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Taciano Valério

Professor UFPE/Caruaru

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O pensar torto bolsonarista

Os bolsonaristas criam a cena de guerra cultural como leitimotiv numa sina obsessiva de milícias digitais que elaboram narrativas e polarizam sem que haja debate político, mas apenas ofensas

Motociata na cidade de Porto Alegre. (Foto: Isac Nóbrega/PR)
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Algumas palavras, aforismos, frases, são tomadas e assimiladas no âmbito geral pelo universo virtual, universidades, senso comum. Consumidores de orelhas de livros e conteúdos soltos ao vento nas redes sociais. Falo de elementos extraídos da filosofia e da literatura. Muitos já ouviram aquela expressão nietzschiana que diz “tudo que não me mata me fortalece”, assim como “você é responsável por aquilo que cativas” de Antoine de Saint Exupéry, e a máxima sartreana, “a questão não é o que fizeram de você, mas o que você vai fazer com o que fizeram de você”. Soma-se a isso, “só sei que nada sei” de Sócrates e “os olhos de cigana oblíqua e dissimulada” de Machado de Assis. Já lemos sobre a ponta do iceberg do Inconsciente freudiano e de que o amor é “dar o que não se tem para alguém que não o quer” quando Lacan fala dos objetos significantes referentes ao amor, e, por fim, “que seja infinito enquanto dure” de Vinicius de Moraes. 

Interessante que todos esses textos quando lidos, discutidos e interpretados com um apelo realmente concreto e numa dimensão no campo das ideias e das sensações podem dar “pano para as mangas”, mas são mangas curtas, faltando sempre alguma coisa. Tão mais interessante seria se saíssemos da leitura dessas frases ou afirmações e ficássemos com a obra de cada autor, de onde foram retirados esses “passes de Trivela”, pois lendo toda a obra, os passes resultam em gol e não em tentativas de bolas de efeito. 

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Tenho a impressão de que esses fragmentos diante dos bolsonaristas dariam um nó em suas cabeças, mas como eles são muito espertos em destilar veneno e, convenhamos, sabem colocar o túnel no final da luz, diriam assim: “tudo que eu mato, me fortalece”; “você é responsável por aquilo que odeia”; “só sei que tudo que aprendi não sei e tudo que eu sei eu não aprendi”. 

Eles não pensam diferente e sim ao avesso, ou melhor, quanto pior, pensam torto. Quando dizemos que a democracia é boa, eles não dizem que é ruim, mas falam que a democracia que se apresenta é corroída, contaminada e por isso não presta. Assim, o homem, que ocupa a cadeira Número 1 da casa de vidros do palácio do planalto em Brasília, treina a sua governabilidade com a foice e o martelo a partir do seu picadeiro, armando em seu cercado novas formas de fraturar a democracia. Obviamente, o perverso que faz perversidades junto do seu pervertido gado entende a filosofia, a literatura, o cinema, a ciência e outras maravilhas da arte e do pensamento científico como uma ameaça. Põe fogo em tudo que é vitalidade e expressão de arte contestadora aos status quo, bem como a manifestação de cientistas e artistas em nosso território. 

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Os bolsonaristas criam a cena de guerra cultural como leitimotiv numa sina obsessiva de milícias digitais que elaboram narrativas e polarizam sem que haja debate político, mas apenas ofensas, divisão, agressão, ganhando um estatuto abjeto de seita. Torna-se um fundamentalismo capaz de atuar no estrato social atingindo as subjetividades das pessoas numa espécie de encarnação do absurdo e crença. Não é à toa que vemos nessa pandemia pessoas cantarem hino nacional para a cloroquina, gente em marcha dizendo que são robôs do presidente e muitos médicos receitarem o passe mágico do coquetel cloroquina/ivermectina/azitromicina (tratamento precoce) para as pessoas.  

