O que revela a indicação de Trump ao Nobel por Netanyahu
O gesto beira o escárnio
O presidente Donald Trump voltou a atacar em sua guerra permanente com o mundo. Em mais um de seus gestos impulsivos e autoritários, anunciou uma taxação de 50% sobre produtos brasileiros, surpreendendo autoridades diplomáticas e ameaçando diretamente setores estratégicos da economia do Brasil. A medida arbitrária escancara a visão de um político que trata relações internacionais como dono do mundo, senhor da guerra, inimigo da paz.
Ainda assim, este mesmo líder foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz por ninguém menos que Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel e alvo de um pedido de prisão internacional por crimes de guerra. A notícia da indicação, que parece saída de um roteiro de comédia política, revela uma estratégia clara. A de lavar reputações com o discurso da paz enquanto se praticam atos de guerra e violação dos direitos humanos.
A recente notícia de que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu indicou Donald Trump ao Prêmio Nobel da Paz causou espanto e revolta em amplos setores da comunidade internacional. Não apenas pela ironia grotesca do gesto, vindo de um líder acusado de genocídio em Gaza em direção a outro que promoveu políticas abertamente xenofóbicas e violadoras de direitos humanos, mas também pelo que essa nomeação revela sobre a nova estratégia simbólica da extrema direita global.
Cinismo diplomático ou provocação calculada
O gesto beira o escárnio. Netanyahu enfrenta atualmente um pedido de prisão feito pelo procurador do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, que o acusa de crimes contra a humanidade e genocídio devido às ações militares israelenses em Gaza. Donald Trump é responsabilizado por um histórico de abusos contra imigrantes, incluindo a separação forçada de crianças e pais em centros de detenção, e pela reativação do uso da prisão de Guantánamo como símbolo de sua política de “tolerância zero”.
Ao indicá-lo ao Nobel da Paz, Netanyahu não está apenas tentando reescrever a história recente. Está promovendo uma provocação simbólica ao sistema internacional de direitos humanos, à opinião pública global. Acima de tudo está sinalizando uma aliança ideológica com Trump em um momento em que ambos buscam escapar do cerco legal e político que os ameaça.
O uso político da paz
A indicação de Trump ao Nobel por Netanyahu revela um movimento clássico de reversão simbólica. Os dois políticos enfrentam processos de deslegitimação em seus respectivos países e na arena internacional. Ao acenar com a bandeira da paz, ambos tentam capturar o imaginário público de que são, na verdade, os verdadeiros "defensores da ordem".
Essa estratégia tem efeito duplo. Para as suas bases eleitorais mais fiéis, funciona como uma forma de reforço moral, quase messiânico; para os adversários e críticos, funciona como provocação, uma forma de mostrar que continuam desafiadores, mesmo sob pressão judicial e diplomática.
Uma guerra cultural internacionalizada
É nesse contexto que o gesto se torna ainda mais perigoso. A extrema direita global opera não apenas com tanques e tribunais, mas com símbolos e narrativas. A indicação de Trump ao Nobel não é um fato isolado, mas parte de uma ofensiva maior. É a tentativa de sequestrar os significados de conceitos como "paz", "liberdade" e "democracia" para usá-los em benefício próprio.
No caso de Trump, o Nobel servirá como trunfo em sua campanha eleitoral. Uma forma de tentar apagar seu legado de insurreição, racismo institucional e negacionismo sanitário durante a pandemia. Para Netanyahu, serve como distração em meio ao caos humanitário genocida na Faixa de Gaza e como reforço de sua aliança com setores ultraconservadores nos EUA.
Retórica de guerra
O que essa indicação escancara é uma nova forma de guerra política. Uma guerra pelo controle do discurso, da memória e da moral pública. Se os líderes que atacam populações civis, negam direitos básicos e sabotam instituições democráticas podem se apresentar como agentes da paz, resta à sociedade civil e às instituições internacionais reafirmarem o que de fato significa a paz, não como retórica de poder, mas como projeto de justiça, dignidade e coexistência.
Avaço da extrema direita global
Mais do que um gesto absurdo, a indicação de Trump ao Prêmio Nobel da Paz por Netanyahu deve ser compreendida como um alerta. O avanço da extrema direita global não depende apenas de votos e armas, mas de símbolos. E é no campo simbólico que ela tem feito suas maiores investidas, buscando reescrever narrativas históricas e redefinir os próprios termos do debate público.
Defender a paz, hoje, é também defender o sentido da palavra “paz”. É resistir à sua apropriação cínica por aqueles que a utilizam como escudo para a destruição.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

