O técnico e o ideológico estão mais próximos do que parece
Um debate intenso se instaurou entre governo, mídia e uma parte da sociedade nos últimos dias, ao se repercutir a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de nomear o economista e professor Márcio Pochmann para a presidência do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Tratou-se de questionar a decisão como essencialmente “ideológica” e se propalou que Lula deveria ter priorizado o aspecto técnico pela função que o IBGE desempenha. Alegou-se, ainda, que há outros profissionais competentes não ligados necessariamente ao Partido dos Trabalhadores (PT).
Sustentando essa posição, esses setores trataram os aspectos técnico e ideológico como opostos entre si. Pretendo, com este artigo, dar uma contribuição a esse debate, argumentando que a técnica e a ideologia estão mais próximas do que parece. E que o dilema criado não tem bases sociológicas consistentes.
A palavra técnica origina-se do grego tékhne, que significa arte ou ciência. Uma técnica é um “arranjo” criativo e um procedimento que visa, através do uso de determinado método, deve produzir um resultado final. Em princípio, quando se pensa em técnica, vem-nos à mente a ideia geral de habilidade ou de conhecimento específico para se fazer algo. Diversos estudos já se produziram sobre isso, mostrando que o uso da técnica não é um procedimento neutro pois envolve decisões relacionadas a valores e princípios de quem as utiliza.
Em meados do século XX, a Escola de Frankfurt ocupou-se em aprofundar as repercussões do uso da técnica e apontou o seu caráter negativo quando usada, mais do que um meio, como objetivo para se alcançar a obra final. Autores dessa corrente criticaram os impactos de uma técnica objetificadora e ocupada somente com os resultados.
Theodor Adorno e outros filósofos proeminentes não deixaram de questionar os meios de comunicação de massa, especialmente a televisão e o rádio, quando limitam-se a entreter e a divertir o público. A que objetivos servem esses meios, perguntaram os filósofos. Ademais, mostraram que a existência da mídia, por si só, não contribui necessariamente à democratização da sociedade, caso os seus conteúdos e objetivos não visem o interesse público.
Ideologia - Para o cientista político Norberto Bobbio, que produziu o Dicionário de Política em coautoria com Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, a palavra ideologia pode ser identificada por dois significados. O “significado fraco” designa um conjunto de sistemas de crenças políticas, ou um conjunto de idéias e valores relativos à ordem pública, tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos.
Já o “significado forte” tem origem no conceito formulado por Karl Marx e significa uma falsa consciência das relações de domínio entre as classes. Sob essa visão, a ideologia denota o caráter mistificador de falsa consciência de uma crença política.
A concepção de base marxista terá uma singular evolução no pensamento teórico ao longo dos anos. No entanto, contemporaneamente, em estudos e pesquisas da Ciência Política e Sociologia tem predominado o “significado fraco”. Essa vertente vem embasando a interpretação e muitos estudos comparativos entre sistemas políticos, como também a investigação dos sistemas de crenças políticas existentes nos estratos mais politizados de uma sociedade e entre o conjunto dos cidadãos.
Retomo o argumento central, ao afirmar que não é possível distinguir decisões técnicas de ideológicas. Se governos, pessoas e grupos, como partidos políticos, ONGs, mantêm um conjunto de valores e crenças relativas à ordem pública e atuam a partir deles, têm uma ideologia. A técnica, por sua vez, não é “neutra”, pois seu uso está ligado a determinados meios e fins.
Certamente, a escolha de Márcio Pochmann para dirigir o IBGE, que produz informações e dados de grande relevância para o País, está baseada na intenção (ideológica) de Lula. O presidente já destacou a importância da instituição dos pontos de vista econômico e social, uma vez que as pesquisas orientam a formulação de políticas públicas e embasam diagnósticos sobre a situação social da população. Deve-se reconhecer, também, que o presidente escolheu Pochmann (aspecto técnico) porque este desfruta de uma sólida formação e experiência em Economia, como professor da Unicamp, criador de centros de pesquisa e dirigente de diversas renomadas instituições como o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