Enfim, a maioria dos bolsonaristas não sabem o que é uma democracia, fazem uma “não-democracia”. Assim, a democracia vai deixando de ser democracia e vai se tornando democradura, ou um mistão em que o resultado é um ensaio neofacista onde usam o machado para demolir reputações e uma foice com a lâmina afiada na língua espalhando as suas “verdades idiossincráticas" em redes sociais como: a terra é plana, mamadeira de piroca, eleição sem voto impresso é fraude, ou, o Brasil vai ser invadido pelos alienígenas de Moscou. 

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O filósofo Nietzsche nos ensinou a filosofia a golpe de martelos na acepção e necessidade de quebrarmos os ídolos que cristalizam muitas ideias no mundo. Tais ideias, por Nietzsche criticadas, são negadoras da vida, niilistas e preconceituosas. O filósofo tecia considerações sobre as formas como os ideários do projeto da modernidade seguiam um curso que mistificavam a realidade a partir de uma divisão de valores dicotômicos, bem e mal. Valores esses, contaminados e erigidos por um interesse de tudo saber para tudo poder. Causando um processo de extinção de valores sensíveis à vida, a exemplo dos afetos. Nietzsche pensava torto porque pensou fora da tradição filosófica socrático platônica podendo descobrir outras searas para o seu pensamento. O seu pensar é revolucionário porque ele coloca como valor superior sempre a vida. Mesmo assim, Hitler o elegeu como o seu influencer distorcendo toda visão nietzscheana sendo um bom exemplo de como as paixões, quando não bem compreendidas/vividas em termos de afeto, podem ser uma bomba nas mãos de quem não sabe pensar torto com o desvio.

É bom que saibamos que pensar torto não é um assunto inadequado, há uma qualificação nisso que é a possibilidade do desvio, mas o desvio tem que ser visto como algo que o exercício do pensamento esteja submetido à vida. Não pode haver um regime de saberes e poderes que subestime a vida, aniquilando pessoas e destruindo minorias. 

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Os bolsonaristas pensam torto e não conseguem fazer um desvio que beneficie a vida em sua potência de multiplicidades, afetos, atitudes. Eles aniquilam o próximo que pensa diferente. Pensam torto porque o ressentimento os impulsionam sempre ao ódio como um rolo compressor disparatado que passa por cima de tudo e de todos. 

Então, a doxa (opinião) e os desvarios endossam a guerra cultural bolsonarista como uma fonte atada às questões que reivindicam um status higienista, racista, sexista e misógino. Os bolsonaristas usam o martelo quebrando gente, queimando livros, museus, películas cinematográficas, universidades públicas, ou, quebram a si mesmos já que brigam tanto entre eles. Com o martelo em mãos eles fraturam o país enquanto nação, ou, o que ainda havia para pensarmos numa ideia de nação. Batem os pregos contra as próprias mãos numa sanha sadomasoquista cujo enredo se passa sempre com a presença obsequiosa do brioco que tanto criticam. 

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De fato, os bolsonaristas têm conseguido realizar uma espécie de Gestalt às avessas em que o todo é menor que a soma das partes visto que, há um projeto de diminuição do queijo em forma de Estado, cujo verme corrói tudo e o que sobra é a indiferença. Em tal diminuição do queijo, o Estado se circunscreve maior enquanto menor, quando imprime menos garantias de direitos, políticas públicas e bem-estar social aos brasileiros. Vide o menu da coalhada do senhor Posto Ipiranga em que nada põe na mesa do pobre, do jovem, do idoso, da classe média, mas sim dos ricos. 

Na lógica do leite econômico, em que as bactérias ajudam na fermentação do queijo, não existe filosofia, literatura, cinema, poesia, universidade pública e ciências. A medida é a destruição desses lugares por parte da governança que dá uma aparência de ser para existir como projeto de presença ululante e fanática nas redes sociais, tendo como máxima: “menos filosofia e mais doxa bolsonarista”. 

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O que temos é uma não filosofia de Olavo de Carvalho, um não-cinema a partir dos filmes do Brasil paralelo, uma não–literatura congeminada pelas narrativas non-sense do gado e um não-futuro que esse governo delega. 

Contra o pensar torto bolsonarista, implico pensar torto pelo desvio. 

Como já nos dizia Clarice Lispector “há o direito ao grito. Eu grito”.

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