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Ben Norton

Jornalista independente e editor do Geopolitical Economy Report

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O Ocidente diz ao Sul Global ‘vocês não podem ser neutros’ na guerra da Ucrânia: ou vocês estão conosco, ou estão contra nós

EUA, Alemanha e Ucrânia disseram na Conferência de Segurança de Munique: “a neutralidade não é uma opção” na guerra por procuração da OTAN contra a Rússia

Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, Ministra do Exterior da Alemanha, Annalena Baerbock, e Ministro do Exterior da Ucrânia, Dmytro Kuleba, condenam a neutralidade na Conferência de Segurança de Munique em 18 de fevereiro de 2023 (Foto: Reprodução)
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Originalmente publicado no Geopolitical Economy Report em 22/2/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Os ministros do exterior dos EUA, da Alemanha e da Ucrânia disseram ao mundo “vocês não podem ser neutros” na guerra por procuração da OTAN contra a Rússia, relembrando a infame declaração do presidente George W. Bush: “Ou vocês estão conosco, ou estão contra nós”.

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Ao fazer isto, estas autoridades oficiais estão criticando implicitamente a vasta maioria dos países da Terra, que estão no Sul Global, e que mantêm a sua estrita neutralidade sobre a guerra.

Num evento conjunto na Conferência de Segurança de Munique em 18 de fevereiro, a Ministra do Exterior da Alemanha, Annalena Baerbock, declarou que “neutro não é uma opção, pois assim está do lado do agressor”.

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Baerbock enfatizou que “este é um apelo que nós também estaremos fazendo novamente na próxima semana: por favor, escolham um lado, um lado pela paz, um lado pela Ucrânia, um lado pela lei humanitária internacional, e desta vez isso também significa enviar munições para que a Ucrânia se defenda”.

Os comentários da Ministra do Exterior da Alemanha foram ecoados pelo Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken:

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“Como a Annalena Baerbock disse, não existe uma posição neutra… Não há equilíbrio”, disse Blinken, enfatizando, “vocês realmente não podem ser neutros”.

O Ministro do Exterior da Ucrânia, Dmytro Kuleba, elogiou o Ocidente por “posicionar-se a favor de princípios e regras”, enquanto implicava que o Sul Global é bárbaro e fora-da-lei.

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“Nós vemos uma unidade sem precedentes em uma parte do mundo que se posiciona pelos princípios e regras nas quais se baseia este mundo, mas nós também vemos outras partes do mundo, alguns são neutros, o que efetivamente significa apoiar a Rússia”, disse Kuleba com desgosto.

Previamente, Baerbock deixou claro que o Ocidente está engajado em uma guerra contra a Rússia, declarando no Conselho da Europa em janeiro que “nós estamos lutando uma guerra contra a Rússia.”

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O tom e o contexto dos comentários feitos pelas altas autoridades ocidentais na Conferência de Segurança de Munique em 18 de fevereiro deixam claro que eles estão irados com o Sul Global por se recusarem a juntar-se à sua guerra por procuração.

Os ministros das Relações Exteriores dos EUA, Alemanha e Ucrânia disseram ao mundo que “a neutralidade não é uma opção” na guerra por procuração do Ocidente contra a Rússia. Eles estavam implicitamente criticando o Sul Global, que é neutro, e representa mais de 6 bilhões de pessoas.

A vasta maioria da população mundial, localizada no Sul Global, está neutra na guerra por procuração na Ucrânia

Um dia antes desta discussão na Conferência de Segurança de Munique, o veículo estatal de imprensa da França, France 24, publicou um artigo reclamando que “Durante o último ano, a maioria dos países do Sul Global adotou uma posição estudada de neutralidade sobre a guerra na Ucrânia”.

Usando um tom profundamente arrogante, o veículo de mídia estatal francês escreveu desdenhosamente que “o que cega conjuntamente este grupo diverso [no Sul Global] é a busca por uma ordem mundial ‘multipolar’ amontoada contra a ‘hegemonia unipolar’ do Ocidente”. Eles adicionam presunçosamente que isso “também é o lugar de fala favorito da Rússia”.

