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Alastair Crooke

Ex-diplomata britânico, fundador e diretor do Conflicts Forum.

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O Projeto Trump está se desfazendo?

Confiança é tudo. E esse "capital" está sendo rapidamente erodido

Presidente dos EUA, Donald Trump, no Capitólio, em Washington - 20/05/2025 (Foto: REUTERS/Ken Cedeno)

Publicado originalmente por Strategic-Culture em 17 de junho de 2025

A queda entre Musk e Trump (pelo menos por ora) tem um ar claramente de "feito para a televisão". Mas não se deixe enganar pelo entretenimento. A disputa ilustra uma contradição fundamental no coração da coalizão MAGA. É bem possível que essa contradição venha a explodir em algum momento futuro e pode acabar desencadeando a lenta decadência do Projeto Trump.

Um momento crucial na última eleição nos EUA foi a mudança de lado dos ultra-ricos oligarcas do Vale do Silício, que abandonaram os democratas para apoiar Trump. Isso trouxe tanto dinheiro quanto a reluzente possibilidade de os EUA monopolizarem o armazenamento global de dados, a inteligência artificial e o que Yanis Varoufakis chama de "capital em nuvem" – a suposta capacidade de cobrar taxas pelo acesso ao imenso acervo de dados estadunidenses e às plataformas associadas das Big Techs. Acreditava-se que esse monopólio de dados daria aos EUA o poder de manipular como o mundo pensa – e de definir quais produtos e plataformas seriam vistos como "legais".

A ideia também era que um monopólio sobre data centers poderia ser tão lucrativo quanto o monopólio do dólar como a principal moeda de comércio – o que geraria influxos de capital capazes de compensar a dívida.

No entanto, a combinação explosiva entre os oligarcas da tecnologia e os populistas MAGA reside no fato de que ambas as facções têm visões irreconciliáveis – tanto para lidar com a crise estrutural da dívida estadunidense quanto para o futuro cultural do país.

A visão dos "Tech Bros" é radicalmente autoritária e libertária. Peter Thiel, por exemplo, defende que um pequeno grupo de oligarcas deve governar o império, livre de limitações democráticas; que o futuro deve ser baseado em "tecnologia disruptiva", ser robótico e impulsionado por IA; e que a população deve ser rigidamente "controlada" por meio da inteligência artificial.

Já a visão da Equipe Econômica de Trump é bem diferente: o objetivo primordial de Trump – ao qual a geopolítica está subordinada – é fortalecer o dólar como a principal moeda de comércio mundial. Esse objetivo, porém, só pode ser sustentado se a insustentável dívida dos EUA for enfrentada.

Essa dívida reflete o desequilíbrio que se acumulou desde 1970, quando a balança comercial dos EUA entrou em déficit. Por um lado, os EUA facilitaram uma esfera exagerada de endividamento global em dólares, permitindo gastos excessivos no mundo todo. Por outro, essa enorme pirâmide invertida de dívida repousa sobre uma base produtiva estadunidense pequena e encolhendo.

Em outras palavras, embora os EUA tenham se beneficiado enormemente desses influxos de capital, não podem mais esperar crescer para sair da própria armadilha de dívida que criaram.

A equipe de Trump propõe resolver esse desequilíbrio desvalorizando o dólar (talvez em até 30%), cortando impostos corporativos (para trazer de volta a manufatura para os EUA) e, assim, reduzindo gradualmente a nuvem de dívida em dólar offshore em relação à capacidade produtiva estadunidense.

Para ser claro: isso não resolve o problema da dívida – apenas ganha tempo.

A estratégia de "choque e pavor" com tarifas foi planejada para assustar o mundo a aceitar acordos ruins que se encaixassem nesse esquema. A pressão dos EUA por gasto militar maior na OTAN também segue a mesma lógica de "melhores práticas de falência" para reestruturar credores existentes.

Até agora, isso não funcionou como planejado, em grande parte devido à resistência chinesa. Como resultado, o mercado de títulos estadunidenses (mercado de dívida) permanece em ponto de bala, com cada leilão sendo um suspense.

