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Aline Braga

Ativista Social e jornalista

6 artigos

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O passaporte africano que eu não tenho

A verdade é que a maioria de nós, negros, tem pouquíssima ideia de onde apontar no mapa daquele enorme e rico continente para arriscar uma relação genética ou certa carga de ancestralidade

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Numa dessas conversas despretensiosas de final de semana, me foram jogadas as cartas na mesa e na cara sobre a negação da minha ancestralidade.

Aliás, a negação a todos aqueles, parentes dos 4,9 milhões de africanos que, forçados, chegaram ao Brasil durante o nefasto período da escravidão.

Um conhecido, brasileiro, comentava que era descendente de holandês, espanhol e alemão ao mesmo tempo. Pensei: "Todos de origem europeia". Na minha vez, disse que tinha no meu sangue tudo que um dito brasileiro tem: sangue de índio, negro e português. Ué, mas aí uma dúvida começou a pairar na minha cabeça: de que tribo indígena e de que etnia africana?

Se ele sabia dentro do continente europeu a que nacionalidade específica pertencia, por que eu não conseguia saber a minha dentro do continente africano? Me senti alienada.

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A verdade é que a maioria de nós, negros, tem pouquíssima ideia de onde apontar no mapa daquele enorme e rico continente para arriscar uma relação genética ou certa carga de ancestralidade. Muitos negros desse país se deparam com essa nuvem espessa quando tentam buscar mais a fundo sua árvore genealógica. E essa ausência de história se transforma em um silêncio que sustenta a colcha de retalhos característica do racismo brasileiro.

Isso porque, no nosso discurso racista, ser descendente de europeu é motivo de valorização e, de africano, não. Essa valorização se confirma toda vez que posso recorrer ao consulado, verificar minha árvore, entender meu passado e me conectar a ele por meio de um passaporte. Um documento que, mais uma vez, me dará uma série de privilégios econômicos e de oportunidades. Sensação e procedimentos que se darão de forma bastante diferente quando me identifico como povo originário ou afrodescendente.

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O formato do seu rosto e do seu corpo, inclusive a carga genética invisível aos olhos, mas que interfere na sua maneira de ser, de onde vêm? Esse desconhecimento nega sua formação, que é sem dúvida uma ferramenta de autoestima ao longo da vida. Basta perceber como se enche de orgulho aquele que logra buscar no consulado, finalmente, seu passaporte italiano. Um direito que lhe é dado, caso seja comprovado o parentesco, pelo lado paterno, sem limite de tempo entre gerações. Esse passaporte vem e sacramenta o pertencimento. A falta dele, do outro lado, simboliza essa negação ao orgulho da descendência africana, principalmente, por como se deu a construção do discurso de supremacia racial no Brasil.

Não posso precisar quando foi que esse insight, que é mais uma ausência, se encontrou com a notícia do projeto 'Brasil DNA África'. E por tudo isso dito até aqui, não assusta perceber a repercussão positiva – mas ainda tímida - da produção que, no mês de julho deste ano, foi exibida no canal Globo News. O projeto propôs desvendar as origens históricas, culturais e científicas de descendentes de africanos trazidos como escravos ao Brasil. Cinco pessoas foram escolhidas para viajar e refazer os percursos da ancestralidade descoberta por meio de um teste genético. Tudo durou em torno de três anos e 150 negros passaram pelo projeto, que foi realizado pela produtora CineGroup. Dá para conhecer aqui: http://cinegroup.com.br/2014/07/brasil-dna-africa/.

Depois que essas duas ideias se encontraram em minha cabeça, fiquei imaginando como seria ter um passaporte africano e ter essa origem reconhecida. Saber para além de Angola, Moçambique, Benim: a região, o dialeto, o bairro, a rua, a família. É um tema sobre o qual precisamos conversar, no mínimo. Porque, para cada passaporte europeu, há de haver um passaporte africano para os integrantes dos 50% da população brasileira que se assume negra tanto no dia a dia quanto nas cotas de concurso.

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