O sonho da casa própria
"A minha casa própria é o Planeta Terra"
O sonho da casa própria. Nunca tive. Sempre pensei que, com um bom emprego e carteira assinada, era possível morar em uma casa ou apartamento alugado e que, caso surgisse outra possibilidade de melhorar a qualidade de vida junto com a família, “romper um contrato de aluguel de um apartamento, se a coisa não vai bem” [1], não seria muito complicado.
Nadando meio contra a maré da minha geração, das anteriores e dos profissionais com quem trabalhei nos anos 70/80 do século passado, era aconselhado a, em determinado momento, adquirir um imóvel. A última carteira assinada que tive já se foi há uns 25 anos (uma geração!), e um modesto apartamento comprado há uns 20 anos, após viver em várias cidades e moradias, faz parte dessa “longa estrada da vida geológica” [2].
Ressalta-se que poucas dessas passagens por diferentes lugares foram um paraíso, pois a vida profissional e familiar sempre foram levadas com muita perseverança, priorizando o bom convívio com as novas pessoas que iam sendo conhecidas pelo caminho. Porém, observa-se, nos últimos tempos, que, segundo informações de diferentes fontes, parece que a coisa não é muito fácil para quem tem casa própria e deseja uma mudança.
Em várias partes desse nosso planeta, aglomerações urbanas começam a ter mais e mais edificações espremidas umas contra as outras, devido ao conflito na ocupação do espaço, associado às diferenças políticas e sociais. Geralmente, isso tende a dar bolo e, salvo melhor avaliação, dentro das próprias comunidades, como, por exemplo, em condomínios (horizontais ou verticais), onde as tensões podem se alastrar.
Em uma situação utópica, será que espalhar mais as pessoas, permitindo que cada uma possa ter sua hortinha, seu canteiro de flores, seu cão de estimação etc., não seria mais interessante e menos conflituoso? Isso me faz lembrar o seguinte trecho da música cantada por Elis Regina:
"Eu quero uma casa no campo / Onde eu possa compor muitos rocks rurais / E tenha somente a certeza / Dos amigos do peito e nada mais” [3].
Essa saída pode ser uma visão simplista demais, mas os conflitos, as guerras e os genocídios são mais fáceis de proliferar quando há alta concentração de pessoas em uma mesma faixa de território. Sem a pretensão de fazer aqui um rabisco de tratado filosófico ou sociológico sobre o assunto, mesmo porque não tenho lastro de vida universitária para isso, vai lá saber se não pode ser uma pequena contribuição a sugestão de um espalhamento no planeta Terra? Talvez, muito talvez mesmo, desde que não seja ambientalmente predatório, ceifando vidas para atender a interesses mesquinhos de determinados grupos econômicos, como vem ocorrendo há séculos, desde os grandes impérios colonizadores ao longo da história humana.
Para encerrar, nesse mundo capitalista, a procura e a demanda por imóveis alugados devem ser tanto justas para o locador quanto para o locatário, visando atender, de forma equilibrada, ambas as partes, dentro do possível. A minha casa própria é o Planeta Terra.
"Morava numa casa em Botafogo, a mesma casa onde tinha nascido e que agora era a última casa da rua, espremida entre dois grandes edifícios, na frente de um terceiro maior ainda, atrás de outro ainda maior." (Luís Fernando Veríssimo) [4].
Fontes
[1] “Passado duvidoso” artigo de 31/01/2025.
https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2025/01/passado-duvidoso.html
[2] “Por onde a água passa” artigo de 13/12/2024.
https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2024/12/por-onde-agua-passa.html
[3] “Casa no campo” de autoria de José Rodrigues Trindade (Zé Rodrix) e Luis Otavio de Melo Carvalho (Tavito).
[4] Trecho da crônica “O homem sitiado” de Luís Fernando Veríssimo, publicada na 11ª edição pela Editora Ática, em 2004, no livro “O nariz”, página 83.
*Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

