O paradoxo dos conservadores pós-modernos
Macri, Trump e Bolsonaro nunca chegaram perto de ser realmente um "nova política". O sucesso desses três políticos pouco tem a ver com uma verdadeira raiva de setores conservadores ante as mudanças culturais e a perda de valores de uma sociedade em decadência
Para o filósofo contemporâneo Slavoj Žižek, o fascismo é "uma revolução conservadora que surge para reafirmar e garantir as hierarquias tradicionais e os espaços de privilégio de uma sociedade", Žižek continua a chamar Donald Trump como um "modelo de conservador pós-moderno", que baseia grande parte da sua força na explosividade dos seus discursos e num árduo trabalho de marketing para se associar a valores conservadores tradicionais como "família" ou "exercito". Durante o tempo em que a grande maioria dos países na América do Sul tiveram governos de cunho progressista, os setores privilegiados e a elite financeira manifestaram sua indignação ante o avanço que grupos marginalizados e minorias estavam tendo dentro dos estados nacionais. Mesmo quando todos esses países não faziam mais do que aplicar politicas keynesianas, historicamente aplicadas pelas social democracias europeias e ainda pelos Estados Unidos, e a fazer uma ampliação dos direitos individuais, a acusação era que América ia virar um "Continente Comunista". A necessidade de convencer à população de "valores comuns" a todos os setores que poderiam se perder para sempre se esses "governos comunistas" continuavam no poder, começou a gerar o ambiente de descontento popular que setores oportunistas do campo político precisavam para emergir das trevas. Não importa que as conquistas tenham sido inegáveis, não importa que estejamos falando do período de maior crescimento constante e sustentável do continente americano, refletido em todos os números oficiais e nas pesquisas das consultoras privadas. O que gerava esse enorme desgosto era que, perla primeira vez, o crescimento econômico não favorecia de forma exclusiva à elites desses países, pela primeira vez, de forma geral, a distribuição da renda estava se subvertendo.
Nos Estados Unidos, os números mostram que o governo Obama alcançou várias conquistas em termos de expansão econômica e redução do desemprego. Isso não impediu a eleição de Trump, com sua fala belicista, racista, misógina e xenófoba. No Brasil, até mesmo o mais radical dos antipetistas não têm motivos para negar o crescimento econômico histórico que o tubo o país durante os dois governos de Lula, quando se tornou, pela primeira vez, a sexta maior economia do mundo. Mesmo nos anos em que a Dilma enfrentou uma recessão que muito tinha a ver com as condições da economia global, a grande maioria dos analistas econômicos internacionais elogiou a administração de Rousseff por fazer da crise algo muito mais tolerável do que as políticas neoliberais teriam produzido.
Macri, Trump e Bolsonaro nunca chegaram perto de ser realmente um "nova política". Macri carregava escândalos de corrupção como empresário e era um governador medíocre da cidade de Buenos Aires, onde escândalos seus escândalos de corrupção também são inegáveis e variados. Trump, envolvido, forma ativa e passiva dentro do Partido Republicano com casos de corrupção ligados aos seus negócios com o estado, e Bolsonaro foi um estéril deputado pelo Rio de Janeiro desde 1988, conhecido por ter contribuído escassamente para levar melhorias concretas ao seu estado nos seus 20 anos como parlamentário, aprovando dois projetos em duas décadas de função. Nos três casos citados, o que surpreende é que esses personagens tenham sido os porta-estandartes do discurso do "trabalho duro" e da "nova política". Se autoproclamar representantes do valores tradicionais da família, também é algo que pode chegar a ser considerado paradoxal. Os três presidentes já foram casados em três oportunidades, os três tiveram um matrimonio de escândalo, com ex esposas que é preferível mantes afastadas dos microfones. O caso de Mauricio Macri é bem interessante. O presidente argentino nunca se mostra com os filhos dos seus anteriores matrimônios e prefere usar sua filha Antonia, de sete anos, como um ícone na construção do perfil de "pai jovem e vital" que vendeu para e eleitorado.
