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Inez Lemos

Psicanalista e autora de "Berro de Maria", ed. Quixote.

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O preço da xenofobia

"Donald Trump cumpre a profecia metaforizada no filme ao deportar os imigrantes que vivem de forma ilegal nos Estados Unidos"

Donald Trump (Foto: Carlos Barria / Reuters)

O filme "Um dia sem os mexicanos", do diretor Sergio Arau, lançado em 2005, retrata o caos instalado na Califórnia quando, de repente, todos os mexicanos que fazem os serviços sujos, pesados e desqualificados, desaparecem. Os serviçais chicanos, pobres que eram humilhados, após um tempo, acabaram sendo reconhecidos, valorizados - artigo de luxo. 

Donald Trump cumpre a profecia metaforizada no filme ao deportar os imigrantes que vivem de forma ilegal nos Estados Unidos. Sabemos que a maioria da mão de obra explorada pelos estadunidenses são mexicanos, latino-americanos - como os brasileiros que aqui desembarcaram algemados e marcados por agressões. Além de expor aspectos graves de violação dos direitos humanos, a postura de Trump revela os rumos de parte do mundo que está optando pelo modelo nazi/fascista - impondo tratamento degradante aos imigrantes, tratando a todos como criminosos e delinquentes. 

O filme antecipa a crise que se instalará quando as cidades se verem sem seus prestimosos empregados. Sem eles, os "fazem de tudo", a roda não gira - a população branca e bem nascida não sabe viver sem seus súditos. Quem vai lavar os banheiros?

A lógica da xenofobia é a mesma do carrasco que dissemina a ideia de culpa sem perdão, excluir sem investigar as condições do imigrante, uma vez que competência depende de oportunidades. Deportar, excluir, exterminar - tirar do pecador sua condição de humano. Deve haver outras formas de lidar com os desterritorializados - que tal criar estratégias de absorção da mão de obra ampliando, também, a demanda por consumo? O país que resolve as questões sociais absolutizando a violência, o ódio ao diferente revela fragilidade do ideário de nação. 

Um presidente que nega suas origens de imigrante, quando em 1826, entre os expulsos das Terras Altas da Escócia, encontravam-se os ancestrais de Mary Anne MacLeod, mãe de Trump que, em 1930, aos 18 anos, emigrou com as irmãs para os Estados Unidos onde trabalhou como babá.

O Brasil não pode seguir a lógica dos extremistas que julgam possível viver em um mundo controlado pela supremacia branca, gente racista, homofóbica - cultuando aporofobia, capacitismo. Um mundo dos eleitos por Deus, nada mais anti-iluminista. 

Implicar-se no papel de República é construir saídas às questões sociais envolvendo todos, não apenas os mais afortunados. É mais fácil exterminar que educar, integrar. A lógica neoliberal segue as pegadas do neonazismo; não gastar recursos públicos com pobre, negro, homossexuais - gentalha de preguiçosos, delinquentes, drogaditos. Não interessa resgatar o marginal, tratar o doente, mas extirpar o desamparado. 

Promover a inclusão do imigrante significa debruçar-se sobre a condição humana, a história  e a psicanálise. Significa interessar-se pelo nascimento da tragédia, pela parte maldita, pelo real. 

Georges Bataille em "A parte maldita", aponta duas vertentes na sociedade e suas instituições. Uma, homogênea,  produtiva. Outra, heterogênea (o sagrado, a pulsão, a loucura, o crime, o improdutivo, os excrementos e as obscenidades), tudo o que é impossível de ser simbolizado, normalizado. Lacan buscou em Bataille o seu conceito de real. O real é o osso duro de roer. Como o próprio Donald Trump. 

Trump reforça a banalidade do mal, diabólica situação em que se justifica o fim do outro em nome de uma razão - discurso que produz o criminoso ou o homem virtuoso.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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