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O passado no retrovisor de Dilma

O passado pode auxiliar a compreensão das escolhas feitas pela presidente Dilma e o PT. Sobretudo, as limitações de algumas dessas escolhas, principalmente após a sofrida vitória eleitoral

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Anos a fio desprezada como "populista", a memória da República de 1946 tem servido como fonte inspiradora para oportunas reflexões, que prosperam no jornalismo desde o 2º turno da eleição presidencial. O objetivo tem sido buscar na História recursos que permitam iluminar o tempo presente da política brasileira. Reflexo positivo de uma relação mais bem resolvida entre setores da inteligência nacional com um crucial e, até há pouco, depreciado período da história do país.

Ao explorar iniciativas e desafios enfrentados, em especial, pelos governos de Getúlio (1951-54) e Jango (1961-64), se tem procurado avaliar o PT e o governo Dilma, assim como indicar problemas, dilemas e possibilidades a ambos. Acompanhando o mesmo exercício, destaco alguns aspectos da trajetória do velho trabalhismo – ao qual se filiavam Getúlio e Jango –, de modo a lançar algumas luzes sobre o presente. O passado pode auxiliar a compreensão das escolhas feitas pela presidente Dilma e o PT. Sobretudo, as limitações de algumas dessas escolhas, principalmente após a sofrida vitória eleitoral.

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Getúlio, Jango e a guerra fria

O governo democrático de Vargas, desde o início, sofreu hostil oposição conservadora. Como resposta apostou nas transações interpartidárias. A via institucional foi privilegiada e se tentou superar as tensões políticas por meio do acolhimento de adversários na equipe de governo, inclusive udenistas. Também procurou formar maioria parlamentar, porém, inconsistente.

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O roteiro é conhecido: possuindo apoio basicamente entre as classes trabalhadoras urbanas, as tentativas de conciliação com os antagonistas redundaram na criação da Petrobras. Mas, igualmente no arquivamento de outras ousadas medidas nacionalistas, como a Eletrobras e a limitação da remessa de lucros do capital estrangeiro. Por fim, o trágico desfecho.

Na confortável posição de quem vê o passado à distância não seria desrazoável, no entanto, afirmar que Vargas deixou de lado um envolvimento mais decisivo das classes trabalhadoras no processo político. Cursando outra rota, talvez pudesse abdicar da dependência exclusiva de tratativas institucionais com as forças conservadoras.

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Vale lembrar que cerca de um milhão de pessoas participaram do cortejo fúnebre do presidente. Com a sua morte, inúmeros foram os casos de empastelamento de jornais, sedes partidárias e estabelecimentos comerciais – direta ou indiretamente – associados aos adversários. A embaixada dos mui amigos EUA recebeu o seu quinhão da fúria popular.

Assim, a potência popular de adesão a Vargas talvez não fosse amorfa, como a memória nacional tendeu a enquadrar. Em todo caso, a opção coube a Getúlio, que não se encaixava propriamente no perfil de um adepto da mobilização popular para dilatar os processos decisórios. À época, um parâmetro político que só integrava, no Brasil, o quadro de referências dos comunistas. Estava ainda em esboço entre a geração mais jovem de trabalhistas, formada, entre outros, por Leonel Brizola, Ruy Ramos, Sérgio Magalhães e João Goulart.

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Durante parte do seu governo, também Jango procurou atenuar os conflitos com as forças políticas e militares conservadoras, via acordos parlamentares. Por isso, foi questionado pelas esquerdas, inclusive por seu PTB, e pelos movimentos estudantis e sindicais. Por sua vez, os grupos conservadores, desde o adverso início do governo, só aceitavam Jango se este não governasse. Somente se não adotasse o programa trabalhista das reformas de base.

Um presidente sem poder de ação é o que queriam. Sintoma de uma democracia que os estratos dominantes pretendiam conter. Nos últimos meses de governo Jango apoiou-se intensamente nas organizações e movimentos populares, fazendo maiores apelos à democracia participativa. Para alguns estudiosos e personagens da época, essa foi a principal razão do golpe empresarial-militar de 1964.

