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    Gustavo Roberto Costa

    Promotor de Justiça em São Paulo. Membro fundador do Coletivo por um Ministério Público Transformador – Transforma MP e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD

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    O professor Alysson Mascaro é inocente (ou qual é o verdadeiro compromisso que se tem com a “democracia”?)

    "Já que muitos se acham no direito de julgá-lo, também deve ser dado o direito de defendê-lo"

    (Foto: Bruno Cruz / Agência Pará)

    Já deve ser do conhecimento de muitos que o professor universitário Alysson Leandro Mascaro foi citado em matéria do portal The Intercept Brasilpor ter eventualmente praticado “assédio e abuso sexual” contra ex-alunos das faculdades de direito em que lecionou “de 2006 a 2024”. Consta da matéria que o professor teria praticado “condutas inadequadas, beijos e até estupro” contra os alunos supostamente ouvidos pelos jornalistas.

    As“vítimas” (todas do sexo masculino) ouvidasafirmam que o professor costumava prometer apoio profissional, destacando sempre um “poder de influência” que teria, para o fim de intimidá-las. Eram combinados encontros em locais inusitados – como bares, cafés e até no escritório e no apartamento do professor – para que se pudesse conversar sobre projetos de pesquisa.

    O Dr. Alysson então aproximava-se dos estudantes, fazendo insinuações e praticando atos lascivos, como toques, abraços, beijos forçados e até sexo propriamente dito. Também de acordo com a matéria, em outras ocasiões, o professor, durante chamadas de vídeo, determinava que os alunos lhe mostrassem partes íntimas do corpo, causando grande constrangimento. Outros detalhes constam do inteiro teor da reportagem.

    De pronto, a já conhecida chuva de comentários e de postagens na internet começou a cair sobre as cabeças de todos. “Abusador”, “predador”, “criminoso”, “eu já sabia”, “até que enfim”, “solidariedade às vítimas” foram apenas alguns dos comentários feitos nas redes sociais do TheIntercept. Os poucos que se atreveram a defender o professor rapidamente receberam as acusações de sempre: “machista”, “passador de pano”, “defensor de criminoso” etc.

    Comportamento típico de um linchamento virtual, que já se tornou comum – infelizmente.

    No dia seguinte, foi publicada a notícia de abertura de “procedimento apuratório preliminar” pela diretoria da faculdade, para investigar os fatos. O pedido foi feito pelo Centro Acadêmico XI de Agosto e pela Representação Discente da Pós-Graduação. Foi divulgada, também pelas redes sociais, uma foto da entrada da faculdade, com um cartaz contendo os seguintes dizeres: “abusador não é mestre; fora assediadores da USP! Afastamento e investigação”.

    Apesar de enxergar na matéria tão somente um apanhado de fatos inverossímeis, não pretendo adentrar o mérito das “denúncias”. Caberá às autoridades que tiverem acesso às provas (caso existam) apurarem as informações e, se o caso, deliberarem a respeito de suas consequências. Torço para que tenham liberdade para decidir de forma justa, e não com base em pressões de toda sorte.

    O que verdadeiramente choca é o lançamento de mais uma campanha difamatória, vinda de um portal de notícias de origem estrangeira, que relata fatos descritos por pessoas não identificadas (anônimas), sem apresentar provas das alegações. E o que choca ainda mais é notar boa parte dos que se dizem “defensores da democracia”, “progressistas” e sei lá mais o quê fazendo coro (cego, surdo e mudo)com esse tipo de atitude.

    Jogam fora os princípios.

    A Constituição Federal (até onde sei ainda em vigência) garante a qualquer acusado o contraditório e a ampla defesa, em qualquer tipo de processo, administrativo ou judicial (art. 5º, LV). Como garantir tais direitos se as acusações são anônimas? Como proceder a um julgamento (porque é isso que estão fazendo) sem que o acusado possa se defender minimamente das alegações?

    Como proceder a um julgamento antecipado, no já famoso “tribunal da internet”, sem que se tenham apresentado provas das supostas condutas inadequadas? Como pedir “afastamento” do professor se, pelo menos pelo que consta da matéria – a qual foi o fundamento para a instauração do procedimento –, não há indícios mínimos que comprovem os tais “abusos”?

    Como permitir um cancelamento sem direito de defesa e sem contraditório? Sem um inquérito policial, sem processo judicial, sem direito de defesa ou de recurso? Como pode? Quem pode apoiar isso?

    Talvez fosse bom lembrar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII, CF). Assim, os adjetivos atribuídos ao professor (criminoso, abusador, predador etc.) são totalmente incabíveis, ao menos até o momento. Ainda não há sentença – muito menos com trânsito em julgado –, seja penal, seja de outra natureza, que tenha reconhecido conduta ilegal da sua parte.

    Fácil concluir que se trata de um inocente.

    Ademais, pelo que me lembro das aulas de direito constitucional, “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LII). Por acaso, o “tribunal da internet” pode ser considerado uma autoridade competente para processar e julgar alguém? O cancelamento é uma pena prevista no ordenamento jurídico?

    Para se destruir a reputação e a carreira de alguém deveria haver critérios mais rígidos. Não que se espere esse tipo de cuidado da turba ensandecida, da farândola ignóbil, dos desprovidos de qualquer sinal de senso crítico. Mas de juristas e de estudantes de direito – notadamente daqueles que se consideram “democratas” – sim.

    É uma atitude inaceitável.

    Afinal, é para isso que estão “defendendo a democracia”? É para isso que querem “combater o extremismo”? É para isso que querem colocar os “golpistas” na cadeia? Qual seu conceito de democracia? Democracia sem direitos democráticos? Como podem se arvorar nessa condição se são os primeiros que agem como se no país não houvesse constituição?

    De que democracia estão falando?

    Será que não lhes passa pela cabeça a mera possibilidade de se tratar de uma campanha para perseguir o pensamento crítico nacional? Consideram que as forças conservadoras e reacionárias não teriam essa capacidade? As grandes empresas que dominam o funcionamento das redes sociais não poderiam fazê-lo com relativa facilidade?

    Se o professor cometeu os abusos não posso dizer. Sequer o conheço pessoalmente. Espero que tenha os meios necessários para apresentar sua versão dos fatos e prová-la.

    Já que muitos se acham no direito de julgá-lo, também deve ser dado o direito de defendê-lo (ainda que sem procuração).E no “tribunal da internet”, ao menos por ora, a decisão deve ser absolutória, por absoluta falta de provas.

    Ou rasgue-se a constituição de uma vez e instaure-se o vale-tudo.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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