Este lugar condescendente de fala tem sido consistente com o refrão vindo dos governos e veículos de mídia ocidentais, criticando o Sul Global por não tomar o lado da OTAN.

A população global é de cerca de 8 bilhões de pessoas, e mais de 6 bilhões delas vivem em países que têm sido neutros na guerra por procuração na Ucrânia.

Estes incluem os países mais populosos do mundo, como:

  • China (1,4 bilhões de pessoas)
  • Índia (1,38 bilhões de pessoas)
  • Indonésia (276 milhões de pessoas)
  • Paquistão (236 milhões de pessoas)
  • Nigéria (219 milhões de pessoas)
  • Brasil (216 milhões de pessoas)
  • Bangladesh (170 milhões de pessoas)
  • México (129 milhões de pessoas)
  • Etiópia (105 milhões de pessoas)
  • Egito (104 milhões de pessoas)
  • Vietname (99 milhões de pessoas)
  • Turquia (85 milhões de pessoas)
  • Tailândia (67 milhões de pessoas)
  • Tanzânia (62 milhões de pessoas)
  • África do Sul (61 milhões de pessoas)
  • Quênia (48 milhões de pessoas) 
  • Argentina (46 milhões de pessoas)
  • Argélia (45 milhões de pessoas)
  • Sudão (45 milhões de pessoas)
  • Uganda (43 milhões de pessoas)
  • Iraque (43 milhões de pessoas)
  • Marrocos (37 milhões de pessoas)
  • Uzbequistão (36 milhões de pessoas)
  • Arábia Saudita (34 milhões de pessoas)

Como o Geopolitical Economy reportou anteriormente, dois ex-diplomatas estadunidenses publicaram em setembro um artigo na revista Newsweek, admitindo que “Quase 90% do Mundo Não Está Nos Seguindo na Ucrânia”. Eles escreveram:

Enquanto os EUA e os seus aliados mais próximos na Europa e na Ásia impuseram duras sanções econômicas sobre Moscou, 87% da população mundial tem declinado de nos seguir. As sanções econômicas unificaram os nossos adversários em uma resistência compartilhada.
Menos previsivelmente, a eclosão da Segunda Guerra Fria também levou alguns países que antes eram parceiros, ou não-alinhados, a se tornarem cada vez mais multi-alinhados. 

Esta divergência global fica especialmente clara quando se olha um mapa de quais são os países que impuseram sanções sobre a Rússia.

Estas nações representam só um pouco mais de um bilhão de pessoas: os EUA, o Canadá, o Reino Unido, a União Europeia, a Austrália, a Coreia do Sul e o Japão (sendo que os dois últimos têm estado militarmente ocupados há décadas pelos EUA).

A Rússia usualmente se refere a este bloco como “o Ocidente coletivo” e às suas populações comparativamente ricas como “o bilhão dourado” que se beneficiou da exploração econômica inerente ao sistema de mundo imperialista.

Os países de amarelo sancionaram a Rússia. Os países de cor cinza não sancionaram a Rússia.

Geopolitical Economy citou anteriormente um artigo publicado em março de 2022 pelo jornal britânico The Guardian, intitulado “A guerra fria ecoa à medida que os líderes africanos resistem a criticar a guerra de Putin”, que lamentava que “muitos se lembram do apoio de Moscou à libertação do domínio colonial, e um forte sentimento anti-imperialista permanece”.

A publicação assinala com raiva que a maioria das nações africanas “clamaram por paz, mas culpam a expansão da OTAN para o leste, reclamando dos ‘padrões duplos’ do Ocidente e resistem a todos os apelos para criticar a Rússia”.

Atualmente, quase todos os países africanos são membros do Movimento Não-Alinhado e são decisivamente neutros.

Ataques do Ocidente contra o Movimento dos Não-Alinhados

A narrativa ocidental de que os países do Sul Global na verdade não são neutros, remonta à Primeira Guerra Fria.

Em 1961, líderes esquerdistas da Índia, de Gana, do Egito, da Indonésia e da Iugoslávia formaram o Movimento dos Não-Alinhados. Este bloco representava a maioria da população mundial e consistia, na sua maioria, de países do Sul Global que se opunham ao colonialismo e ao imperialismo e não queriam participar na guerra fria. Eles buscavam construir um mundo verdadeiramente multipolar, não um mundo bipolar.

