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Fernando Horta

Fernando Horta é historiador

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O que aconteceu?

"Estamos sendo irresponsáveis ao oferecer análises simplistas para fenômenos distintos, contraintuitivos e extremamente importantes", diz Horta

(Foto: ABR)
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É inquestionável a decepção de todo o Brasil com o resultado das urnas. Do lado da direita, Bolsonaro afirmou o tempo todo (sem nenhuma evidência) que venceria no primeiro turno com mais de “60%” dos votos. Pelo lado da esquerda, havia uma confiança nas mais de 760 pesquisas para presidente, realizadas esse ano e depositadas no TSE. Em mais de 96% delas, Bolsonaro estava com menos de 37%.

Ao contrário do que se diz por aí, a decepção da esquerda não é com um segundo turno. A vitória no primeiro turno era possível e apontada como apenas “possível” nos cenários das pesquisas. A decepção da esquerda é com os seis, sete ou oito pontos percentuais de erro que as pesquisas eleitorais produziram quando avaliando o eleitorado de direita. Erro sim, e erro grave. Tenho visto gente afirmando que “as pesquisas acertaram com Lula” como se uma pesquisa pudesse ser desmembrada e julgada em partes. “Acertou para esse e errou para aquele, tá na média”. Não é assim que funciona.

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Por parte da esquerda há quatro fenômenos distintos que estão sendo mal analisados e para os quais já tem gente passando um pano perigoso. Em primeiro lugar, há o reconhecimento da invisibilidade de quase 20% do eleitorado de Bolsonaro antes a imensa maioria das pesquisas. Isso não é pouca coisa não. Compreender o porquê desse fenômeno é essencial para o andamento da própria campanha.

Ocorre que existem mais três fenômenos assolando e inquietando o campo progressista. Novamente tivemos o fenômeno dos candidatos fantasma que se materializam na última hora. Em 2018, Dilma, Suplicy e mesmo Olívio Dutra eram considerados pelas pesquisas como favoritos ao senado. Abertas as urnas e candidatos que estavam em terceiro ou quarto lugar apareceram como vencedores. Ocorreu novamente. O astronauta Marcos Pontes (em São Paulo), literalmente caiu de paraquedas e Hamilton Mourão – fazendo campanha nos quartéis – é outro exemplo. Apenas candidatos de extrema direita gozam deste “milagre” repentino. 

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Um terceiro ponto é a inconsistência de apoios no interior de São Paulo. Sabe-se que o interior paulista é historicamente conservador, mas esperava-se que civilizado. A guinada de votos do liberalismo conservador do PSDB para o fascismo aberrante de Bolsonaro não foi captada pelos institutos de pesquisa e tampouco esteve dentro dos quadros de ação política, uma vez que Alckmin pessoalmente movimentou essas engrenagens e, até onde se sabe, obteve compromissos de apoio.

O que, de forma irresponsável pode ser visto com um mesmo “problema”, são fenômenos diferentes e precisam ser analisados de forma separada. A invisibilidade de eleitores de Jair, os “gênios da garrafa” da extrema direita para o legislativo e a falta de consistência dos pactos políticos engendrados em alguns locais no Brasil. Análise não é achismo. Não se pode colocar em prática o que eu chamo de “teoria da sinuca” e ir “encaçapando” percentuais de voto para lá e para cá para fechar uma conta de padeiro. Tenho lido “análises” dizendo assim: “saíram 2% de Ciro e mais 2 de Tebet e foram para o Bolsonaro”, e essa afirmação é tão irresponsável quanto temerária do ponto de vista político e também metodológico.

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Contudo, o fenômeno que mais nos atordoa é o fato de que em 22 dos 27 estados brasileiros Bolsonaro teve um aumento de votos em relação a 2018. Esse é um outro fenômeno que não foi captado pelos institutos de pesquisa eleitoral, pelos jornalistas e analistas em cada estado, pelas pesquisas sociológicas e antropológicas feitas por universidades sérias e mesmo pelo sentido do cidadão comum. Havia um consenso no arrefecimento da selvageria fascista no Brasil. Essa percepção não tinha apenas uma fonte (como as pesquisas), mas era também partilhada por artistas que viam no país todo os gritos de “fora Bolsonaro” replicarem-se em seus shows. O símbolo-síntese dessa percepção era o RJ. Marcelo Freixo era a cara da civilidade contra a corrupção tosca e dissimulada de Cláudio Castro.

Denunciado por corrupção e correndo o risco de sequer ser diplomado antes de ser preso, Castro foi reeleito com mais de 58% dos votos.

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E para deixar você completamente desconcertado, os cinco estado em que Bolsonaro perdeu votos são RJ, SP, MG, DF e RS. Ou seja, se você não está se sentindo perdido é porque não entendeu a incoerência de todos esses dados.

Daí que me sinto envergonhado em ver colegas fazendo malabarismos para explicar essa realidade. Dando tacadas de percentuais eleitorais para cá e para lá, mudados em menos de 48 horas, como se fosse só uma questão de realocar ovos numa cesta. Também me preocupo com as explicações estruturais do “poder do capital”, “do controle da grande mídia” ou dos famosos “disparos em massa pelo zap”. Nenhuma dessas hipóteses se sustenta a uma verificação mais cuidada. Estamos desconcertados e sendo irresponsáveis ao oferecer análises simplistas e simplórias para fenômenos distintos, contraintuitivos e extremamente importantes.

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As pesquisas davam um total de mais de 15 milhões de votos de diferença entre Lula e Bolsonaro. Se “elas erraram muito pouco” e toda a modificação se deu pelos “disparos em massa no zap”, “patrocinados pelo grande capital” e com a anuência dos “conglomerados de mídia” a partir da “guerra híbrida” eu espero que eles não tenham a ideia de usar essa mesma arma mágica outra vez. Isso porque se você realmente acredita que eles viraram 9 milhões de votos em 48 horas (a diferença real foi de 6,1 milhões) talvez o cenário para o segundo turno seja ainda mais desesperador.

Neste momento é preciso separar o esforço político de “pensar positivo” e energizar a luta, do esforço acadêmico de compreender a realidade. O que aconteceu não foi banal, não foi pequeno, não foi simples de ser explicado e nem estava “no radar” das “grandes pesquisas” e dos “grandes analistas”. Quem diz isto está, no mínimo, sendo imprudente.

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Tem caroço nesse angu.

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