experiência similar no painel organizado em15 de abril pelo Consortium News, no qual participei: “Fui ameaçado com restrições de viagens se eu continuasse os programas de televisão que eu fiz por quase uma década inteira. Fui carimbado com o rótulo falso de “mídia estatal russa” – o qual eu jamais tive quando estava apresentando um programa na mídia estatal russa. Este rótulo me foi dado apenas depois que eu deixei de ter um programa na mídia estatal russa, cessado porque o governo [dos EUA] tornou um crime que eu o fizesse”.

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Os meus 417 mil seguidores no Twitter cresciam ao ritmo de milhares por dia, correndo como um trem desembestado, e, de repente, ele parou no acostamento quando a estória de Elon Musk emergiu. Eu expressei a opinião de que o oligarca que ele sem dúvida é, eu prefiro Elon Musk do que os reis da Arábia Saudita – que revelam-se ser atualmente os acionistas majoritários da empresa Twitter. Logo que eu me engajei nesta luta, os meus números de audiência foram literalmente esmagados, com banimentos-sombra e todo o resto…

Tudo isso está ocorrendo antes que as consequências do choque econômico provocado pela política ocidental e os nossos mal-chamados líderes tenha realmente batido ainda. Quando as economias começam não só a desacelerar, não só soluçar, não só vivenciar níveis de inflação não vistos há anos, ou décadas, porém se tornam um choque, como também pode ser, haverá ainda mais para o estado suprimir, especialmente qualquer análise alternativa sobre como nós chegamos aqui e o quê devemos fazer para sair disso.

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Scott Ritter, um ex-inspetor de armas da ONU no Iraque e oficial de inteligência dos fuzileiros navais estadunidenses, denunciou a mentira sobre as armas de destruição de massa antes da invasão dos EUA no Iraque em 2003. Recentemente, ele foi banido do Twitter por oferecer uma contra-narrativa sobre as dezenas de assassinatos no subúrbio ocidental de Bucha, na região de Kiev. Muitas das vítimas em Bucha foram encontradas com ferimentos à bala na cabeça e com as suas mãos amarradas nas costas. Os observadores e testemunhas oculares internacionais culparam a Rússia pelos assassinatos. A análise alternativa de Ritter, certa ou errada, o viu silenciado.

Ritter lamentou o banimento do Twitter no fórum: “Levei três anos para conseguir quatro mil seguidores no Twitter. Pensei que fosse uma grande coisa. Então, apareceu esta coisa da Ucrânia. Isso explodiu. Quando fui suspendido pela primeira vez por questionar a narrativa de Bucha, a minha conta no Twitter tinha chegado a 14 mil seguidores. Quando a minha suspensão foi revogada, eu tinha 60 mil seguidores. Quando eles me suspenderam novamente, estava perto de 100 mil seguidores. Estava fora de controle, é por isso que estou convencido que o algoritmo disse: Você deve deletar. Você deve deletar. E eles o fizeram. Eu fui abusivo e os estava molestando por contar aquilo que eu pensei ser a verdade. Eu não tenho o mesmo entendimento sobre a Ucrânia, como eu tive sobre o Iraque. No Iraque, eu estava em campo, fazendo o trabalho. Mas as técnicas de observação e avaliação nas quais você é treinado enquanto um oficial de inteligência em qualquer situação se aplica à Ucrânia hoje. Simplesmente olhando para o conjunto de informações disponíveis, você não pode senão chegar à conclusão de que [o massacre] foi feito pela polícia nacional ucraniana, principalmente porque eles têm todos os elementos. Você tem o motivo. Eles não gostam de colaboradores dos russos. Como é que eu sei disso? Eles o disseram no website deles. Você tem o comandante da polícia nacional ordenando que os seus subordinados atirassem nas pessoas de Bucha no dia em questão. Você tem as evidências. Os corpos mortos na rua com braçadeiras brancas, carregando pacotes de comida russa. Posso estar errado? Certamente. Pode haver informações lá sobre as quais eu sequer tenho conhecimento? Certamente. Porém estas não estão lá. Enquanto um oficial de inteligência, eu considero as informações disponíveis. Eu acesso as informações disponíveis. Eu faço avaliações baseadas naquelas informações disponíveis. E o Twitter considerou isso como censurável”.

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Dois acidentes fundamentais contribuíram para esta censura. O primeiro foi a publicação de materiais classificados feita por Julian Assange e o Wikileaks. O segundo foi a eleição de Donald Trump. A classe dominante não estava preparada para isso. A revelação dos seus crimes de guerra, corrupção, indiferença insensível à situação daqueles que eles dominavam e a extrema concentração de riqueza trincou a credibilidade deles. A eleição de Trump, a qual eles não esperavam, gerou neles o medo de serem suplantados. As instituições do Partido Republicano e do Partido Democrata uniram as suas forças para exigir uma censura cada vez maior das mídias sociais.

