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Roberto Bueno

Professor universitário, doutor em Filosofia do Direito (UFPR) e mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC)

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O que é o fascismo?

Para além dos modelos clássicos do fascismo, o italiano e o alemão, devemos ter em perspectiva a possibilidade de novas formulações, e o que é ainda menos perceptível para tantos é a atualidade da leitura de Walter Laqueur de que “The historical record shows that fascism (like terrorism) could succeed only in a liberal democratic system”

O que é o fascismo? (Foto: YANNIS BEHRAKIS)
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Os sistemas políticos formalmente idênticos não são iguais, e nos diversos momentos históricos eles encontram formas de aparição que preservam os seus elementos essenciais, e tratam de encontrar elementos específicos eficientes para mascarar a sua pior face. Assim a audiência se distrai e as velhas formas de dominação e subjugação do humano expandem seus espaços, uma e outra vez mais, para afirmar a sua condição. Para além dos modelos clássicos do fascismo, o italiano e o alemão, devemos ter em perspectiva a possibilidade de novas formulações, e o que é ainda menos perceptível para tantos é a atualidade da leitura de Walter Laqueur de que “The historical record shows that fascism (like terrorism) could succeed only in a liberal democratic system”.

O fascismo do primeiro quarto do século XIX era político-étnico-redentor, enquanto o de hoje, eminentemente econômico-relativista, mas o seu processo de radicalização o conduz ao indiferentismo relativamente ao indivíduo. O programa fascista mussoliano publicado em 6 de junho de 1919 defendia a guerra revolucionária, e isto hoje, a retórica fascista repele no plano das relações internas de cada Estado mas, paradoxalmente, não apenas permite como estimula o massacre humano sob circunstâncias de desarme e a insistência no valor da paz social. Esta lógica está permeada pela eliminação da percepção do trabalhador enquanto classe, posicionados sob o signo do discurso único e sem margem para o dissenso. O fascismo é, portanto, como diz Roger Griffin, um “[…] antimovimiento: antimarxista, antiliberal, anticultura, antiprogreso, y, por tanto, antimoderno”.

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O fascismo de Benito Mussolini não alcançou o poder sem que tivesse um forte e decidido apoio das elites da época, mas que tampouco teria sido suficiente não fosse também contar com o apoio ou a mera omissão de importantes segmentos da população como diz Robert Paxton, e é mesmo apenas sob tal condição que o fascismo pode prosperar. Sobre as condições para a prosperidade do fascismo Paxton é claro: “Os acessos do fascismo no poder exigiam também uma ampla cumplicidade entre os membros do establishment: magistrados, policiais, oficiais do exército, homens de negócios”. Definitivamente, o triunfo do fascismo revelou quão indispensável foi a aquiescência ou a omissão de um conjunto de homens e mulheres que, logo, pagam com o seu próprio sangue pela escolha feita.

Nestes cenários a omissão é tão responsável pelo recrudescimento das forças do fascismo quanto aquelas que positivamente se empenham em seu favor. Neste sentido Paxton reforça que as “[…] autoridades religiosas e civis e a oposição civil não agiram de modo a pôr freio a Hitler […]”, e esta inércia em face do avanço da barbárie em suas diversas formas de aparição histórica terminam por comprometer extensamente as vias do futuro. O tempo histórico para frear o mal precisa ser antecipado razoavelmente em conexão com a disposição firme para o agir, sobretudo quando a curva se aproxima perigosamente e o tempo da frenagem demanda rapidez de reflexos. Isto não foi o que ocorreu na Alemanha, e quando já corria o ano de 1938 círculos de homens bárbaros, em face da acomodação geral, foram se sentindo progressivamente mais à vontade para planejar e executar o genocídio sem precedentes, mesmo nas circunstâncias sociais e políticas de um país que pode ser reconhecido como sofisticado e civilizado. O grave equívoco em que incorrem diferentes povos é o de supor que qualquer nível civilizatório não é suscetível de regressão, de que os estágios civilizatórios podem ser concebidos como estabilizados, hipostasiados, quando, em realidade, a manutenção e sofisticação dos níveis civilizatórios dos povos requer constante atenção e intervenção por parte dos povos, sem o qual, simplesmente, não será mantido e se perderá.

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O capital enfronhou-se intimamente com o processo de consolidação do fascismo na Europa da primeira metade do século XX. À raiz deste processo Michael Mann comenta que os industriais italianos teriam entrado em pânico quando os trabalhadores demonstraram sua força ocupando fábricas em 1920, o que prenunciava um cenário de capacidade de demandar melhorias econômicas em seu favor. O fascismo se constituiu historicamente como resposta direta ao avanço da cultura política socialista. Quando o capital sentiu a correlação de forças ligeiramente em seu desfavor, malgrado o aparato de Estado sempre operante em seu apoio, então, saltou à cena a possibilidade de financiar grupos capazes de empregar a violência, instante em que o fascismo apresentou-se como alternativa. A ameaça ao sistema, à propriedade ou ao nível de lucratividade sempre foi estímulo suficiente para que o capital reagisse unido aos atores políticos capazes de empreender quaisquer variantes da violência, da bruta à simbólica, sob o suposto fim de garantir a ordem e a segurança, quando o que virtualmente está na mira é a instituição de uma harmonia autoritária.

