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Arlindo Falco Junior

Arlindo Falco Junior é engenheiro

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O poeta

Movimento modernista, um sopro de luz que trouxe nossas artes para o século XX

(Foto: Divulgação)
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Em fevereiro fazem 100 anos da semana de arte moderna que gestou o movimento modernista, um sopro de luz que trouxe nossas artes para o século XX.

Anos atrás passeava pela São Salvador e como sempre fazia fui a banca do Ivo de Souza, dileto amigo professor e poeta. Lá garimpava preciosidades literárias além do bom papo. Deparei-me com Poesia Completa de Raul Bopp,  com um entusiasmo juvenil apoderei-me da obra. Li na juventude Cobra Norato, e Coco de Pagú, e nada mais encontrei do autor.  Obra que preencheu uma lacuna sobre um dos maiores poetas brasileiros, editada por Augusto Massi, um daqueles brasileiros indispensáveis, que realizou um verdadeiro trabalho arqueológico sobra a obra do poeta, preenchendo o livro com seus comentários certeiros e esclarecedores. A começar por Como se vai de São Paulo a Curitiba, um texto ágil, moderno e saboroso. A revista MÁSCARA anunciava sua chegada em Porto Alegre : Bopp, Bopp, Bopp tal o seu fascínio pelo automóvel. Sua pena hora é câmera, hora cinzel, hora som, h ora tinta. Os elementos de Cobra Norato já estão ali presentes. Se em Cobra Norato a mitologia indígena é seu foco em Urucungo nossas raízes africanas é seu objeto, nestes destaco Dona Chica e  a republicação de COCO que nada tem de similaridade com o tema tratado mas aos caprichos do poeta. Tratou  da coluna prestes em Expedição. Não teve tema dentro da afirmação de uma cultura brasileira que lhe tenha escapado.

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Porém é Cobra Norato sua obra prima. Um épico amazônico onde tudo que se discutia nos meios intelectuais, criar uma linguagem e uma poesia lastreada nas nossas raízes , ele concretiza neste poema. De que tudo foi feito dentre os ventos modernistas Cobra Norato é a principal obra.

Sobre ele disse Oswald de Andrade: "Raul Bopp é a natureza mais amável da poesia brasileira. E talvez a mais forte.

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Isto que o novo credo da antropofagia determinou como "exogamia", essência  do homem na busca da aventura exterior que é toda a vida -- Raul Bopp o fez procurando o Brasil, seu ambiente, por todos os caminhos da fome emotiva.

E como Cobra Norato, sua viva expressão autobiográfica, ele soube trazer-nos o Brasil na boca.

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Raul Bopp parece diverso de Mario e seus cacoetes e diverso do pau brasil litorâneo. É a terceira forma do Brasil atualista.

Em Cobra Norato, pela primeira vez, se realizou a poesia grandiosa e sem fraude, Bopp fez o que Gonçalves Dias não conseguiu e o que mais de um modernista, viciado em conchavos eleitorais do talento, teima em fracassar.
Aventura perigosa essa de trazer o Brasil nos dentes. E portanto aventura de alto sentido. Bopp a realizou." 

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Também Carlos Drummond de Andrade fala sobre Bopp e Cobra Norato ;" Cada um, porém, que vá descobrindo estas riquezas. O velho livro de versos modernistas, aparentemente tão datados, ressurge hoje em toda a sua novidade, e o amadurecimento do poeta mais o apurou.  E é o possivelmente o mais brasileiro de todos os livros de poemas brasileiros, escritos em qualquer tempo. Nele a influencia erudita europeia, de caráter satírico, que ainda se faz sentir no monumental Macunaíma, de Mario de Andrade, por exemplo na " Carta aos Icamiabas"- torna-se praticamente nula. Os mitos, a sintaxe, a conformação poética, o sabor, a atmosfera - não há talvez nada "tão Brasil em nossos cantores como esse longo e sustentado poema, que é também um poema do homem e do mundo primitivo, geral, anterior 'as divisões politicas, na fro nteira do Sem-fim. Do ponto de vista nacional, apraz-me colocar a poesia de Raul Bopp ao lado de seu antecessor mais ilustre: Gonçalves Dias." 