Simplificando: a base populista MAGA exige um retorno a uma economia humana real e empregos bem remunerados, enquanto os Tech Bros defendem um futuro distópico de tecnologia disruptiva, robótica e IA. Essas visões são completamente opostas.

Saber desse contexto pode explicar por que Steve Bannon (aliado dos populistas MAGA) é visceralmente contra Elon Musk, chamando-o de apóstata, "imigrante ilegal" e exigindo a sua deportação.

A questão é: como visões tão contraditórias se uniram em uma única coalizão?

Bem, primeiro, Trump foi obrigado a fazer um acordo para ser eleito. Ele teve que negociar com o "circo do dinheiro" dos EUA (os ultra-ricos), não apenas sobre como salvar a economia dos EUA, mas também para alinhar isso com os mandachuvas do Establishment profundo, que controlam grande parte da "vida" política estadunidense.

Esses mandachuvas servem como "deuses" protegendo uma arquitetura de segurança "sagrada": o apoio incondicional e bipartidário dos EUA a Israel e a antiga fobia visceral contra a Rússia. No entanto, eles também têm profundas preocupações com a segurança da fortaleza financeira estadunidense – resumida na máxima: "a China não pode vencer a guerra pelo futuro das finanças globais".

Então, o que uniu partes tão díspares?

Em um novo livro, The Haves and the Have-Yachts, Evan Osnos descreve como um homem, Lee Hanley, moldou significativamente a política da direita estadunidense nas últimas décadas. Steve Bannon, o arquiteto original da plataforma MAGA de Trump, chamou Hanley de um dos "heróis desconhecidos" da história dos EUA. "Ele tinha um amor real pelos 'hobbits', os 'deploráveis'", disse Bannon, "e colocou o seu dinheiro onde estava a sua boca".

Wessie du Toit escreve que Hanley era um dos super-ricos. Ele cita Osnos, que explica que os super-ricos estadunidenses não estão unidos em uma única facção. Eles estão divididos: a Forbes relatou, na véspera das eleições de 2024, que Kamala Harris tinha mais doadores bilionários do que Trump (83 contra 52), mas "mais de dois terços (70%) das contribuições de famílias bilionárias foram para candidatos republicanos e causas conservadoras". A Forbes também revela que os gastos políticos dos bilionários hoje são 160 vezes maiores que em 2010.

O que está acontecendo? Du Toit cita Osnos explicando como Hanley "previu de forma assustadora a estratégia eleitoral de Trump", reunindo "uma coalizão de elites conservadoras e a classe trabalhadora branca". Em resumo, membros da elite estadunidense aceitaram o trumpismo como o preço a ser pago para manter o seu poder.

"Após a derrota de Mitt Romney em 2012, Hanley encomendou uma pesquisa para entender o clima nos EUA. Ele foi informado de que 'o nível de insatisfação no país estava além de qualquer medida'. Hanley ficou convencido de que Trump era o único político capaz de canalizar essa energia em uma direção favorável e começou a converter outros doadores ricos para a causa. Foi um investimento astuto. Mesmo enquanto Trump expressava a raiva dos 'hobbits' de Bannon, a sua presidência trouxe imensas recompensas materiais [a esses oligarcas ricos]".

"Trump é uma criatura do mundo do dinheiro e, especificamente, de um período do pensamento estadunidense sobre ganância, justiça, liberdade e dominação". Essa foi a "outra revolução", diferente da dos populistas MAGA, aponta Osnos.

Ao longo dos anos, "uma parte da elite estadunidense rejeitou cada vez mais as restrições à sua capacidade de acumular riqueza, negando a noção de que os seus grandes recursos implicam qualquer responsabilidade especial para com os seus concidadãos. Eles abraçaram um ethos libertário radical que os vê simplesmente como indivíduos privados, responsáveis por seu próprio destino e com o direito a desfrutar das suas riquezas – como bem entenderem".