Ontem no caso italiano foi a pressa pelo armamentismo e implementação de políticas modernizadoras perpassadas, enquanto no caso alemão era evidente o viés redentor-racial operando em sintonia com a implementação da barbárie. O fascismo contemporâneo também tem pressa, mas de outro tipo, a saber, por implementar políticas econômicas financistas, mas que igualmente desconsideram de forma absoluta homens e mulheres e, nesta medida, patrocinam o sofrimento humano. Contudo, este movimento não pode ser realizado a seco, senão que requer um importante movimento de obscurecimento das reais tensões que a modernidade e a técnica trazem consigo. É preciso disseminar e persuadir a sociedade de que inexistem classes e, portanto, a possibilidade de luta entre elas já é elemento da história. Assim, já não subsistiriam ideologias conflitantes, mas tão somente uma única, alimentada pelo financismo, que segue sua caminhada de braços dados com as práticas fascistas, cuja preocupação central é a produção e concentração da riqueza.

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Hoje a lama verborrágica corrosiva do fascismo se espalha e surte efeitos sem que a sua carga explosiva seja perceptível a tantos incautos que em face das contradições e das perversidades do parlamento terminam por embarcar alegremente na virulenta retórica que destila o seu corrosivo veneno. É confirmada a hipótese de Laqueur de que o fascismo age como ácido crítico do parlamento, um lugar inservível em que os debates são inconclusivos e os políticos deixam transparecer não apenas a sua fraqueza como as da própria instituição. É justamente ao neutralizar a política e as suas formas que o fascismo galvaniza o apoio das massas e se fortalece, o que não poderia ocorrer sem a prévia destruição dos meios de organização do trabalhador e do mundo do trabalho e as suas formas de defesa.

Mas se deparamos com um mundo real em que homens e mulheres são destituídos de sua dignidade, uma vez mais, se torna relevante e atual a pergunta de Laqueur sobre o motivo que leva as massas a sentir atração pelo fascismo. Uma das forças de atração popular está no propósito supostamente purificador que o fascismo conteria, e talvez ilustrativo desta capacidade sedutora seja a justificação de um dos muitos indivíduos que buscaram a adesão às tropas de assalto nacional-socialistas (SA/Sturm Abteilung): “Entrei para a SA para apoiar meu líder e a Alemanha na batalha contra o comunismo e o SPD, traidores do povo e da pátria, e para apoiar a erradicação desses parasitas, até o fim, ainda que custe minha vida”. Estava aberta a trilha para a radicalização, espaço em que já não seria possível a superveniência de uma organização política em que a diversidade pudesse encontrar vez, espaço ou voz, senão que a cultura do puro ódio patrocinaria a eliminação dooutro, o comunista, o judeu, os homossexuais, ciganos e outros tantos grupos.

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Malgrado não devamos considerar como universais os motivos que inspiram o fascismo, isto sim, é necessário considerar o contexto histórico de cada uma de suas manifestações. Fenômeno complexo, podemos encontrar uma de suas causas concorrentes nas crises econômicas e em um profundo desencantamento alimentado à época, facilitador para a simpatia com a resposta extremamente fácil que o fascismo oferece, a saber, atalhos resolutivos pautados pela violência, pois como recorda Paxton, “O fascismo não se baseia de forma explícita num sistema filosófico complexo, e sim no sentimento popular sobre as raças superiores, a injustiça de suas condições atuais e seu direito a predominar sobre os povos inferiores”.

Naquela quadra da história a facilidade da resposta fascista à crise englobou a crítica ao parlamento, enquanto hoje o fascismo se apresenta casado a uma versão neoliberal-capitalista, não preservando neste conceito de neoliberalismo operante a típica via protetora dos direitos individuais políticos.[

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[1] O fascismo contemporâneo se constitui em íntimo diálogo com a modernização e o mundo da técnica, não raro utilizando a sua implementação como pretexto para neutralizar políticas públicas típicas das funções básicas de Estado, revelando neste momento a intersecção precisa do neoliberalismo com o fascismo. Para um fascista o punho é sempre a forma de comunicação por antonomásia, e esta é a resposta que os fascistas que se avolumam no cenário político brasileiro começa a apresentar tanto para a esquerda-progressista como para os liberal-conservadores que distraídos andam de braços dados com a teologia político-jurídica tão útil aos objetivos inquisitoriais. Ter ciência dos desdobramentos destas circunstâncias nesta encruzilhada histórica já não basta, pois as consequências da omissão já nos foram apresentadas. A tarefa prioritária e inarredável destes dias é a ação.

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