De repente, até mesmo os críticos marginais se tornaram perigosos. Eles deveriam ser silenciados. A Dra. Jill Stein, candidata presidencial do Partido Verde em 20016, perdeu cerca de metade dos seus seguidores nas mídias sociais, depois de ter misteriosamente ter ficado fora das redes por 12 horas durante a campanha eleitoral. O descreditado dossiê Steele, pago pela campanha de Hillary Clinton, acusava Stein, junto com Trump, de ser agentes russos. O Comitê de Inteligência do Senado dos EUA levou três anos investigando Stein, emitindo cinco relatórios diferentes, antes de exonerá-la.

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A Dra. Stein falou sobre a ameaça à liberdade de expressão durante o fórum: “Estamos num momento incrivelmente perigoso. Não é só a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, mas é a própria democracia em todas as suas dimensões que está em perigo. Agora há todas estas leis draconianas contra o protesto. Há 36 leis aprovadas que são tão ruins quanto uma condenação a 10 anos de prisão por protestar numa calçada sem uma autorização. Elas diferem de estado a estado. Você precisa conhecer as leis do seu estado se quiser protestar. Em alguns estados, os motoristas receberam licenças para matar caso você esteja na rua como parte de um protesto”.

O primeiro indício de que não estávamos apenas sendo marginalizados – se aceita que, se você desafiar o poder estabelecido e pratique o jornalismo independente, você será marginalizado – mas a censura chegou em novembro de 2016. Craig Timberg, um repórter de tecnologia no Washington Post, publicou uma estória que e intitulava “Os especialistas dizem que o esforço de propaganda russo ajudou a espalhar fake news durante as eleições”. Isso se referia a uns 200 websites – incluindo o Truthdig, no qual eu escrevia uma coluna semanal – como “vendedores de rotina da propaganda russa”.

Analistas não identificados, descritos como “uma coleção de pesquisadores com formação em política exterior, militar e tecnologia” pertencentes à “organização” anônima PropOrNot, liderou os ataques na estória. O relatório da PropOrNot divulgou uma “lista” de 200 sites ofensivos que incluía o Wikileaks, Truthdig, Black Agenda Report, Naked Capitalism, Counterpunch, AntiWar.com, LewRockwell.com e o Instituto Ron Paul. Eles disseram que todos estes sites, seja sem intenção ou intencionalmente, funcionavam como agentes russos. Nenhuma evidência foi oferecida a estas acusações, porque obviamente não havia nenhuma. O único denominador comum era que estes eram críticos da liderança do Partido Democrata.

Quando nós desafiamos a estória, o PropOrNot tweetou: “Ah, vejam só todos os raivosinhos putinistas, tentando mudar de assunto – eles têm tanta raiva!”.

Nós fomos incluidos na lista negra por robôs anônimos que enviavam mensagens no Twitter – que foram deletadas mais tarde – que se liam como se tivessem sido escritas por um “gamer” vivendo no porão da casa dos seus pais.

Timberg não contatou nenhum de nós antes de publicar a matéria. Ele e o jornal se recusaram a revelar a identidade daqueles que estavam por trás do PropOrNot. Eu dei aula no curso de mestrado da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Se um dos meus estudantes tivesse entregado uma estória como a de Timberg como dever de classe, ele ou ela teria fracassado.

As elites estabelecidas precisavam desesperadamente de uma narrativa para explicar a derrota de Hillary Clinton e a sua própria impopularidade crescente enquanto partido. Eles disseram que as fake news foram plantadas pelos russos nas mídias sociais para eleger Trump. Todos os críticos, de direita e de esquerda, tornaram-se agentes russos. Aí então, começou a diversão.

Os outliers  que muitos de nós consideramos repugnantes, começaram a desaparecer. Em 2018, Facebook, Apple, YouTube e Spotify deletaram das suas plataformas os podcasts, as páginas e canais do teórico da conspiração Alex Jones e o seu website Infowars. O precedente estava estabelecido. Tendo feito isso com Jones, eles podiam fazê-lo contra qualquer um.

Twitter, Google, Facebook e YouTube usaram a acusação de influência estrangeira para começar a empregar algoritmos e supressão às sombras [shadow banning] para silenciar os críticos. O Príncipe Saudita Al Waleed bin Talal, presidente da Kingdom Holding Company, que havia descartado a recente oferta de Elon Musk de comprar a plataforma de mídia social, tem uma grande participação acionária no Twitter. É difícil se encontra um regime mais despótico do que o da Arábia Saudita, ou algum regime mais hostil à imprensa – mas eu tergiverso.

