O umbigo do mundo
A convicção de que somos um grão de poeira na vastidão do universo nos ajuda a crescer e nos tornar mais resistentes às perdas e infortúnios
Pascal definiu o homem como um caniço pensante; foi melhor do que Nietzsche que achava a racionalidade humana uma espécie de doença. Pois bem, um caniço - mas pensante. A questão é que o tal caniço rapidamente se julgou o umbigo do universo ou o amo e senhor da criação, como ensina a tradição judaico-cristã numa clara atitude de impiedade cósmica.
A se achar o ponto derradeiro da criação divina, foi fácil adotar o ponto de vista de que o mundo as coisas, os seres humanos e inumanos seriam para si, só teriam sentido para si, através de uma apropriação prática, utilitária, material. Ou seja, tomados em si mesmo não teriam nenhuma importância ou valor. Nem é preciso repetir aqui o que representou tal atitude para a predação e destruição da natureza e a escravidão de outros seres humanos
Esse sentimento de onipotência sobre a natureza e o gênero humano foi diagnosticado por Freud como "narcisismo primário".. O excessivo amor por si próprio. Sentimento que alimentamos na infância e que depois abandonamos, com a idade madura, após muitas dificuldades e sofrimento.
Como diz o poeta, o que há e só o é o mundo verdadeiro, não é nós. A descoberta de que o mundo verdadeiro não é nós, ou que o peito da mãe ou o útero materno não nos pertencem, são da nossa mãe, é uma descoberta dolorosa demais para nossa vã vaidade. Mas é necessária para o descentramento do eu e a aceitação do outro , do diferente e das adversidades da vida. A convicção de que somos um grão de poeira na vastidão do universo nos ajuda a crescer e nos tornar mais resistentes às perdas e infortúnios e a empatizar com o sofrimento do outro.
A questão é que existem pessoas que nunca superaram a fase do narcisismo primário e se julgam o centro do universo. Essas são as mais perigosas e padecem de uma regressão infantil. São frias e capazes de tudo para conquistarem o que querem.
Estamos cheios de gente desse tipo: em casa, na rua, nos negócios, na política, na arte, na igreja etc. E o mal que causam não é pequeno. A si e aos demais. É em relação a esses que precisamos ter cuidado, sobretudo quando estão em situação de poder. Tivemos, há pouco tempo, um triste exemplo do que isso pode representar para milhões e milhões de pessoas.
A propósito dessa discussão, o cientista Jacques Monod afirmou que a Idade da biosfera na vida do universo é uma fração pequenina de tempo. Imagine a vida humana, dentro da biosfera. Convém que sejamos mais modestos...
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

