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Pedro Celestino Pereira

Presidente do Clube de Engenharia e um dos líderes mais ativos na defesa do pré-sal

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O senador José Serra e a entrega do pré-sal

O mau uso da estatística pelo senador Serra traz à lembrança o falecido Roberto Campos, que acertadamente dizia que a estatística mostra o supérfluo e esconde o essencial

jose serra (Foto: Pedro Celestino Pereira)
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Cabe registrar a disposição do nobre senador José Serra de, finalmente, oferecer à opinião
pública as razões que o fizeram apresentar o PL 131, que retira a obrigatoriedade de a
Petrobras ser a operadora única dos campos do pré-sal. O debate de idéias em termos
elevados é intrínseco à democracia. É pena, entretanto, que tal disposição só tenha se
manifestado após 46 senadores terem rejeitado o pedido de urgência para a tramitação do
seu projeto; caso o houvessem aprovado, a deliberação sobre assunto de vital interesse para o
país seria tomada sem discussão. É que o senador considera o petróleo uma "commodity", e
não um insumo estratégico para o Brasil. Não vê, ou não quer ver, que o controle do petróleo
é, e continuará a ser nas próximas décadas, o pano de fundo dos principais conflitos
geopolíticos mundiais.

Considere-se, por exemplo, o cenário antevisto pela AIE - Agência Internacional de Energia,

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que prevê que:
a) a produção mundial de petróleo continuará a crescer, passando dos atuais 85 milhões de
barris/dia para quase 100 milhões de barris/dia em 2035;

b) os campos produtores atuais atingiram seu pico de produção (65 milhões de barris/dia) em
2007/2008, entrando em declínio desde a partir daí;

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c) em 2035 cerca de 38 milhões de barris/dia serão produzidos por campos já descobertos,
(mas não em produção) por campos novos a serem descobertos.

Resultado deste cenário: a ampliação do estoque de reservas para futura produção de
petróleo continuará a ser o principal objetivo das petrolíferas privadas mundiais (Shell,
Exxon, Chevron, BP e Total). E quando se fala de petróleo, área em que os projetos são de
longa maturação, pois envolvem largo espectro de riscos e incertezas, assenhorear-se de
áreas já descobertas, em que tais imprevisibilidades sejam minimizadas, torna-se objetivo
prioritário dessas empresas. Não foi outro o motivo que levou recentemente a Shell a comprar
a BG. Segundo o seu presidente a Shell, ao adquirir a BG, aumentará nos próximos 5 anos a
produção de petróleo no Brasil, dos atuais 100 mil barris/dia para 1,3 milhão barris/dia. Com
isso, 20% da sua produção mundial sairá do Brasil.

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No planeta, nos últimos 30 anos, a maior descoberta de petróleo foi a do pré-sal brasileiro,
com reservatórios a exibir níveis de produtividade incomuns (poços que produzem mais de 20
mil barris/dia), com baixo custo de extração (US$ 9,00/barril, segundo a Petrobrás). Esta é a
razão do desesperado interesse das petrolíferas privadas mundiais no nosso pré-sal.
Qualquer empresa petrolífera preocupa-se simultaneamente com o aumento da produção e o
aumento das reservas. Se é a produção que sustenta financeiramente a empresa, são as
reservas que propiciam o lastro econômico que, por sua vez, promove a sustentabilidade do
seu futuro. A produção dos campos produtores decai em média 10% ao ano e as reservas se
esgotam rapidamente, por isso a atividade de exploração e produção (E&P) é tão frenética na
busca de novas reservas.

No Brasil, após a quebra do monopólio estatal do petróleo em 1997, a estratégia das
petrolíferas privadas mundiais foi a de aguardar os resultados dos esforços exploratórios -
como se sabe, carregados de riscos e incertezas - da Petrobrás, para aí sim, sem risco
exploratório algum, adquirir as áreas promissoras, em leilões promovidos pela ANP, agência
cada vez mais capturada por interesses privados. Basta dizer que sua diretora-geral defende a
revisão da Lei da Partilha. Não por acaso, a ANP é tão cara ao senador Serra, desde o tempo
de David Zylberstajn, o competente genro de FHC.

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O modelo de partilha foi adotado para assegurar ao país ganhos maiores, em áreas de risco
exploratório muito baixo, como é o caso do pré-sal. Ao propor que a Petrobrás deixe de ser a
operadora única do pré-sal, o senador Serra presta um serviço às petrolíferas privadas
mundiais. É da entrega do nosso petróleo, é disto que se trata, o que não é novidade. Basta
recordar o que ocorreu após a quebra do monopólio da Petrobrás. Para atrair as empresas
estrangeiras, determinou-se irresponsavelmente à Petrobrás reduzir a aquisição de blocos
para explorar, descobrir e produzir petróleo nas rodadas I, II, III e IV (esta em 2002). Se essa
diretriz não fosse revertida a partir de 2003 com a retomada da aquisição de blocos nas
rodadas seguintes, a partir de 2008 a Petrobrás não teria mais onde explorar em território
brasileiro, comprometendo o seu futuro como empresa petrolífera.

O aumento constante das reservas e da produção a partir de 2003 decorreu da forte retomada
dos investimentos em E&P e da decisão de abandonar a política de concentração dos
investimentos na Bacia de Campos, com grande produção, mas com declínio de produção já à
vista (sucediam-se os poços exploratórios secos perfurados). Essa inflexão permitiu que as
sondas fossem espalhadas pelas bacias do Espírito Santo, Santos e Sergipe, que propiciaram, a
partir de 2003, as grandes descobertas e o crescimento efetivo das reservas e da produção,
processo que culminou com a descoberta do pré-sal em 2006. É bom lembrar que essas bacias
tinham sido praticamente abandonadas nos anos anteriores, para permitir a entrada das
empresas estrangeiras.

