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Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

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O sequestro do verde amarelo

A trajetória difícil, mas vitoriosa dessas brasileiras, devolveram à leitora e a mim o orgulho esquecido de ser brasileira

O sequestro do verde amarelo (Foto: Arquivo/ABr)

Este texto dedico a uma leitora, que grata pela performance das atletas brasileiras que superaram todas as expectativas nos Jogos Olímpicos de Paris, me enviou uma mensagem sugerindo que eu escrevesse um texto que versasse sobre o resgate da bandeira brasileira, a partir de uma ótica inclusiva. 

No contato, a leitora revelou-me o retorno da vontade de voltar a vestir verde e amarelo e de carregar a bandeira nacional sempre que for manifestar-se pelo fortalecimento da democracia no Brasil.

Independente da representação de alguns de nossos símbolos nacionais não ter se originado em tempos progressistas, eles representam a nossa identidade brasileira. 

Gostei da sugestão da leitora, pois como ela também voltei a ter vontade de vestir o verde amarelo, depois um tempo de absoluta rejeição.

Por alguns anos a bandeira brasileira vem sendo sequestrada pela extrema direita, como símbolo de sua ideologia fascista, do falsos espíritos patriótico e  nacionalista. 

Parte do povo foi induzida a ir às ruas para protestar, em verde e amarelo, contra a corrupção denunciada pela Operação Lava Jato de políticos e de outras figuras públicas da sociedade civil. Inicialmente reconhecida por ter colocado na cadeia alguns acusados por corrupção, mais tarde foi desacreditada, a partir dos vazamentos dos conluios entre o ex Juiz suspeito, Sergio Moro, e o coordenador da operação, o ex Procurador da República Deltan Dalagnol. 

 Os objetivos da operação foram desnudados pelas constantes manipulações dos institutos jurídicos, fenômeno denominado como Lawfere. A intenção dessa operação foi a de atribuir os atos ilegais cometidos contra o erário público, essencialmente aos políticos de esquerda, sobretudo, ao Presidente Lula, que tinha a preferência dos eleitores para as eleições presidenciais de 2018. 

Ardilosamente associada à mídia corporativa, as notícias eram plantadas sistematicamente pela operação, com a finalidade de incriminar e acabar com a imagem dos políticos, aos quais a referida operação desejava retirar de seu caminho.

O desejo dos líderes da Lava Jato foi o de locupletar-se com cargos públicos, entre outras benesses, como restou comprovado, pelo fato do ex juiz suspeito, ter recebido o cargo de Ministro da Justiça, como prêmio pela condenação, sem provas, do Presidente Lula. 

O país passou por uma onda massiva contra a corrupção, capitaneada por membros corruptos da própria operação Lava Jato, num esquema jurídico absolutamente indevido.

Boa parte do povo contaminado por um sentimento de máxima revolta contra os governos progressistas de Lula e Dilma e de sua bandeira partidária vermelha, correu para as ruas do Brasil, vestindo as cores verde e amarelo.  

Famílias inteiras da classe alta e média tomaram conta das ruas de seus bairros abastados e distantes dos lugares populares, eleitos pela esquerda para suas manifestações. Em Porto Alegre, por exemplo, os movimentos aconteciam no Bairro Moinhos de Vento, habitado na maioria pela elite branca gaúcha.

Recordo de uma imagem numa dessas manifestações, no Rio de Janeiro, na praia de Copacabana, que chamou a atenção e chocou os brasileiros que mantinham a consciência crítica de que tudo não passava de uma articulação ideológica da direita e extrema direita, que desejava voltar ao poder depois dos anos de governos progressistas. 

Quem não lembra da imagem de um casal, vestido de verde amarelo, numa das manifestações contra a Presidenta Dilma e atrás dele a sua babá preta, vestindo uniforme branco, com as filhas dos patrões. Ficava registrada a origem do sequestro das cores brasileiras pela elite escravocrata do atraso e da brutal e infame desigualdade social. 

Nas palavras da professora Helena Machado do departamento de História da Universidade do Estado de São Paulo (USP), em entrevista ao Jornal Zero Hora em 19/03/2016, a foto do casal com a babá significa uma “imagem cristalizada pela representação de uma relação social”. Fica nítida, a olhos vistos, o retrato da sociedade brasileira por meio da malfadada herança escravista. Como nos sinaliza o sociólogo Gerson Almeida “Nossa elite jamais deixou que qualquer escrúpulo ético ou moral lhe impedisse de fazer de tudo para evitar a consolidação de um projeto político capaz de alterar esta realidade. O fio condutor da nossa história, portanto, é a perpetuação dessa chaga excludente até os dias de hoje” (Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/a-escravidao-deformou-o-carater-da-nossa-elite/).

A sociedade brasileira, portanto, ainda não conseguiu romper com o preconceito étnico-racial.  

