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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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O vergonhoso esforço de generais e empresários para amedrontar o STF

"Enredada pela Globo e pela Lava Jato, o enfraquecimento e perda da presidente Cármen Lúcia tem relação direta com o condenável pronunciamento do general Villas Boas, comandante do Exército, e o engajamento de empresários para tentar assustar o Supremo e mudar o voto da maioria dos ministros, favorável ao trânsito em julgado", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247; para PML, "o debate sobre o habeas corpus de Lula ocorre num momento em que o STF deve enfrentar uma discussão que não diz respeito a uma pessoa mas interessa a um país que tem a terceira maior população carcerária do mundo e um judiciário que pune muito e julga mal, no qual a fábula do triplex de Lula pode ser um recorde mas está longe de ser uma raridade"

"Enredada pela Globo e pela Lava Jato, o enfraquecimento e perda da presidente Cármen Lúcia tem relação direta com o condenável pronunciamento do general Villas Boas, comandante do Exército, e o engajamento de empresários para tentar assustar o Supremo e mudar o voto da maioria dos ministros, favorável ao trânsito em julgado", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247; para PML, "o debate sobre o habeas corpus de Lula ocorre num momento em que o STF deve enfrentar uma discussão que não diz respeito a uma pessoa mas interessa a um país que tem a terceira maior população carcerária do mundo e um judiciário que pune muito e julga mal, no qual a fábula do triplex de Lula pode ser um recorde mas está longe de ser uma raridade" (Foto: Paulo Moreira Leite)
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A condenável  intervenção do general Villas Boas, comandante do Exército, falando de "impunidade" horas antes do Supremo Tribunal Federal iniciar o julgamento do pedido de habeas corpus de Lula, só contribui para elevar a pressão política sobre uma decisão a ser tomada com base em fundamentos jurídicos, a partir de um esforço politico para interpretar corretamente a Constituição.

Num país que escreveu sete Constituições em 196 anos de vida independente, cabe reconhecer a mais preciosa lição dos povos que já foram capazes de evoluir na direção de um Estado Democrático de Direito: em nenhum país democrático a Justiça se decide nas ruas. Muito menos nos quartéis.

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Não custa lembrar uma das últimas intervenções militares no judiciário, em 1973. O presidente-ditador Emílio Medici obrigou o Congresso a aprovar a lei 5941, que impedia a prisão de réus primários que tivessem  endereço fixo e eram capazes de provar "bons antecedentes".  Num país no qual o habeas corpus fora abolido e a violência contra prisioneiros era uma rotina, a  finalidade real da nova legislação era proteger o delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos chefes da tortura de presos políticos no período, ameaçado de prisão por crimes ligados ao Esquadrão da Morte. Tornou-se conhecida como a lei Fleury -- e foi o embrião da cláusula da Lei de Anistia de 1979 que proíbe a punição de assassinos e torturadores, a grande, irremediável impunidade que marca a Justiça brasileira. 

Com origem num pedido da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, duas vezes presidente da República e possível candidato nas eleições previstas para outubro, o habeas corpus é uma garantia universal das democracias e não envolve nenhuma das atribuições das Forças Armadas à luz da Constituição em vigor.

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Diz respeito aos direitos e deveres dos mais de 200 milhões de brasileiros e brasileiras previstos pela Constituição de 1988. Ali, o artigo 5 LVII diz que "ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória". Não é pura retórica. Através dessa noção, se realiza o princípio, universal, nascido com o iluminismo, segundo o qual a liberdade constitui o bem mais precioso da existência humana, com exceção da própria vida. 

O mais citado intérprete da Carta de 1988 , da qual foi também um dos principais formuladores, o professor José Afonso da Silva,  titular de uma devoção absoluta à presunção da inocência devida a todo réu, assina um parecer -- voluntário -- favorável à defesa. Ali o mestre, insuspeito de qualquer simpatia particular por Lula, sustenta que "ou a presunção vale até o trânsito em julgado, ou não vale -- não há meio termo possível".

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Com o olhar de quem guardou na memória as esperanças, vitórias e desencantos  acumulados  numa existência de 93 anos, o professor não tem receio de referir-se às dores e infelicidades do Brasil de hoje. No parecer, refere-se explicitamente a recusa inicial da presidente do STF Cármen Lúcia em apreciar o pedido de habeas corpus através de um argumento que vai fundo. Diz que  que um tribunal não "se sente apequenado pelo fato de rever sua posição dos direitos fundamentais, a favor de quem quer que seja que lhe bata às portas". 

O debate de hoje deve ser visto como um esforço de amadurecimento por parte do plenário do STF. Meses atrás o ministro Marco Aurélio Mello já tinha, prontas para voto em plenário, duas ações de inconstitucionalidade que envolviam o respeito devido ao artigo 5 LVII.

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Os ministros já tinham debatido o assunto várias vezes e mudado de posição mais de uma vez, com decisões que acompanhavam as mudanças de composição do plenário e também mudanças de compreensão dos próprios ministros.

Num tribunal cada vez mais enquadrado pela aliança Lava Jato-mídia, o debate por trás das cortinas do STF mudou os dados da situação e distorceu seus fundamentos. Cortejada de modo permanente pela Globo, Cármen Lúcia só concordou em colocar o assunto em pauta quando ficou claro que sua recusa já provocava uma inédita insurreição dentro da Corte, colocando sua autoridade em risco.

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Em vez de garantir  condições favoráveis a um debate sereno e distanciado, que teria sido possível sem a vinculação imediata a um cidadão diretamente interessado, a presidente do STF colocou apenas o habeas corpus favorável a Lula em pauta.

 Como se viu nos últimos dias, essa decisão ajudou a alimentar as inconveniências que se vê agora -- a politização excessiva em função da personalização de uma causa que, obviamente, envolve a garantia explícita na Constituição. Com o debate em torno de Lula, forçou-se o retorno à cena de um personagem indigno, o Pixuleco, para esconder a luta de um cidadão atingido em seus direitos.

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 Mesmo assim, todas as informações indicam que uma nova maioria constituiu-se no STF, favorável a preservação do transito em julgado. O pronunciamento dos generais, somado ao  engajamento de empresários, que inclui a liberação de funcionários e a publicação de anúncios de jornal, tem uma relação direta com o enfraquecimento de Cármen Lúcia e seus aliados em plenário. Numa ação de fora para dentro, procura-se, vergonhosamente, amedrontar o STF.

  Numa nação que possui o lamentável título de terceira maior população carcerária do planeta -- atrás de países várias vezes mais populosos, como China e Estados Unidos -- chega a ser um insulto a inteligência falar em "impunidade"como uma grande mazela nacional. Na verdade, pune-se muito e julga-se mal, num ambiente no qual a vergonhosa fábula do triplex do Guarujá -- base da condenação que pretende levar Lula para a prisão -- é uma ficção que não para de pé. Mas está longe de ser um caso único num país onde 30% das pessoas encarceradas são mantidas atrás das grades em regime de prisão provisória, isto é, sem sentença judicial. A prioridade envolve crimes que incomodam aqueles que tem dinheiro, como mostra a estatística de 47% crimes contra o patrimônio que, ao menos formalmente, são resolvidos. Resta o desempenho nos homicídios, que envolvem a vida humana. Apenas 12% dos casos são esclarecidos. Alguém lembrou da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, num estado sob intervenção militar? 

Este é o debate que o STF tem a obrigação de enfrentar, sem intromissões indevidas que alimentam tempos que ninguém quer trazer de volta.

  

 

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