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Entretanto, produções audiovisuais, fontes documentais brasileiras e estadunidenses, relatos de atores próximos ao governo, uma miríade de fontes que vieram a lume, em especial, recentemente, tem apresentado outra motivação de peso para a frágil reação ao golpe: a guerra fria, com a séria ameaça de intervenção militar dos EUA. Um cenário potencialmente trágico para o país influiu na decisão do destituído presidente Goulart.

Desse modo, em cena figuraram algumas opções e inúmeras limitações, principalmente derivadas dos contornos da geopolítica da guerra fria. Em todo caso, a tergiversação com os adversários revelou-se infrutífera, no máximo estendendo um pouco mais a duração dos mandatos. As forças conservadoras pretendiam retirar do cenário os dois presidentes e a respectiva corrente política a qual filiavam-se: o trabalhismo. Não havia acomodação possível.

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Levando em conta o atual contexto histórico, com salientes graus menores de conflituosidade e constrangimentos, cabe a pergunta: é necessária uma subalterna conciliação entre a presidente Dilma e as forças políticas e econômicas que a ela fazem encarniçada oposição?

Dilma e as reformas política e midiática

No 2º turno da eleição presidencial a luta de classes se manifestou e assumiu configuração peculiar, por meio de uma contradição entre valores individualistas e de solidariedade coletiva. Referências morais e comportamentais explicitamente em choque. A presidente/candidata viu-se estimulada a fazer acenos à esquerda, obtendo uma rede de militância e de apoios – muitos críticos – entre os movimentos sociais e demais segmentos progressistas.

Após a consagração eleitoral Dilma apresentou um enxuto, mas importantíssimo pacote de reformas para o país: a reforma política e a regulação econômica da mídia. Considerando as prováveis oposições em torno das propostas, assim como a instável e majoritariamente conservadora base do governo no Congresso, não é difícil argumentar que a aprovação de tais reformas irá requerer o ativismo político da sociedade civil, em particular dos movimentos sociais nas ruas. Somente o caminho institucional não dará conta.

A pequena agenda reformista de Dilma lembra as lições tiradas por Sérgio Magalhães com o golpe de 1964. Presidente da Frente Parlamentar Nacionalista, no intervalo de 1963-64, para Sérgio a extensa pauta reformista gerou sérias dificuldades ao governo Jango. No caso da presidente reeleita, vê-se, pois, um foco delimitado em que pode concentrar energias.

Importa observar que ambos os temas – reforma política e regulação econômica da mídia – são de fácil aderência ao vocabulário liberal dominante. Em que pesem algumas grotescas expressões reacionárias na sociedade, tratam-se de temas palatáveis aos valores políticos e culturais prevalecentes.

Uma proposta visa aperfeiçoar a representação política, colocando acento no fim do financiamento empresarial das campanhas eleitorais. A outra destaca as mazelas do oligopólio midiático, defendendo o pluralismo. Muitas vozes e opiniões, de sorte a expressar um ambiente político e cultural diversificado. Medidas adotadas nessa direção ocorreram no Equador e na Argentina. Também preconizadas pela insuspeita Unesco, não há incompatibilidade com os princípios morais do liberalismo; portanto, com a cosmovisão dominante.

Ao contrário, pretende-se dar legitimidade ao instituto liberal da representação e combater o controle da mídia em poucas mãos. Possuem, então, um ingrediente ideológico facilitador, mas afetam poderosos interesses cristalizados. Demandarão um ativo envolvimento das forças progressistas. Apenas ao sabor da campanha das corporações da mídia e do desinteresse do Congresso, não haverá condições de as propostas serem aprovadas.