Convém salientar, que apropriação de símbolos nacionais pela extrema direita também tem acontecido em outros países. Os Estados Unidos da América constituem um exemplo emblemático nesse sentido, sobretudo, durante a gestão de Donald Trump. No Brasil, este sequestro da bandeira e do verde e amarelo se deu sistematicamente, durante a candidatura de Bolsonaro e ao longo de seu governo. Os símbolos nacionais foram utilizados indiscriminadamente nas manifestações públicas e nos processos eleitorais capitaneados pelos candidatos da extrema direita. Cabe registrar que no período da ditadura militar, os símbolos foram amplamente utilizados, tanto nas datas comemorativas, como nos eventos esportivos. 

Nesse triste horizonte, o professor Oliver Stuenkel de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo refere que a apropriação dos símbolos nacionais “faz parte de uma estratégia sofisticada, pois permite uma suposta divisão da população entre patriotas de um lado e inimigos da pátria de outro”. (Disponível no site do elpais.com.br, sessão opinião, publicada em 12/06/2019).

Vestir as roupagens da seleção brasileira, portar a bandeira nacional passou a representar um distintivo oportunista entre os supostos patriotas e os não patriotas. Ou seja, entre os que aderem os princípios liberais e práticas da extrema direita, em detrimento aos que desejam um país democrático e inclusivo em toda sua diversidade. 

A polarização foi e continua sendo alimentada pela mídia corporativa. Vale lembrar o editorial do Jornal Estadão ao publicar que a escolha entre os candidatos Haddad e Bolsonaro, à presidência da república nas eleições de 2018, era “uma escolha muito difícil”. Comparar Bolsonaro (ex militar da ativa medíocre e indisciplinado, congressista do baixo clero,  que teve, ao longo de seus 27 anos na casa legislativa, somente dois projetos aprovados, apologista de torturador, truculento, misógino, homofóbico, entre outras péssimas adjetivações que não vale citar por já serem amplamente conhecidas), com o Professor Fernando Haddad e seu currículo intelectual e político exemplares por todos os êxitos empreendidos como Ministro da Educação, Prefeito de São Paulo, além de sua respeitada trajetória acadêmica e idoneidade moral, é inconcebível. Entretanto, combina perfeitamente com a ideologia desse veículo de extrema direita.

Nesse panorama político, provocado pelo auge da operação Lava Jato mais da metade do povo, contaminado pelos vazamentos dos atos da operação à grande mídia e pela lavagem cerebral das funestas imagens do Jornal Nacional, dos tubos que jorravam notas de reais todos os dias pela corrupção, acabou elegendo Bolsonaro pelo forte antipetismo que se formou.

Neste contexto, o projeto de poder do ex juiz suspeito, Sergio Moro, ficava claro. Após um tempo como Ministro bolsonarista, ele retirou-se do governo ao denunciar as inadequadas intervenções do ex presidente inelegível nas instituições públicas, em benefício próprio e de sua família. Cerca de meses após esse fato, o ex juiz voltou a apoiar Bolsonaro nas eleições de 2022, vestido de verde e amarelo e na carona do prestígio do inelegível, elegeu-se um deprimente senador da República. 

Vencido pelo Presidente Lula no pleito de outubro de 2022, Bolsonaro inconformado com a derrota, insufla seus cegos seguidores a darem um golpe na democracia. Novamente o extremismo fascista usurpa as cores verde e amarelo no grave episódio do 08 de janeiro, durante a brutal agressão à democracia e às instituições republicanas. As cenas horrendas, produzidas pelos golpistas portando a bandeira brasileira, percorreram as mídias internacionais, chocando o mundo.

Segundo o doutor em ciências sociais e jornalista, João José de Oliveira Negrão: “é preciso retomar esse símbolo já que “na luta pela apropriação dos símbolos nacionais se recoloca a luta de classes”. Para ele, “os movimentos sociais e partidários, entre as suas bandeiras, pode pensar em levar a bandeira brasileira, como forma de tensionar essa apropriação”. (Disponível em:  https://smetal.org.br/imprensa/caminhos-para-recuperar-a-bandeira-nacional-como-um-simbolo-de-todos/).

Como então, resgatarmos a vontade de vestir o verde e amarelo e de portar a bandeira nacional, como nos assinala o jornalista Negrão?  Como eliminar definitivamente o sequestro dos símbolos de nossa identidade brasileira pelo extrema direita fascista? 

Retomo a sugestão da leitora feita a mim, mencionada no início deste texto. As imagens de garra e de luta na representação do país por Rebeca Andrade, Beatriz Souza e Rafaela Silva, a despeito das condições materiais de suas existências, desprovidas de recursos pessoais ao longo de suas vidas, não as impediram de seguir em frente. A trajetória difícil, mas vitoriosa dessas brasileiras, devolveram à leitora e a mim o orgulho esquecido de ser brasileira.     

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.