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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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O que é ser de esquerda hoje?

A superação profunda e radical do capitalismo neoliberal só poderá se dar em uma nova versão do socialismo: o socialismo do século XXI

Che Guevara (Foto: CLODAGH KILCOYNE / REUTERS)

Ser de esquerda já teve conotações diferentes, conforme o período e a situação política nacional e internacional. As noções nasceram na Revolução Francesa, a partir dos lugares que se ocupavam no Congresso. A partir daí, o progressismo, a democracia, as reformas sociais e a defesa dos direitos das pessoas passaram a caracterizar a esquerda. O conservadorismo, a direita.

Na América Latina e em toda a periferia do capitalismo, a luta anti-imperialista, pela independência nacional, pela soberania dos países, pela autodeterminação, contra todo tipo de intervenção em cada um dos países do continente e pela democracia, contra as ditaduras, passaram a fazer parte dos programas da esquerda.

Paralelamente, a solidariedade com os países ameaçados ou que sofreram intervenção do imperialismo era parte indissociável da postura da esquerda latino-americana. Antes de tudo, a solidariedade com Cuba e com sua Revolução, a primeira revolução socialista no Ocidente. As tentativas de invasão da Ilha e o boicote econômico, a que aderiram todos os países do continente, faziam dessa solidariedade concreta um elemento fundamental da atuação da esquerda — não somente latino-americana.

Outro tema central da esquerda foi a solidariedade com o Vietnã e contra a intervenção imperialista. Foi o movimento de maior solidariedade em escala mundial, cruzando todos os continentes.

Até a Revolução Cubana, o socialismo era um tema distante, asiático, da União Soviética e da China. Os próprios líderes — Lênin, Trotsky, Mao Tsé-Tung — eram asiáticos. A Revolução Cubana trouxe o tema da revolução para perto de nós, com dirigentes como Fidel e Che Guevara, personagens próximos do nosso mundo.

Mais recentemente, quando o imperialismo passou a promover golpes militares contra governos democráticos e anti-imperialistas em países como o Brasil, o Chile, a Argentina e o Uruguai, entre outros, a luta democrática passou a ocupar um lugar central na ação da esquerda. Resistir às ditaduras militares e derrubá-las passou a ser o objetivo central da esquerda, em suas diversas correntes.

Na redemocratização, o centro da luta da esquerda se deslocou. Quão democráticos eram os países redemocratizados? Quão democrático era o Brasil, o país mais desigual no continente mais desigual do mundo?

A discussão na esquerda passou a se colocar em termos do tipo de sociedade dos países do continente. Desenvolveram-se análises não apenas sobre a dependência que os países seguiam tendo em relação ao capitalismo internacional, mas também sobre a estrutura de classes dessas sociedades.

Quando o capitalismo aderiu ao modelo neoliberal, a luta de resistência ao neoliberalismo passou a ganhar centralidade. Ser de direita passou a significar estar a favor da implementação do neoliberalismo, enquanto a esquerda se concentrou na resistência a esse modelo.

Por ter sido vítima especial de governos neoliberais na última década do século XX — em que quase todos os países tinham esse tipo de governo —, a América Latina passou a ser o epicentro da luta contra o neoliberalismo. Tornou-se a única região do mundo com governos antineoliberais. Por isso mesmo, os principais líderes da esquerda no mundo vieram do nosso continente: Hugo Chávez, Lula, Rafael Correa, Evo Morales, Néstor e Cristina Kirchner, Pepe Mujica, López Obrador, Claudia Sheinbaum, entre outros.

Mas ser consequentemente anti-neoliberal, contra a mercantilização das relações sociais, contra a transformação de tudo em mercadoria, é ser, ao mesmo tempo, anticapitalista. Porque o neoliberalismo é tão somente uma versão radicalizada do capitalismo. Porque a superação profunda e radical do capitalismo neoliberal só poderá se dar em uma nova versão do socialismo: o socialismo do século XXI.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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