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Se a Petrobrás continuasse concentrada na Bacia de Campos – a empresa abandonara
investimentos em áreas novas - aí sim, teria sido transformada em uma empresa petrolífera
sem qualquer sustentabilidade financeira, a curto prazo, e econômica, a longo prazo.

O aumento da produção foi extraordinário a partir de 2003. Extraordinária também foi a
elevação das reservas. Apesar dos desmandos, a Petrobras passou a ser a melhor, a mais eficaz
e, economicamente, a mais sustentável a longo prazo das grandes empresas petrolíferas
mundiais. Definitivamente não está, como diz o senador Serra, "quase arruinada".

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O senador Serra critica o endividamento da Petrobrás, segundo ele quase 6 vezes maior que o
endividamento médio das petrolíferas. Para não questionar números, pois caberia argüir a que
universo de empresas corresponderia a média por ele citada, basta dizer que há petrolíferas
de inúmeros tipos, tamanhos/dimensões e missões/objetivos empresariais. As estatais do
Oriente Médio, por exemplo, têm endividamento baixíssimo, pois produzem em campos
terrestres, de geologia bem conhecida; já as petrolíferas privadas mundiais têm reservas e
produção cadentes há anos, o que em contrapartida lhes permitiu acumular recursos
financeiros para adquirir reservas mundo a fora, o que lhes seria permitido aqui, caso o
projeto do senador Serra fosse aprovado. Nenhuma delas é como a Petrobrás, detentora de
reservas totais de petróleo crescentes, que beiram os 30 bilhões de barris, que conta com um
corpo técnico reconhecido como entre os melhores e mais bem capacitados - senão o melhor -
dentre todas as petrolíferas, que detém tecnologia integral para não só produzir suas reservas
de petróleo, como para avançar continuamente no domínio tecnológico, e que apresenta a
mais segura e eficaz competência operacional do mundo para produzir em águas ultra
profundas, como as do pré-sal, com total segurança paras as pessoas e para o meio
ambiente. O mau uso da estatística pelo senador Serra traz à lembrança o falecido Roberto
Campos, que acertadamente dizia que a estatística mostra o supérfluo e esconde o essencial.

O senador Serra, para justificar a entrega do petróleo do pré-sal às petrolíferas privadas
mundiais, alega que, entre a quebra do monopólio estatal em 1997 e 2010, sob o regime de
concessão, a produção de petróleo da Petrobrás passou de 800 mil barris/dia para 2 milhões
de barris/dia, enquanto que, sob o regime de partilha, teve um "aumento pífio de 18%". Aqui
está a justificativa, ainda velada, para o abandono do regime de partilha, iniciado pelo seu
projeto. O argumento do senador não se sustenta: o aumento da produção de petróleo da
Petrobrás até 2010 decorreu, essencialmente, da produção de descobertas anteriores à
quebra do monopólio, pois a produção das descobertas posteriores só começou a se fazer
sentir a partir de 2005-2006; nada, porém, se compara à extraordinária curva de crescimento
da produção de petróleo no pré-sal, que aumenta mês a mês desde 2013, quando lá se iniciou
a produção, à taxa de 5% a.m., chegando hoje à casa dos 1,3 milhão barris/dia. Esta é a razão da
tentativa, patrocinada pelo senador Serra, de entregar o nosso petróleo às petrolíferas
privadas mundiais.

O senador Serra critica a Petrobrás pelo "controle oportunista de preços" e pelos "projetos
aloprados de refinarias", que teriam quase arruinado a empresa.

Quanto ao "controle oportunista de preços", labora em erro o senador Serra. Administrar o
preço na porta da refinaria é do interesse do cidadão brasileiro - em ultima análise, o
acionista controlador da Petrobrás - e cumpre função social de extrema importância, a do
controle do custo de vida. Os acionistas estrangeiros, introduzidos na Petrobrás após a quebra
do monopólio, é que não concordam com isso, exigem o alinhamento dos preços dos produtos
da Petrobrás aos preços internacionais. A quem serve o senador Serra ao defender essa
opinião? Certamente, não aos interesses nacionais.

Quanto aos "projetos aloprados de refinarias", tanto o COMPERJ no Rio de Janeiro, como a
RENEST em Pernambuco são tecnicamente justificados, pois agregam valor ao petróleo aqui
produzido, e tornam o país auto-suficiente neste insumo. Na verdade, a posição do senador é
coerente com a do governo FHC, do qual foi uma das principais lideranças: buscou-se, então,
desinvestir em refino (alienou-se da REFAP à YPF e preparou-se a venda da REDUC,
suspensa em 2003), para tornar o país dependente da importação de derivados. As
beneficiárias da canibalização da Petrobrás seriam, é claro, as petrolíferas privadas mundiais.
Finalmente, o senador Serra comenta algumas decisões da atual diretoria da Petrobrás, em
princípio alinhadas às suas ideias. Propõe-se a venda de ativos de produção, solução simplista
que suprimirá da Petrobrás justamente a origem dos recursos que, no futuro, garantirão o
rolamento das suas dívidas e a sustentabilidade a longo prazo da saúde financeira da
empresa. As medidas anunciadas são, na verdade, uma solução obtusa, que beira o suicídio
empresarial, em favor de interesses das petrolíferas privadas mundiais, tão caras ao senador
Serra.

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