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Heba Ayyad

Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

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O plano de Trump para impedir a guerra de extermínio: você é o oponente, o juiz e o litigante

O plano de Trump ignorou o que ocorreu na devastada Faixa de Gaza e a tragédia do povo palestino em suas raízes

Trump e Netanyahu se reúnem na Casa Branca - 29/09/2025 (Foto: REUTERS/Jonathan Ernst)

A máquina de matar continua a operar diariamente na Faixa de Gaza. O processo de trégua deve começar assim que ambos os lados aceitarem o plano apresentado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, iniciando com um cessar-fogo, seguido pela libertação dos prisioneiros.

Os dois itens mais importantes para os movimentos de resistência são, antes de tudo, o cessar-fogo e, em seguida, o fluxo de ajuda humanitária sob a supervisão da ONU — longe dos centros de ataque e da violência contra aqueles que buscam sustento, sendo mortos a tiros antes mesmo de morrerem de fome. Ninguém tem o direito de se sobrepor às facções da resistência.

Já escrevi aqui: “O combatente teimoso da resistência é o negociador teimoso.” Ninguém tem o direito de impor condições, oferecer conselhos ou dirigir insultos aos combatentes da resistência — seja em Ramallah, Amã, Londres ou Nova York. Somente eles decidem.

Como disse um famoso comentarista: eles estão certos se aceitarem o plano de Trump, e estão certos se não o aceitarem. O povo de Meca conhece melhor os próprios vales; e aqueles que lutam, se sacrificam e doam — a maioria, senão todos, líderes de primeiro escalão — são mártires. Não é correto que gangues de corrupção e perversão levantem suas vozes com conselhos, instruções e insultos.

Gostaria apenas de expressar minha desconfiança, meu medo e minha profunda preocupação com os planos e iniciativas de Trump. Tenho o direito de questionar a equipe designada para trabalhar com ele e coordenar com as demais partes a negociação da implementação do acordo, cláusula por cláusula, começando com o cessar-fogo e, depois, a entrega dos prisioneiros — especialmente porque ele garantiu papéis tanto ao criminoso de guerra Tony Blair quanto ao arquiteto dos Acordos de Abraão, Jared Kushner.

Mas como os prisioneiros podem ser entregues se não houver retirada de diversas áreas que permitam aos combatentes da resistência se comunicar com aqueles que os guardam, a fim de garantir uma saída, escolta e entrega seguras — como ocorreu anteriormente, quando foi acordado que drones não sobrevoariam o espaço aéreo das zonas de entrega e transferência?

A resistência confia no exército de assassinos para realizar essa complexa operação sem um reposicionamento e garante que ela será executada em um ambiente seguro? Portanto, as retiradas e a evacuação de algumas áreas também devem coincidir com o cessar-fogo, a fim de assegurar a entrega segura dos prisioneiros.

Como a libertação de prisioneiros israelenses coincide com a de prisioneiros, detidos e sequestrados palestinos, esse aspecto também deve ser garantido. Para onde irão os palestinos que cumprem longas penas? Há alguma garantia de que Israel não os liquidará no dia seguinte, na semana seguinte ou no mês seguinte?

Confiamos em Trump?

Absorver aqueles que serão deslocados de Gaza? Em sua opinião, “o tamanho de Israel parece pequeno no mapa, e sempre pensei em como ele pode ser expandido.” Poderia haver algo mais imprudente do que essa declaração? Ou os árabes têm memória curta? Ele mudou tão rápido? Esperamos que sim. 

Quantas vezes Trump deu ao Hamas avisos finais para que se rendesse, libertasse prisioneiros e entregasse suas armas — sob a ameaça de lançar sobre eles o fogo do inferno? A resiliência da resistência foi o que frustrou tais declarações e obrigou Trump a negociar. 

Trump abriu o arsenal de armas pesadas que Biden — que se autodenominou “um sionista não judeu” — havia retido de Israel, especialmente bombas de 2.000 libras, de tremendo poder destrutivo, que ele rapidamente forneceu a Israel dias após assumir a Casa Branca.

Como podemos confiar em Trump se ele participou, ao lado de Israel, de todas as suas guerras em todas as frentes desde que assumiu o cargo — seja em Gaza, no Líbano, no Iêmen, no Catar ou por meio de seu veto no Conselho de Segurança?

O governo Trump não atacou, na madrugada de domingo, 22 de junho, três instalações nucleares iranianas — mesmo sem haver estado de guerra entre os dois países, mas sim negociações políticas em Omã? Isso, simplesmente, é classificado pelo direito internacional como crime de agressão.

O episódio ocorreu depois que ele permitiu que Israel lançasse ataques aéreos contra o Irã por 12 dias. Em seguida, alegou ter interrompido a guerra entre Irã e Israel — depois que Israel confirmou sua incapacidade de impedir que mísseis iranianos atingissem todas as áreas dentro da entidade sionista.

Qualquer pessoa em pleno juízo acreditaria que Israel atacou Doha, em 9 de setembro, para perseguir toda a liderança do Hamas, sem o sinal verde dos Estados Unidos? E que a Base Aérea de Al-Udeid, com suas capacidades tecnológicas superiores, só detectou os ataques aéreos depois que eles haviam terminado?

Ele certamente sabia e concordou com o ataque, em coordenação com Netanyahu. Se a operação tivesse sido bem-sucedida, ele teria parabenizado os líderes israelenses por suas habilidades e assumido parte do crédito. Se falhasse, distanciar-se-ia da operação e tentaria reparar o dano diplomático com um país mediador — o mesmo país que foi capaz de resgatar mais de 100 mil estadunidenses, e também aqueles que colaboraram com os Estados Unidos no Afeganistão, quando a presença estadunidense entrou em colapso.

O plano de Trump ignorou o que ocorreu na devastada Faixa de Gaza e a tragédia do povo palestino em suas raízes. Ignorou a ocupação, os assentamentos, os crimes dos colonos, o cerco, os postos de controle e os milhares de prisioneiros e detidos.

Por tudo isso, e apesar de nossa confiança na firmeza das decisões da resistência — que conhece melhor suas próprias circunstâncias —, não confiamos em um adversário, uma das faces da tragédia, que agora se apresenta como juiz, tentando conquistar um Prêmio Nobel às custas do sangue palestino.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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