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Fernando Horta

Fernando Horta é historiador

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O teste do tempo*

"Uma série de pequenos erros em sequência, vem tolindo a capacidade do governo de ter a mobilidade essencial para poder governar", indica

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Reprodução/TV Brasil)
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O jogo de xadrez é sempre uma aula sobre política. No xadrez é necessário que se consiga antecipar os lances do seu adversário, é necessário que os jogadores façam uma avaliação de sua posição sem se superlativar ou menosprezar e é preciso ter todas as informações possíveis sobre uma dada posição.

No governo também. E o governo Lula vem errando em todas essas atitudes. Uma série de pequenos erros em sequência, vem tolindo a capacidade do governo de ter a mobilidade essencial para poder governar. As crises que estão avultando no governo não têm causa no ministro X ou no parlamentar Y, mas num conjunto de avaliações equivocadas, tomadas cada uma sem uma visão de conjunto apropriada e que vão empurrando o governo para uma posição de não retorno.

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Me centro na correlação com o xadrez não apenas por ser enxadrista desde os 3 anos de idade, mas porque o xadrez tem a capacidade de demonstrar os resultados das nossas escolhas de forma muito mais rápida do que a política e, mesmo que alguns jogadores de xadrez tentem, o tabuleiro não permite que se culpe ninguém mais além de você mesmo. Previsibilidade e humildade.

A necessidade de antecipar

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No xadrez, se você souber os 3 próximos lances que meu adversário vai fazer SEMPRE vai ganhar a partida. Agora, quem não sabia que o apoio à reeleição de Lira seria tão somente um degrau para que ele se tornasse “primeiro-ministro” do Brasil? Quem não sabia que aceitar um remendo do “orçamento secreto” era apenas permitir que o Congresso não tivesse qualquer forma de freio e controle? Quem entre nós não sabia que o Congresso faria do marco fiscal um tapete de maldades contra o povo brasileiro e colocaria isso na conta do governo Lula?

Há quem caia na falácia do “mas qual a alternativa?”. Bobagem, a negociação com a reeleição de Lira poderia ter ocorrido com o governo marcando postura distante mandando sua base não votar em ninguém, por exemplo. Se não mudaria o resultado, ao menos não faria com que Lira fosse eleito com a enorme quantidade de voto, dando a ele um sentimento de plenipotencialidade que contagiou o restante do parlamento. Pequenas ações que, se não têm força para alterar a correlação de forças de forma imediata, ao menos enfraquece a certeza que os atores políticos têm da sua posição.

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No caso do marco fiscal ocorreu exatamente a mesma coisa. O governo tinha até 31 de agosto para apresentar um plano. E esse plano era tudo o que as elites queriam saber. Em vez de usar o tempo disponível para se fortalecer e entrar na negociação com mais força (talvez num segundo semestre já com outras questões resolvidas), o governo resolveu apresentar isso como “cartão de visitas” da negociação com as elites. O resultado? Temos um marco ruim, uma negociação política malfeita e ficamos sem lances agora. Não é por acaso que a crise política da noite passada ocorre EXATAMENTE após Haddad ter feito briosos discursos em agradecimento a Lira e a questão do marco ter sido resolvida na câmara. Ou o governo tem uma carta nova no senado para virar o jogo, ou é melhor largar esse assunto e aceitar o pior.

Sem uma visão clara da correlação de forças, da vontade, da possibilidade e história dos agentes políticos envolvidos o tabuleiro político fica sem informações para que se tome boas decisões. Um grande mestre de xadrez pode jogar sem ver o tabuleiro (se chama “xadrez às cegas”) mas nunca sem saber os lances do adversário.

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Da capacidade de se autoavaliar corretamente

São inúmeros os exemplos, no xadrez, em que um jogador que não conseguiu perceber os problemas ou potencialidades de sua posição simplesmente não conseguiu vencer ou mesmo empatar uma partida. Por vezes é preciso jogar para ganhar a partir de uma posição ruim, mas mesmo aí a avaliação que se faz de seus pontos fortes e fracos é essencial.

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A “frente ampla” que “venceu” Bolsonaro necessitou muito mais de Lula do que Lula da frente ampla. Na realidade essa “frente” só se montou a partir do depoimento desastrado e criminoso do vice-presidente Mourão tão logo terminou o primeiro turno. Eleito senador o estúpido general deu entrevista desvelando o plano de Bolsonaro para dobrar o número de ministros do STF. Ali, a “frente ampla” apareceu, e Lula que tinha tido 48,43% dos votos no primeiro turno, venceu o segundo turno com 50,90% dos votos. Sim, a “Frente ampla” é do tamanho de 2,47% dos votos. O cirismo, tebetismo, o apoio global, o voto pelo “fortalecimento das instituições” e tudo mais que se queira colocar aí são menores que 3% do total.

Isso equivale a dizer que o MST, o MTST, os sindicatos, os progressistas, professores, alunos, trabalhadores, os jornalistas da mídia alternativa, os pequenos produtores rurais e todo o resto da sociedade que sofreu com o genocídio da covid e com o empobrecimento a partir da dobradinha Guedes-Bolsonaro compõe mais de 48% dos votos. Se o governo acha impossível fazer política sem os 2,47% da frente ampla, imagine fazer sem os 48% do corpo político de seus apoios.

