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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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O racismo recreativo de Nelson Piquet e como a supremacia branca reage à negritude que a supera

Nelson Piquet precisa harmonizar sua convicção de superioridade racial com o fato de que um homem negro é infinitamente superior a ele

Lewis Hamilton e Piquet (Foto: Reuters)
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Autor do livro “Racismo recreativo”, o jurista e professor de direito Adilson Moreira postou em suas redes sociais um texto onde comenta a fala racista do tricampeão mundial de Fórmula 1 Nelson Piquet, e no qual ele explica o porquê de o “neguinho” utilizado pelo ex-piloto como pronome de tratamento à Lewis Hamilton, ter um sentido de reafirmar a sua convicção de superioridade racial, tentando inferiorizar o piloto inglês e diminuir o sofrimento que lhe causa o fato de saber que aquele “neguinho”, hoje é o maior piloto da categoria de todos os tempos. Compartilho abaixo o texto postado pelo professor Adilson em seu Facebook.

"Pessoal, a questão é muito simples. Nelson Piquet é um homem branco.

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Ele está certo que é racialmente superior. Ele está convicto de que todas as pessoas negras são inferiores a todas as pessoas brancas, independentemente da qualificação delas.

Lewis Hamilton é um homem negro. Lewis Hamilton é o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos. Lewis Hamilton tornou a carreira de Nelson Piquet INSIGNIFICANTE.

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Nelson Piquet precisa harmonizar sua convicção de superioridade racial com o fato de que um homem negro é infinitamente superior a ele. Ele chama Lewis Hamiltonn de "neguinho".

A convicção de superioridade racial de Nelson Piquet está restaurada. Fim.

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P. S. Isso vale para todas as pessoas brancas que estão tentando justificar o racismo de Nelson Piquet. "

Primeiro, eu quero falar sobre a questão da representatividade e sobre como ela é importante na formação da identidade étnica e social do indivíduo. Eu, quando moleque, tinha Piquet como ídolo na Fórmula 1. Mais do que Senna, que eu achava um chato mimado pela mídia. À época do serviço militar, fui questionado pelo Sargento do meu pelotão, pelo fato de gostar de fórmula 1. Me lembro como se fosse hoje, de o militar branco, olhos azuis, oriundo da ESA e torcedor fanático do Fluminense, me dirigir as seguintes palavras em tom “recreativo” e sem nenhuma maldade: “Onde já se viu, u m negão lá do Tuiuti gostar de fórmula 1” Eu não morava no Tuiuti, que, para quem não conhece, é uma comunidade situada no bairro de São Cristóvão, zona norte do Rio de Janeiro, e vizinha da Mangueira. Mas, pelo fato de ser tratar de uma comunidade, onde a população é predominantemente negra, o referido Sargento logo associou a cor da minha pele à primeira favela que lhe veio à mente, para dizer que o meu estereótipo não combinava com um esporte dominado pela branquitude.

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Se, àquela altura, já existisse um Lewis Hamilton na Fórmula 1, certamente a “piada” do meu então superior hierárquico não funcionaria muito bem, e, obviamente, eu não teria me calado diante do racismo recreativo que estava sofrendo. O incomodo maior para o milico foi perceber que eu sabia mais do que ele sobre aquele esporte, citando de cor a lista dos campeões mundiais até aquele ano, número de vitórias na temporada, equipe que defendia, pontuação conquistada e outros detalhes da carreira dos pilotos. Embora não entendesse nada de direção, motores e etc.. Não que eu consider e esse episódio traumático, mas o fato é que eu perdi o interesse na Fórmula 1, ao ponto de só retornar a assistir uma ou outra corrida, justamente por causa de Hamilton. O neguinho que ofusca o brilho de Nelson Piquet e faz aflorar o seu racismo com a mesma velocidade que ele imprimia para ultrapassar os seus adversários. O ódio racial de Piquet, apresentado de forma lúdica durante uma entrevista, é um recorte de como a branquitude tenta defender os seus privilégios através da manutenção do racismo estrutural. É ele quem lhes garante a convicção de superioridade e a tranquilidade de se expressarem de forma racista com inteira tranquilidade.

Outra questão que quero levantar aqui, é o fato de a produção de conteúdo, conhecimento e de saberes, até mesmo quando o tema é antirracismo, ter mais credibilidade e aceitação quando é um branco ou uma branca a discorrer sobre o assunto, ou validar a um preto ou a uma preta que o faça. Aquela onda (que graças a nossa senhora da vergonha alheia, já passou) de personalidades brancas emprestarem os seus perfis nas redes sociais, para que os pretos da “casa” pudessem falar sobre as suas dores, é um exemplo do que aqui questiono. Ao invés de compartilhar o conteúdo produzido pelos ativis tas pretos e direcionar os seus seguidores para estes, o complexo de Princesa Isabel de alguns aliados falou mais alto. Além, é claro, de garantir mais seguidores para os seus perfis. Incluindo mais pretos e pretas. A branquitude, aliada ou inimiga, precisa entender que não precisamos que legitimem ou validem a nossa voz e a nossa luta. Elas já ecoam através da história da nossa ancestralidade, ainda que o racismo estrutural tente silenciá-las. O que se faz necessário e urgente, é desconstruirmos essa estrutura que foi feita para abrigar apenas os herdeiros dos colonizadores. E essa desconstrução passa, obrigatoriamente, pelo reconhecimento dos seus privilégios e por abrir mão deles.

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Voltando ao ódio racial contido na fala de Piquet, ele pode ser melhor entendido quando o professor Adilson Moreira diz que Lewis Hamilton tornou a carreira de Nelson insignificante. Não que os três títulos mundiais conquistados por ele não tenham mais importância. Porém, na mente de uma racista é inaceitável que um neguinho o tenha superado. E de longe. Pior do que isso, Piquet sabe que nunca mais terá a oportunidade de igualar a marca de Hamilton, ficando eternamente inferiorizado a esse neguinho na história da Fórmula 1. Lewis pode conquistar o oitavo, o nono e quem sabe o décimo título mundial, enquanto Piq uet só conseguirá algum destaque nas manchetes dos jornais, servindo de chover para um presidente tão racista e rancoroso quanto ele. Aliás, o tricampeão já declarou ser “Bolsonaro até a morte” e o considerou a “salvação do Brasil” Uma declaração que equivale a entrar numa chicane de marcha ré contra o fluxo ou usar pneus slick em dia de chuva. Como todo bolsonarista raiz, Piquet haveria de ser racista. Uma condição si ne qua non para o sê-lo.

Incrível como Jair Bolsonaro vem sendo um divisor de águas, no pior sentido da expressão, na nossa sociedade. Através de sua nefasta figura, vimos perdendo o encanto com alguns ídolos e personalidades que outrora admirávamos. Assim como Piquet, Elba Ramalho sempre teve o meu respeito e admiração como artista. Até mesmo quando era abduzida e chipada por extraterrestres oriundos do planeta cannabis, a prima de Zé Ramalho não colocava em xeque a sua história como uma das grandes divas da MPB, como agora quando decide admoestar o público presente em seu show, ao vê-lo protestar contra o ensandecido presidente que ela apoia. Isso me faz lembrar um dito popular que diz que é melhor nunca conhecer os seus ídolos de perto. Caetano Veloso já havia nos advertido que “de perto ninguém é normal”, mas agora, estamos constatando que alguns de nossos ídolos são bem mais anormais do que outros. Tanto de perto, como de longe.

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