Talvez escape as novas gerações o tamanho da obra e a verdadeira odisseia de Raul Bopp, acostumados com as facilidades da vida atual, transporte fácil, informações sobre tudo e todos sem ter que sair de casa realmente fica difícil colocar-se no lugar do poeta que , ambientado na década de 20 do século passado, sem estradas, sem aviões  percorrer as distancias que realizou, com fome de Brasil. Hoje é comum que qualquer menina ou menino, até de uma pequena cidade desejar conhecer outros lugares pelo mundo. Não conhecem direito nem sua cidade porém desejam conhecer o mundo.

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Raul Bopp nasceu no Rio Grande do Sul, em Santa Maria, logo sua família muda-se para Tupanciretã. Em 1918 começa o curso de direito em Porto Alegre, o terceiro ano em Recife, o quarto em Belém, e finaliza no Rio de Janeiro . Foi um gaúcho descendente de alemães que trouxe a Amazônia para a poesia brasileira. Mas existe gente, e não são poucos, que cultuam a Amazônia e sua cultura, que não leram Cobra Norato. 

O poeta, assim era chamado, foi o único que fez, a seu tempo, o reconhecimento do papel de Tarsila do Amaral no movimento modernista.  Na ultima frase de Cobra Norato está o convite para "Tarsila Tatizinha" para o casamento. "A madrinha do Movimento Antropofágico foi Tarsila. Tarsila, na sua simplicidade, semeava ideias. Queria um retorno ao Brasil, na sua ternura primitiva" assinalou em "Movimentos Modernistas no Brasil-- 1922-1928".  Se Cobra Norato é o poema que representa o Movimento Modernista Abaporu
é seu estandarte pictórico. Se somente estas obras tivessem nos sido legadas já seria suficiente para demonstrar o êxito do  movimento.

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A mais séria e terrível questão no oficio do poeta é seu trato e sua relação com as musas. Pode conduzi-lo a gloria do reconhecimento ou o gélido naufrágio.

Oscar Niemeyer, nosso arquiteto maior, escultor de grandes obras, teve suas musas, e delas e suas curvas construiu verdadeiras obras primas. Dizia ele: " Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas de meu país, no curso sinuoso de seus rios, nas ondas do mar, nas nuvens no céu no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o Universo-- o Universo curvo de Einstein". Porém não nomeou nenhuma de suas obras com o nome de uma delas. O Edifício Niemeyer em Belo Horizonte, é totalmente com curvas, lascivas, sensuais. Nos apartamentos ele aboliu o ângulo reto. Alguém por acaso já viu uma mulher com ângulo reto?
Nos idos tempos da década de 90 do século passado frequentei o mercadinho São José em laranjeiras, no botequim rezava a lenda que a proprietária,  Ligia, foi a musa inspiradora de Jobim  em sua famosa musica. Eis que um dia, Jobim e alguns amigos entra e senta-se num outro boteco dali. Ligia esguiava-se pelas mesas exalando felicidade. Passa-se o tempo o poeta e seus amigos vão embora, não sem antes degustarem uma mesa cheia de copos de chope. Observava eu curioso e  ele passa em direção a porta e saiu. Penso que na sua generosidade , fosse ali provocado, não desapontaria a musa  real ou imaginária. E isso importa?

Bem, afortunados foram ele e Vinicius na década de 60. Nessa época toda menina, de 8 a 80 anos, não andava, desfilava em Ipanema. A atenção do poeta fora para elas, assim achavam. Não conseguiram manter o sigilo da musa inspiradora por muito tempo, tal o furor que provocaram. Em meados de 60 Vinicius enfim revelou a identidade da musa. Mas a contestação de outras continua até hoje. Sabe-se lá a que estafantes suplícios sofreu o poeta para assim proceder.

Mario Quintana, outro grande poeta gaúcho, foi um caso raro, único, no trato com as musas. Elas não fizeram parte de sua poesia, que se ocupava das coisas do cotidiano, com humor fino. Percebia nos pequenos detalhes das pessoas e da vida , coisas que só um grande poeta visualiza.

"Todos esses que estão aí
atravancando meu caminho.
Eles passarão ...
eu passarinho."