Sites que uma vez atraiam dezenas ou centenas de milhares de seguidores, de repente viram os seus números baixar em queda livre. O “Project Owl” [Projeto Coruja] do Google, projetado para erradicar fake news empregava “atualizações algorítmicas para revelar conteúdos com mais autoridade” e para degradar materiais “ofensivos”. O tráfego se reduziu em sites como Alternet em 63%, DemocracyNow em 36%, ––––Common Dreams em 37%, Truthout em 25%, The Intercept em 19% e CounterPunch em 21%. O site World Socialist Web teve o seu tráfego diminuído em dois terços. Julian Assange e o Wikileaks foram praticamente apagados. Em 2019, os editores de Mother Jones escreveram que eles sofreram um declínio acentuado na sua audiência no Facebook – o que se traduziu numa perda estimada de US$ 600 mil em 18 meses.

O pessoal de IT no Truthdig, onde eu tinha uma coluna semanal à época, descobriram que as impressões – palavras específicas como “imperialismo” entradas no Google e que mostram estórias recentes, incluindo as minhas – agora não incluíam as minhas estórias. Referências ao site a partir das impressões contidas nas minhas estórias caíram de 700 mil para 200 mil num período de 12 meses.

Porém empurrar-nos para as laterais não era suficiente, especialmente com a iminente perda da maioria democrata no Congresso nas eleições de novembro de 2022 e os números abismais de Joe Biden nas pesquisas de opinião pública. Agora nós devemos ser apagados. Dezenas de site, escritores e videógrafos menos conhecidos estão desaparecendo. Por exemplo, o Facebook removeu um evento do “No Unite The Right 2-DC” ligado a uma página chamada Resisters, que parecia publicizar uma contramanifestação no aniversário da violência em Charlotsville, no estado da Virginia. Paul Jay, que dirige um site chamado The Analysis publicou um ensaio em 7 de fevereiro de 2017 intitulado “A Failed Coup Inside a Failed Coup” [Um Golpe Fracassado Dentro de Um Golpe Fracassado]. O YouTube baniu a matéria, dizendo que era “um conteúdo que promove falsas alegações que disseminam fraudes, erros ou falhas que mudaram o resultado de uma eleição presidencial nos EUA não é permitido no YouTube”.

Depois de postar em 13 de março que os EUA financiaram laboratórios biológicos na Ucrânia e culpar a invasão russa na Ucrânia na política exterior de Biden, Tulsi Gabbard disse que ela foi banida às sombras [shadow banned] no Twitter. A conta do podcast Russians with attitude foi suspensa no Twitter. Esta cobria a guerra de informações na Ucrânia e “denunciou” o Fantasma de Kiev. As plataformas de mídias sociais têm sido especialmente duras com aqueles que questionam a política de Covid do governo dos EUA, bloqueando e forçando os usuários, as plataformas de mídias sociais ou as publicações online a deletarem postagens.

Estes sites ganham bilhões de dólares vendendo as nossas informações pessoais para corporações, agências de publicidade e firmas relações públicas políticas. Eles sabem tudo sobre nós. Nós nada sabemos sobre eles. Eles exploram as nossas tendências, medos, hábitos e preconceitos. E eles silenciarão as nossas vozes se não nos conformarmos.

A censura não impedirá a marcha dos EUA na direção do fascismo cristão. A Alemanha de Weimar tentou impedir o nazifascismo ao aplicar rigorosas leis anti-linguagem de ódio. Nos anos de 1920, eles baniram o partido Nazista. Os líderes nazistas, incluindo Joseph Goebbels, foram processados por linguagem de ódio. Julius Streicher, que dirigia o virulento tabloide antissemita Der Stümer, foi demitido da sua função de professor, foi multado repetidamente e teve os seus jornais confiscados. Ele foi levado aos tribunais numerosas vezes por difamação e cumpriu uma série de sentenças na prisão.

Porém, assim como aqueles que cumprem condenações pelo ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, ou como Trump, a perseguição aos líderes nazistas apenas aumentou a estatura deles quanto mais a classe dominante alemã fracassava em lidar com a miséria econômica e social.

Existem muitas similaridades dos nossos tempos com os anos de 1930, incluindo o poder predatório dos bancos internacionais para consolidar a riqueza nas mãos de alguns oligarcas e de impor medidas punitivas de austeridade sobre a classe trabalhadora global.

“Mais do que qualquer outra coisa, os nazistas eram um movimento nacionalista de protesto contra a globalização”, nota Benjamin Carter Hett no seu livro The Death of Democracy: Hitler’s Rise to Power and The Downfall of the Weimar Republic [“A Morte da Democracia: a Ascensão de Hitler ao Poder e a Queda da República de Weimar”].

A oclusão dos críticos em uma sociedade decadente e corrupta é equivalente a desligar o oxigênio de um paciente seriamente doente. Isto apressa a mortalidade, ao invés de atrasar ou impedi-la. A convergência de uma iminente crise econômica, do medo de uma classe dominante falida de que eles logo serão banidos do poder, a crescente catástrofe ecológica e a incapacidade de impedir o aventureirismo militar autodestrutivo contra a Rússia e a China, preparam o palco para uma implosão dos EUA.

Aqueles de nós que o vemos chegando e que tentamos desesperadamente evitá-lo, nos tornamos o inimigo.

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