O sucesso desses três políticos pouco tem a ver com uma verdadeira raiva de setores conservadores ante as mudanças culturais e a perda de valores de uma sociedade em decadência. Macri com seus trolls Call Center, que durante toda a campanha se encarregaram de difamar qualquer adversário politico, e Donald Trump e Jair Bolsonaro com sues usos do WhatsApp para a divulgação de "fake news" têm pouco ou nada a oferecer como políticas de Estado moderno ou original. Pouco eles estão interessados na restauração de valores perdidos. Suas ações públicas ainda são essencialmente estratégias midiáticas bem diagramadas pelos seus assessores de imprensa e marketing. Macri, aplicando uma receita neoliberal clássica de ajuste, apela, como ninguém mais, ao emocionalismo mais elementar para criar um laço de identidade com o cidadão. A máquina de propaganda o coloca em situações inusitadas em que aparece para "surpreender" pessoas comuns em padarias, restaurantes e empresas familiares, para assim realizar algum ato de demagogia e populismo decadente, sem manifestar propostas concretas para a inclusão desses setores com os que procura ou simula que procura um diálogo. Donald Trump e sua fúria belicista chega ao ponto de bombardear impunemente Síria, beneficiando assim seus amigos da indústria armamentista, que vão faturar milhões com a queda de cada bomba. Suas ameaças constantes à Venezuela e Coreia do Norte, distraem a atenção das suas politicas econômicas que produzem mais marginalidade nos setores sociais que não interessam ao seu governo. O investimento de capital político que ainda faz para legitimar a construção do muro com o México, (um muro que sabemos vai acabar tendo o mesmo destino que o muro de Berlim) é realmente surpreendente.
No Brasil, o caso de Jair Bolsonaro, sabemos, atravessa todas as fronteiras. Ao contrário dos outros dois presidentes, Bolsonaro não tem suas origens como empresário de sucesso. Autodeclarado um verdadeiro ignorante em economia e sendo um fracasso como político (dois projetos aprovados como deputado em vinte anos), sua figura é reduzida a declarações bizarras e violentas. Semelhante a Macri em sua incapacidade de articular discursos fluentes e coerentes em público e com o Donald Trump para encontrar inimigos nos quais depositar sua fúria psicótica dentro e fora do país. Bolsonaro conseguiu condensar o pior de todos os candidatos conservadores de hoje, chegando ao ponto de escandalizar jornalistas de jornais internacionais de renome como o Time, o New Yorker ou o Le Monde. Conseguiu escandalizar ao próprio Le Pen, que o considera "um caso perigoso e extremo" Neste sentido, a economia brasileira corre um enorme perigo (e por arraste, a economia da região toda). Em cinco meses de governo, Bolsonaro já mostrou o mesmo tipo de política econômica que caracteriza o governo de Macri, de quem é admirador. Ele já colocou a mão em políticas públicas de financiamento estatal, cortando investimentos em educação e na indústria cinematográfica, ninguém sabe realmente aonde ira para esse dinheiro. Privatizou doze dos aeroportos mais importantes do país, sem aviso prévio e festejando-o como Uma vitória histórica, quando, na verdade, essas concessões para trinta anos, não será suficiente para pagar o valor total do custo que o governo teve para construí-los. Semelhante ao comportamento de Macri, Bolsonaro celebra cada medida como conquistas históricas, independentemente de se os dados concretos mostrarem que isso não corresponde à realidade. O golpe de mídia já está dado e quando alguém mostrar que não se trata mais do que de um desonesto exagero, a percepção da realidade do cidadão desavisado já foi contaminada.
Macri chega ao fim do seus quatro anos de recortes neoliberais, nesse último mês tentou com medidas protecionistas do mercado para tentar revitalizar sua figura de populista precário. Trump acaba de pedir ao congresso mais US $ 4.400 milhões para construir o muro com o México. Bolsonaro prepara a reforma previdenciária, um aprofundamento da reforma trabalhista de Temer e aciona motores para levar adiante a privatização histórica dos correios e da Petrobras. Suas aparições e declarações grotescas parecem ter a intenção de criar um escândalo para desviar a atenção das grandes mudanças estruturais estão vindo para a economia do país: a entrega de bens estatais como nunca antes aconteceu, como não se atreveu a fazer ou o próprio governo militar do golpe do 64.
Este conservadorismo pós-moderno vai deixar um traço difícil de apagar nas estruturas econômicas dos países por onde passou. Um fracasso eleitoral de Macri em outubro poderia alertar as classes populares da região sobre as consequências de uma experiência neoliberal. É uma esperança talvez mesquinha que pode salvaguardar a Argentina de uma nova catástrofe econômica e advertir à população brasileira antes da economia vazar pelo ralo. O tipo de experiencia neoliberal radical que o governo do Bolsonaro quer para o brasil é só comparável com a que Argentina teve nos anos 90 e que acabou com a quebra do estado em 2001, quando o pais teve que declarar o default e passou a formar parte das piores economias do mundo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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