Praça da alfandega, Rua da praia era seu habitat. Foi ali em 77, numa feira do livro, comparece ao lançamento do livro de uma poetisa. Pegou seu exemplar   e entrou na fila de autógrafos. Ali se conheceram e tornaram-se  a musa do muso ou  o muso da musa. Trocaram milhares de cartas, tomavam chá pelo menos uma vez por ano." Sentávamos em bancos de jardim, de tarde, num dia de semana em Porto Alegre. Essas conversas tinham um valor incomensurável para mim. Falávamos de tudo. A vida dele, a minha, as coisas em volta, as pessoas". Um dia confessou-lhe que, em seu quarto de hotel tinha dois pôsteres , da Greta Garbo e o outro dela. O que a deixou muito honrada.  Linda a poesia e a homenagem que  ela lhe fez quando partiu.  A musa, mulher sem defeitos, inteligente, culta ,sensível, talentosa, sensual além de escandalosamente linda: Bruna Lombardi.

Ah que livro saboroso daria estas milhares de cartas trocadas... Se o poeta cometeu poesias para ela, ficou entre eles. 

Não posso deixar de falar de Carlos Drummond de Andrade. amigo e parceiro de Bopp. Em se tratando de musas, sua poesia as ignorou. Tratou, como ninguém da vida nas cidades, da solidão, das pessoas , relações humanas, com humor e sarcasmo. Verdadeiro mestre das palavras e da linguagem.
Fez uma  com menção as musas: " Brinde no banquete das musas"  integrante da seleção publicada em Fazendeiro do Ar em 54.

Dele reproduzo o ultimo verso, que expressa a visão do poeta.
" Azul, em chama, o telúrio
reintegra a essência do poeta,
e o que é perdido se salva…
Poesia, morte secreta."
Nada de Eros, Tânatos.

Chico Buarque que canta e encanta as mulheres, tem uma legião de nomes delas em sua vasta e longeva obra. Chico é o Eurípedes que deu certo. Até suas medeias são bem vistas pelo publico feminino, vide " atrás da porta" . Já Eurípedes certa feita foi execrado pelas mulheres de Atenas. Aristófanes declarou-o inimigo das mulheres. Teve que Sófocles defender o poeta. Chico diz que os nomes de mulheres em suas musicas nada tem a ver com pessoas reais, fruto somente de sua verve poética. Perfeito. Uma mentira oportuna e fundamental. Afinal o trato do poeta e sua musa diz respeito aos dois e a mais ninguém. Que coisa mais feia essa de ver a arte como se olha pelo buraco da fechadura.

Já Bopp começou bem no trato com a musa, sua filha da rainha Luzia ,objetivo do herói  que com ela queria se casar em Cobra Norato, é uma musa por ele imortalizada. Até as comedidas e respeitosas referencias a Tarsila foram feitas no tom certo. Até que surge Patrícia Galvão.  Cinzela-a como Pagú, num poema lascivo e apaixonado. Esses moços... Verdi já tinha advertido: "La donna e mobile". Não teve a sorte de Garibaldi com uma musa do mesmo quilate. Aproximando-se de barco da Republica Juliana avistou-a pelo binoculo, encantou-se, ao aterrar, encontrou-a, e foi correspondido . Garibaldi e Anita, correram perigo em dois mundos, sempre juntos desde então. As musas são imortais e triste a sina do poeta que não canta seus ais. Soçobra nas pedras do esquecimento. Uma dor não cantada ,não é espiada, atravessa o tempo como alma penada. Nem seus colegas de oficio vem em seu auxilio. Geralmente os poetas ao tratarem de outro é para reverencia-lo ou traze-lo como companheiro de jornada em seus feitos. Dante invoca Virgílio e  vão ao inferno a procura de luz.

Coco de Pagú sofre criticas e muitos que o fazem o consideram um poema menor. Adeptos da objetividade poética, idiotas para Nelson Rodrigues, não valorizam o essencial: o sentimento.  