Isso nos leva ao enigma trumpiano que Osnos apresenta no início de seu livro: "Entender por que um eleitor pode detestar 'a elite' e [ainda assim] reverenciar o bilionário herdeiro de uma fortuna imobiliária de Nova York". Osnos pode estar certo ao responder que o "nível de insatisfação" encontrado por Hanley em 2012 forçou as elites a abraçar formas imprevisíveis de populismo para manter a sua riqueza e oligarquias.

O problema aqui é óbvio: os valores dos revolucionários populistas são opostos aos dos apoiadores capitalistas de risco de Trump – como Peter Thiel, David Sachs, Elon Musk ou Marc Andreessen.

Como isso pode ser resolvido? O temor do MAGA é que os oligarcas do Vale do Silício possam se realinhar com os democratas antes das eleições legislativas de meio de mandato. Ou até que Musk lance um Terceiro Partido centrista (ideia que ele já sugeriu nas redes sociais).

O que torna essas contradições potencialmente explosivas é que nenhum dos principais pilares da política externa de Trump – lidar com a China, normalizar as relações entre Irã e Oriente Médio com Israel e estabelecer uma relação com a Rússia – está progredindo como planejado. E Trump precisa de acordos rápidos sobre tarifas, porque a dívida e a situação fiscal dos EUA exigem isso.

Esses grandes acordos geopolíticos foram baseados na suposição de que os EUA teriam a dominância negociadora (segurando os "ases"). Mas os eventos mostraram que Trump não tem as cartas mais fortes. A China continua "muito difícil de lidar", e o Irã e a Rússia também.

Na verdade, os ases estão não tanto com Trump, mas com o Senado dos EUA, que pode condicionar a aprovação do Big Beautiful Bill de Trump às exigências da maioria dos senadores, que parecem favorecer a escalada contra a Rússia e "nenhum enriquecimento" para o Irã.

A ideia da equipe de Trump de que o ataque aos sistemas de dissuasão nuclear da Rússia pressionaria Putin a aceitar um cessar-fogo nos termos dos EUA saiu pela culatra.

Apesar de suas (pouco convincentes) alegações de que não sabia do ataque ucraniano aos bombardeiros estratégicos russos, a Rússia leva a situação muito a sério: Larry Johnson relatou de Moscou que o general aposentado Evgeny Buzhinsky (que serviu na Diretoria Principal de Cooperação Militar Internacional do Ministério da Defesa russo) lhe disse que "Putin estava furioso". O general ainda alertou que esse momento foi o mais próximo que os EUA e a Rússia chegaram de uma guerra nuclear desde a crise dos mísseis cubanos.

Em Moscou, esse episódio levantou a questão: será que o verdadeiro objetivo de Trump, o tempo todo, foi pressionar Putin a aceitar um cessar-fogo que o enfraqueceria politicamente, além de prender a Rússia em um conflito interminável com a Ucrânia – um cenário que permitiria a Trump se voltar diretamente contra a China (um objetivo que remonta a 2016 e que seria apoiado por todos os centros de poder dos EUA)?

Primeiro, Trump deve ter calculado que o Senado e o Estado profundo seriam fortemente contra qualquer transformação real nas relações com a Rússia – uma mudança que fortaleceria o Estado russo. Segundo (e mais revelador), Trump não fez nada para emitir uma nova Presidential Policy Finding revogando a autorização do governo Biden para a CIA buscar a derrota estratégica da Rússia. Por que não? Onde estão os passos graduais de Trump para a normalização das relações?

Não sabemos.

Mas o erro de cálculo da sua equipe sobre o temperamento russo só fortaleceu a determinação da Rússia (e de muitos outros) em resistir às tentativas de Washington de impor resultados contrários aos seus interesses. A estratégia de Trump de manter o dólar como a principal moeda de comércio no mundo, no entanto, depende da confiança que os outros têm nos EUA.

Confiança é tudo.

E esse "capital" está sendo rapidamente erodido.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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