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Pablo Arantes

Pablo Arantes é doutor em linguística pela Unicamp

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Ódio e eleição, governo e civilização

O linguista Pablo Arantes, colunista do 247, analisa a performance política de Hamilton Mourão e destaca as movimentações estruturais no campo da linguagem que deverão antecipar mudanças consideráveis na continuidade do governo Bolsonaro; sobre flertes sucessórios no Planalto, ele diz que a elite brasileira mergulhada outrora em Bolsonaro, precisará "de alguém que 'fale com suavidade e tenha à mão um grande porrete', como dizia Teddy Roosevelt. Mourão, encenando posições moderadas e uma performance "racional", construindo a ideia de alguém que fala para todos e não apenas para a base bolsonarista, credencia-se a ser o portador do porrete"

Ódio e eleição, governo e civilização
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A respeito do papel dos valores morais na comunicação política, assunto que discuti em minha coluna anterior a partir do livro "Don't think of an elephant" do linguista George Lakoff, as recentes movimentações do vice-presidente da República Hamilton Mourão dão oportunidade de propor algumas elaborações a respeito da tese dos frames políticos. 

As movimentações de Mourão no sentido de mostrar-se moderado, como avaliou Eliane Brum em artigo para o El País, além de suas declarações sobre o caráter "humanitário" da liberação de Lula para comparecer ao sepultamento do irmão e  sobre o aborto ser "uma decisão da pessoa" ocuparam analistas na semana em que o governo completou seu primeiro mês. Trata-se de uma precoce revolta do vice que recusa um papel que considera decorativo? Ou uma ilusão de ótica (perto de Bolsonaro, Mourão poderia ser confundido com um liberal), como sugere Brum?

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Mourão, grama por grama, é mais conservador do que Bolsonaro. É catedrático na escola onde Bolsonaro foi aluno medíocre e indisciplinado. Cultua Brilhante Ustra a mais tempo do que seu subalterno de patente. Mourão tem compromisso mais firme com os interesses que colocaram a dupla nos palácios que agora ocupam. Antes das sinalizações de moderação, fez declarações classificando os direitos trabalhistas como "jabuticabas" e "mochilas" que os patrões precisam carregar.

Bolsonaro, em comparação, é um pacote confuso: apesar de ter passado a fazer declarações de apoio a um programa econômico ultraliberal, no passado já defendeu o fuzilamento de FHC pela privatização do que era a Vale do Rio Doce; sua conversão religiosa ao neopentecostalismo fundamentalista obriga-o a um alinhamento com Israel que é ameaçador para as relações comerciais brasileiras com o mundo árabe; sua adesão a teses como a negação da mudança climática, que pode levar à saída do Brasil do acordo de Paris, junto com o aceno para a completa liberação dos agrotóxicos, pode ser fatal para o agronegócio brasileiro.

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O que pode explicar que Bolsonaro, com tantas arestas e cantos cortantes, tenha sido aceito, ainda que com relutância, pelo capital e seus porta-vozes na mídia monopolista? Sabemos que os candidatos que representam o projeto das classes dominantes brasileiras precisam se enrolar em alguma bandeira. Nu, esse projeto não tem chance eleitoral.

As eleições presidenciais desde 2006 devem ser olhadas como embates entre o lulismo e o antilulismo/antipetismo. Os desafiantes, Alckmin, Serra e Aécio, podem até cultivar ilusões sobre seus méritos individuais nos pleitos de que participaram, mas a verdade é que a maioria dos votos que receberam eram expressão de negação ao projeto petista.

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O que vivemos de diferente em 2018, e que ajuda a explicar Bolsonaro, foi a culminação de um processo de mudança na estratégia de construção do antipetismo. O frame da "corrupção", que foi o fundamento do discurso antipetista a partir de 2005, como resultado da CPI dos Correios e a subsequente fabricação do "mensalão", não foi capaz de conseguir a vitória da oposição nas eleições presidenciais.

A estratégia adotada pelos derrotados foi radicalizar. De frames ligados à "corrupção" (esfera administrativa), passaram a associar o projeto petista a frames ligados à ideia de "organização criminosa" (esfera penal) e, finalmente, a frames ligados à moralidade sexual (lembremos de fabricações como o "kit gay" e a "mamadeira erótica").

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Essa sucessão culminou no que muitos chamaram de "discurso do ódio", sem que se notasse esse trânsito de temas administrativos rumo a questões morais muito básicas (seriam as aproximações sucessivas de que Mourão falou quando ainda estava na ativa?). Desse ponto de vista, em 2018 Bolsonaro restou como alternativa por duas razões.

Uma delas foi o dano colateral sofrido pelos partidos tradicionais da direita causado pelo discurso antipetista, principalmente por efeito do uso dos frames ligados à "corrupção". Como o estrago não se limitou ao campo petista, o fenômeno foi chamado de "antipolítica".

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A segunda é que a campanha de Bolsonaro foi a que explorou com maior ganho os temas do discurso antipetista evocados por temas morais básicos e, portanto, mais suscetíveis a gerar reações fóbicas. Usou de forma estratégica meios técnicos para criar e difundir em escala industrial material que explorava os frames que teriam mais chance de influenciar públicos segmentados. Sabemos qual foi o resultado.

Voltando a Mourão, seus movimentos sugerem que esteja explorando a seguinte questão: explorar o discurso do ódio foi fundamental para ganhar a eleição; funcionará para governar o país? O discurso do ódio energizou decisivamente cerca de 30% do eleitorado e tornou-se parte integral da figura de Bolsonaro.

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Os desdobramentos dos escândalos envolvendo sua família e as milícias podem resultar na perda de sua credibilidade como defensor de parte importante da pauta do antipetismo, em especial os frames da "honestidade" e "moralidade pública".

Mourão pode ter se dado conta de que talvez seja mais estratégico não alienar os 70% do país que não aderiram ao bolsonarismo e ao discurso de ódio. O recurso que vem fazendo de ativar em suas falas frames ligados a valores da civilização, como direitos humanos e reprodutivos, gera repúdio por parte da base bolsonarista mas acena em direção a parcelas mais amplas da sociedade, inclusive setores que apoiaram o bolsonarismo por conta de sua agenda econômica, mas que se incomodavam com o resto.

As classes dominantes aceitaram Bolsonaro porque ele foi o veículo disponível para impor suas reformas sociais ultraliberais. O resto é detalhe. Mas sabem que Bolsonaro é uma figura instável e despreparada, um fio desencapado. É prudente, portanto, ter opções à mão.

Sabem também que, se conseguirem o que querem, haverá enorme insatisfação popular. Nesse caso, precisarão de alguém que "fale com suavidade e tenha à mão um grande porrete", como dizia Teddy Roosevelt. Mourão, encenando posições moderadas e uma performance "racional", construindo a ideia de alguém que fala para todos e não apenas para a base bolsonarista, credencia-se a ser o portador do porrete.

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