Uma conciliação inócua

Os longos anos de governos Lula/Dilma foram dedicados a um duplo keynesianismo: um, relevante, mas acanhado, voltado ao combate à fome e à adoção de uma política salarial e de geração de empregos. Outro, bastante robusto, faz a alegria de bancos, especuladores e construtoras. Somente agora o PT ensaia iniciativas com potencial mais incisivo de gerar o descontentamento de frações da "casa-grande".

O corrente griteiro antipetista deriva mais de sua história associada ao movimento sindical e do reacionarismo propagado pelos veículos de comunicação, do que propriamente guarda relação com medidas de governo. Noves fora óbvias dificuldades, o enxuto programa de reformas da presidente não deixa de revelar timidez, comparado à veia socializante do trabalhismo de Jango. Reformas urbana e agrária, por exemplo, estão fora da agenda petista.

Ainda assim, as notícias relativas à formação do novo governo guardam absoluta incoerência com os tons de esquerda da campanha no 2o turno. Os nomes ventilados para os ministérios da Fazenda, Joaquim Levy, e da Agricultura, Kátia Abreu, representam acenos privilegiados ao "mercado". Precisamente o setor que mais se destacou na oposição demonizadora de Dilma durante a eleição.

Para usar os termos do historiador Edward P. Thompson, se pode afirmar que o intervalo de tempo entre a eleição e os primeiros ensaios de composição ministerial apresenta uma contradição entre a "economia moral" (dos aderentes progressistas da campanha de Dilma) e a "economia política", forjada na força do dinheiro. São as crenças, as expectativas e as experiências cotidianas dos movimentos sociais e das forças progressistas que restam desconsideradas. Péssimo sinal de um bloqueio do "mercado" à democracia. O que tende a retirar credibilidade de um governo ainda em formação.

No passado, Getúlio e Jango tentaram a conciliação com os seus opositores. Conseguiram desconfiança em suas bases sociais e instabilidade política, pois não podiam contar com muitos aliados formais, que faziam oposição na prática. Contudo, visando romper o cerco paralisante, sobretudo Jango deu um acentuado giro à esquerda. Sujeitos aos grandes constrangimentos da guerra fria e marcados por saliente veia popular e economicamente antiliberal saíram tragicamente derrotados. Mas, não abdicaram dos compromissos com as suas bases sociais, as classes subalternas. Entraram para a História pela porta da frente.

Na contramão, o caso de Dilma e do PT é realmente curioso. O mundo ultrapassou os tempos da guerra fria, não há riscos de intervenção militar das Forças Armadas do país ou estadunidenses. A América do Sul convive com um alvissareiro experimento de integração regional, criando inibições a potenciais interferências ianques. São múltiplos os compromissos internacionais em torno de regras democráticas. Afora meia dúzia de fascistóides, nem mesmo ao capital interessaria uma ruptura institucional. Os efeitos de uma hipotética ruptura, com turbulências sociais posteriores, seriam imprevisíveis para seus próprios interesses. Muitos parecem esquecer, mas o Brasil é um elo demasiadamente relevante no circuito internacional do capital, virtual e produtivo, para aventuras golpistas à moda dos anos 1950/60.

Encontramo-nos em uma conjuntura em que nenhuma grave ameaça paira no ar. Entretanto, a continuar submetendo-se aos desígnios antidemocráticos do "mercado", perderá o PT o que lhe resta de legitimidade entre setores progressistas, tendendo a ser capturado pelos empedernidos adversários. Uma tentativa de conciliação, pois, inócua. Com isso, hoje pode perder credibilidade. Amanhã, talvez recurso que interesse mais ao PT, poderão ser votos.

Ademais, restringir-se a uma institucionalidade política que, despudoradamente, rejeita a soberania popular e desconsidera a voz da maioria da população em nada vai ajudar ao objetivo declarado de fazer as reformas política e da mídia. Um pouco de coerência com a campanha eleitoral e de ousadia não fariam mal ao novo governo da presidente Dilma. Mirar o passado político nacional no retrovisor talvez dê coragem para seguir em frente.

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