De onde surge  e qual é a gênese da ideia que gestou a semana de arte moderna de 22 ?   Em 1917  desembarca no Brasil DARIUS MILHAUD como adido cultural de uma missão francesa." Fascinou-se pelas formas tropicais. Em horas vagas, fazia excursões, com Claudel, pelas Paineiras, Tijuca, imediações do Largo do Boticário e pelo Jardim Botânico. Encheu os quintais da embaixada, à rua Paissandu, com folhagens de plantas exóticas. Amigos lhe arranjaram uma coleção de araras e tucanos. Nas suas relações com gente jovem e de instinto boêmio, contagiou-se com músicas de carnaval, que desciam dos morros, em ritmos novos, num cerrado de contraponto de tambores. Frequentemente, Claudel e Milhaud iam à casa dos Betim Paes Leme, onde passavam restos de tarde. Dona Isar, com uma apurada sensibilidade musical, trazia em revistas sambas e outros fra gmentos de Ernesto Nazareth e Tupinambá. A casa dos Paes Leme oferecia um ambiente delicioso para essas duas personalidades. Estavam aprendendo lições de Brasil..."  "Quando Milhaud voltou à Europa, levou consigo a tônica da nossa música. O ritmo do samba, em novas estilizações, estendeu-se pela sua obra. (Publicou os Souvenirs du Brésil e Notes sans musique.) A marchinha Boi no telhado transformou-se no famoso Le boeuf sur le toît. Mais tarde, virou boate que, por uns tempos, foi em Paris ponto de reunião de elementos de vanguarda: Apollinaire, Cocteau, Blaise Cendrars, Léger, o próprio Darius Milhaud e outros. As conversas do grupo semearam entusiasmos geográficos. Narrava-se um Brasil imaginário, cheio de paisagens coloridas, como um país de utopia. “A terra é de tal maneira graciosa.” Trenzinhos subindo o Corcovado. Lá em cima, os paredões de rocha viva, com esculturas monolíticas. E a cidade imensa se estendendo, em sínteses geométricas, pela beira do mar. Sambas por toda parte. Essas digressões iam se repetindo, com acréscimos individuais. Espalharam-se por outros grupos. Os próprios brasileiros, que passavam as suas férias em Paris, começaram a gostar desse “Brasil cordial, narrado na sua frescura primitiva".  Estes trechos estão no Movimentos modernistas do Brasil 1922-1928 de Bopp. 

A elite brasileira trouxe de Paris esse "Brasil cordial, narrado na sua frescura primitiva" Isso nos remete a um traço característico essencial de nossas elites- econômicas e culturais-  não possuem uma ideia de País, não tem uma consciência própria de nossas potencialidades  e características. Pensar e ser original no Brasil é proibido. Foi, e é, preciso que uma visão externa positiva sobre nós mesmos  ,a escancare, para aí sim, incorporar como sua  a visão. É comum ainda hoje em pessoas que vão morar fora do Brasil, saem falando mal de nossos problemas e, ao se deparar com a nova realidade, começar dar valor as nossas virtudes muitas vezes pelas opiniões de como os outros nos veem.

Temos um país com uma cultura robusta e diversificada,  que amadureceu e se desenvolveu. Tornou-se complexa, apurou a nossa sensibilidade de viver e sentir.

Muito de que de tem de prestigio internacional vem de nossa cultura. O disco mais vendido do JAZZ  foi Kind of blue de Miles Davis lançado em 1959. Mesmo ano do Chega de Saudade de João Gilberto. A bossa nova revolucionou a nossa musica e a mundial. Miles tinha um fascínio por Hermeto Pascoal. Quando se conheceram Miles convidou-o para lutar boxe. Levou um cruzado no queixo e nem reclamou. Frank Sinatra quando quis falar com Jobim teve que ligar para o Veloso. 

No entanto algo nos segura." Servidão voluntaria", como disse Eduardo Prado,  "complexo de vira latas" de Nelson Rodrigues, "sucesso  no Brasil é uma ofensa pessoal" como reclamou Jobim. São três formas que expressam o mesmo conteúdo: não podemos dar certo, somos inferiores, não temos o direito de sermos originais. Sem erradicarmos essa praga continuaremos deitados em berço esplendido. Livremo-nos dessa maldição.

Um mal estar generalizado percorre o país. A sensação de mais do mesmo. Eterno trabalho de Sísifo. Que se abalem essas estruturas rotas e carcomidas. Temos que ser, e podemos, já demonstramos, originais. Chega de genéricos quero patentes. Que o espirito rejuvenescedor de "Aguas de Março" ´{o maior poema brasileiro a meu juízo] nos inspire. Enjoei de antropofagia. Hans Staden que se lasque. Mudemos de cardápio: Feijoada completa para todos.

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