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Dilma caiu porque foi a primeira a acreditar que não governaria sem concessões ao parlamento coordenado por Eduardo Cunha. O governo Lula está perigosamente perto de cometer o mesmo equívoco. Durante os primeiros cinco meses de governo, os 48% dos votos de Lula ficaram carregando o piano para os 2,47% tocarem recebendo os aplausos.

Novamente a turma do “qual a alternativa?” surge. Um dos segredos da política é que as projeções de força não obedecem a padrões de transição fixos. Ou seja, não é porque se tem uma contagem de votos no parlamento que a sociedade deixe de ter papel importante no processo. Até foi sabendo disso e manejando perversamente a sociedade pelas redes sociais que o fascismo bolsonarista chegou onde chegou. No fim, estamos hipersimplificando a política como o resultado de uma lista de votos num parlamento e esquecendo de todo o contexto e entorno que também é político.

Num jogo de xadrez, conhecer a sua posição te permite saber se você está jogando para ganhar ou para empatar. Conhecer a posição do adversário, no entanto te permite querer um pouco mais do que a tua posição te permite.

Sobre se ter todas as informações possíveis

Existem inúmeros tipos de jogos usando as regras do xadrez. Alguns, como o chamado “cavalo na mão”, colocam uma informação nova e imprevisível no tabuleiro. Cada jogador pode, ao seu bel prazer colocar um cavalo novo no tabuleiro, em qualquer lugar. Se bem que os jogadores sabem dessa possiblidade, e, portanto, não é uma informação totalmente nova, a escolha do momento em que isso acontece coloca uma nova informação que não pode ser perfeitamente ponderada.

Uma das falhas que se vem apontando no governo Lula, pelo menos durante os últimos meses é a falha fragorosa no trato, busca, controle e avaliação da informação. Desde a transição esse ponto foi um fracasso total. Desde as informações obtidas por inteligência (aquelas sobre partes sensíveis da própria burocracia) até as informações que o governo passa, tudo é problemático. O golpe do dia 8 de janeiro, hoje sabe-se, foi feito a partir de um GSI controlado ainda pelo general golpista Augusto Heleno. Não houve uma desbolsonarização da máquina pública. Não houve um estudo aprofundado dos caminhos e pontos nodais da informação do governo. Estamos, para a maioria das coisas, navegando às cegas.

Ainda, o Banco Central se mostrou incapaz ou mesmo perverso no trato das informações financeiras. O caso dos “erros de cálculo” do PIB ou das dívidas é exemplar. Some-se a isso problemas na comunicação, falta de protocolos específicos para dados e informações sensíveis e a quantidade de atores que tomam decisões uns por cima dos outros e caímos no problema da falta de uma lógica para os fluxos de informação. Seja na captação, no trato ou na emissão, o governo Lula tem sido caótico neste campo.

Isso significa que os tomadores de decisão estão mal-informados, e, portanto, em condição subótima para tomar decisões. O caso do presidente no discurso dos 100 dias, ter dito que Camilo Santana “estava fazendo exatamente o que a transição lhe havia pautado” é emblemático. Mostra que o presidente está tremendamente mal assessorado e foi incapaz de reconhecer um falso argumento que lhe foi apresentado. É possível defender a postura do MEC de diversas formas (nenhuma delas que agregue capital político ao presidente), mas não a partir de uma imprecisão gritante. O erro foi de Lula? Certamente não. Foi do seu entorno que não sabe gerir a informação corretamente.

Num jogo de xadrez os jogadores se munem de toda a informação possível sobre o seu adversário. Desde todas as partidas que ele já jogou na vida, até as partidas dos seus treinadores e auxiliares. O tipo de comida que ele comeu no dia, o tipo de treinamento, se está feliz ou triste e etc. Muitas dessas informações podem parecer desnecessárias, mas elas ajudam a compor um cenário rico em que se pode buscar qualquer espaço de vantagem.

Diz-se que o genial jogador cubano José Raul Capablanca quando em sua disputa contra o também genial russo Alexandr Alekhine, em 1927 sabia que era melhor. Tinha vencido o russo em outras vezes e demonstrava superioridade sobre todos os jogadores no momento. Foi para o campeonato final sem se preparar. Realizado em Buenos Aires, conta-se que o cubano se encantou pelos ares da cidade, pelas companhias e vida noturna. Capablanca era mais forte, mais talentoso e tinha mais experiência. Perdeu. Alekhine se preparou por mais de três anos e diz-se que conhecia cada partida e cada perfume usado por Capablanca.

É hora do governo se reinventar.

* ”O teste do tempo” é o título de um dos melhores livros de xadrez já escritos. Gary Kasparov conta o caminho que fez desde o início de sua caminhada até se ombrear com os melhores jogadores e os vencer. Faz isso por uma série de partidas em que ele apresenta as “suas” ideias e as testa contra o tempo. É uma pena que o presidente Lula não joga xadrez, seria interessante lhe dar esse livro.


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