Porque o Movimento Não-Alinhado era liderado por socialistas (Jawaharl Nehru da Índia, Kwame Nkrumah de Gana, Gamal Abdel Nasser do Egito, Sukarno da Indonésia e Josip Broz Tito da Iugoslávia), os EUA e os seus aliados na guerra fria atacaram o movimento e alegavam que, na verdade, ser não-alinhado significava ser um apoiador secreto do bloco comunista liderado pelos soviéticos.

A CIA apoiou um golpe contra Nkrumah em Gana em 1966. Um ano antes, a CIA patrocinou um golpe de Estado contra Sulkarno na Indonésia (e, subsequentemente, apoiou o genocídio executado pelo ditador direitista Suharto, apoiado pelos EUA, que matou entre 1 e 3 milhões de esquerdistas). Os EUA também tentaram repetidas vezes derrubar Nasser, mas falharam.

Os poderes imperialistas ocidentais há muito adotaram esta posição do tipo de George W. Bush, que qualquer país que não os apoiasse ativamente, estava contra eles.

A própria Ucrânia foi um estado-observador do Movimento dos Não-Alinhados. Em 2010, o governo democraticamente eleito do presidente Viktor Yanukovych votou para declarar a Ucrânia como não-alinhada.

Mas, em fevereiro de 2014, os EUA patrocinaram um golpe de estado na Ucrânia, o qual derrubou Yanukovych e instalou um regime pró-ocidental. Pouco tempo após o violento golpe, Kiev desistiu oficialmente do status não-alinhado da Ucrânia e declarou a sua intenção de entrar na aliança militar da OTAN liderada pelos EUA.

mapa
Um mapa dos membros do Movimento Não-Alinhado (azul escuro) e estados observadores (azul claro)

Países do Sul Global condenam a invasão russa, mas culpam a agressão ocidental e mantêm a sua neutralidade

Os comentários enganosos de Blinken, Baerbock e Kuleba, alegando que o Sul Global na verdade não é neutro sobre a Ucrânia, são objetivamente falsos. Mas isto não significa que todos estes países do Sul Global apoiam a guerra da Rússia.

Muitos países do Sul Global condenaram a invasão russa.

Em 2 de março de 2022, uma semana depois que a Rússia enviou as suas tropas à Ucrânia, a maioria dos estados-membros das Nações Unidas votou para condenar a invasão, incluindo muitos países do Sul Global.

No entanto, a República Democrática Popular da Coreia, a Síria e a Bielorrússia votaram contra a resolução e 35 membros se abstiveram — incluindo países massivos como a China e a Índia (os quais, juntos, têm quase 3 bilhões de habitantes), bem como o Paquistão, a África do Sul, o Irã, o Iraque, o Sudão, Zimbabue, a Argélia, Cuba, a Nicarágua, a Bolívia, Moçambique e o Laos.

mapa

Depois, em abril, a Assembleia Geral da ONU fez uma nova votação, desta vez para expulsar a Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Houve menos apoio a esta resolução, com 93 votos a favor.

Abstiveram-se 58 países — como a Índia, o Paquistão, a Indonésia, o Brasil, o México, a África do Sul, o Egito, a Arábia Saudita e o Sudão.

24 países votaram contra a medida — incluindo a China, o Irã, a Argélia, a Bolívia, a Nicarágua, Cuba, a Etiópia, o Mali, o Laos, o Vietname e Zimbabue.

URGENTE - A Assembléia Geral da ONU vota pela suspensão da participação da Rússia no Conselho de Direitos Humanos da ONU - A favor: 93 - Absolvido: 58 - Contra: 24

O bloco ocidental quer que o mundo acredite que só existem duas opções: alinhar-se com ele ou opor-se a ele.

Mas a maioria dos países da Terra, representando a vasta maioria da população mundial, no Sul Global, efetivamente são neutros.

A OTAN está simplesmente frustrada que 87% do planeta não se juntam aos seus esforços de guerra.

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