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Urariano Mota

Autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil

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O Recife tem a terceira rua mais linda do mundo

Revista norte-americana Architectural Digest relacionou as 31 ruas mais lindas do mundo, e a Rua do Bom Jesus ocupou o terceiro lugar, a única brasileira da lista

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O pintor Cícero Dias já havia falado antes em forma poética: “Eu vi o mundo... ele começava no Recife”. Essa frase que mais parecia exagero de sentimento do pintor genial, agora vem de outro julgamento estético, na revista norte-americana Architectural Digest. Ela relacionou as 31 ruas mais lindas do mundo, e a Rua do Bom Jesus ocupou o terceiro lugar, a única brasileira da lista. Nestas palavras: 

“Recife, Brazil

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Recife is the easternmost major city in Brazil, and the beautiful Rua do Bom Jesus occupies one of the easternmost parts of the city. The colorful street, which is lined with tall palm trees, is brimming with history. Dating back to the 15th century, this street contained the first synagogue built in the Americas, the Kahal Zur Israel Synagogue. The building is still there for visitors to see” https://www.architecturaldigest.com/gallery/most-beautiful-streets-in-the-world .

Ou em bom brasileiro de Pernambuco: 

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"O Recife é a cidade mais arretada no leste do Brasil, e a bonita Rua do Bom Jesus ocupa uma das partes mais perto do mar da cidade. A rua colorida, ladeada de palmeiras altas, é transbordante de história. Datada do século 15, esta rua contém a primeira sinagoga construída nas Américas, a Sinagoga Kahal Zur Israel. O prédio ainda está lá para os visitantes verem". 

No entanto, descubro que na posição honrosa há excessos mais que pernambucanos. Na Bom Jesus, nem tantas palmeiras, nem tão altas, nem muito menos a rua possui uma história que vá até o século XV. Os registros mais importantes falam da Bom Jesus no século XVII, quando era Rua dos Judeus, por volta de 1635. 

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Ela está no bairro que hoje chamamos Recife Antigo, onde se ergue a Sinagoga Kahal Zur Israel. A Sinagoga é uma edificação que se inscreveu há muito na história do mundo. Nesse prédio houve e se encontra recuperada, novinha e em cores para todos nós, a Primeira Sinagoga das Américas. Isso é história, documentada de modo irrefutável. 

Mas além da bela Bom Jesus, chamo atenção para outras ruas. De algumas podemos dizer que só os nomes fazem a gente sonhar, como falava o poeta Ascenso Ferreira sobre os engenhos da sua terra. Rua da Aurora, Rua da União, Rua da Soledade, Rua do Sol, Rua da Saudade, Rua das Águas Verdes, Rua dos Sete Pecados, Rua Japaranduba. Dessa, de modo mais particular, escrevo duas ou três coisas.  

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De um ponto de vista exterior, a revista internacional Architectural Digest está certa.  Mas de um ponto de vista íntimo, para mim a mais linda é a Rua Japaranduba. Ela, tão simples e desprovida de tudo, sem casarões e sem mais antiga historia, corre curta em metros vizinha ao Mercado Público de Água Fria. Desde os anos 50 havia em seu pequeno território a paisagem de vendedores ambulantes. 

Nela, lembro que pelas noites soprava um vento no calor que trazia pra gente desejos impossíveis. De que natureza somos feitos? Que demônio ou anjo nos pôs no peito desde a infância uma carência fora dos bons costumes? Do abacaxi, lá na frente do mercado, vinha um perfume quase entre sombras. E, coisa rara, nesse quase escuro não havia malefício, era um bem para a alma da gente, assim como, se comparamos mal, cheiro de namorada pela noitinha, sem o testemunho da lua. 

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Mais de uma vez, quando vou a Água Fria, maneira de dizer, pois não vou, sempre volto a Água Fria, ou mesmo quando passo de carro pela frente do mercado, procuro aquele cheiro das noites de abacaxi que trescalava de ardor, entre doce e ácido. Mas não sei bem agora se esse era um cheiro que descia da fruta, ou se era o sentimento que o cheiro despertava na gente. Ardor, desejo, necessidade entre doce e ácido. Que diabo essa coisa de haver civilização em meninos pobres. Que ironia de haver sofisticação de alma em quem possuía apenas o básico. Esse cheiro de abacaxi maduro na noite, esse perfume que cintila e trescala, embriaga e faz sonhar até um desalmado, que ironia. 

Na altura dá casa número 49, onde nasci para o mundo, havia os boxes de caldo de cana. Por Deus, é escrever “boxe de caldo de cana” e vem logo na boca o gosto do pão doce que se ensopava na língua junto ao verde do caldo. Os boxes tinham balcões altíssimos, inalcançáveis para um menino de 6 anos. Se a memória não trai, um copão cheio era cerca de 500 réis. Isso era moeda preciosa de 50, com aparência de 50 centavos de hoje, mas com um maior poder de compra, porque nos dava um caldo de cana ou a passagem do bonde. Duas maravilhas, cada uma em seu lugar e ocasião. Dois objetos de consumo de valor para a gente mais pobre. 

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Na Rua Japaranduba, havia Cristina, ou será Cecília, irmã do mudo da leiteria? Ela era um bem maior que o porquinho-da-índia de Manuel Bandeira. As sombras da noite em torno do mercado, propícias ao crime, conspiravam contra os meninos que amavam as moças grandes. Os enamorados queriam as sombras, sabíamos. E nós, pequenos, tínhamos a triste sina de amar as namoradas que já tinham namorados. E se elas não os tivessem, qual seria o nosso futuro? Haveria um lugar querido para nós em seus corações? 

Recife Rua do Bom Jesus, da Aurora, da União, da Soledade, do Sol, da Saudade, dos Sete Pecados, do Beco da Beliscada, da Rua Japaranduba. Este é o Recife que visto de cima, no avião que chega, acende um calor, uma alegria e uma felicidade sem palavras, somente fogo íntimo. “Estamos de volta, Recife”, suspiramos em silêncio, e pouco importa se estivemos fora um mês, um ano ou dois dias. Quem é do Recife, quem já viveu no Recife, quem passou um tempo no Recife, sempre dirá: eu tenho um caso pessoal com esta cidade.

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