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Júlio César Santos

Advogado, professor, Doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Diretor do Instituto Luiz Gama.

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Onde está Erick?

Erick Santos, 24, desapareceu em meio às enxurradas que transformam as ruas de São Paulo em rios. O pai do rapaz, desde então, busca todos os dias pelo filho

No dia seis de fevereiro deste ano, Erick Santos, um rapaz de 24 anos, desapareceu em meio às violentas enxurradas que transformam as ruas de São Paulo em rios que tudo arrastam. O pai do rapaz, um homem negro da periferia da cidade, desde então, vai todos os dias ao local do desaparecimento na esperança de encontrar algum rastro do garoto. 

Em entrevista ao G1, o pai de Erick disse uma frase que me comoveu profundamente: “Se for possível passar o ano inteiro nessa busca…Ela vai continuar até encontrar o meu filho. Se Deus recolheu ele, eu só quero, nem que seja, o corpo dele para eu fazer um enterro digno do meu filho. Eu preciso disso. Eu preciso pelo menos dar essa dignidade para ele".

A imagem desse pai desesperado por dar um enterro digno para o corpo de seu filho me lembrou o canto 24 da Ilíada, quando Príamo vai até o acampamento de Aquiles para pedir o corpo de seu filho, Heitor, que o grande lutador grego vilipendiava, desfigurava e destruía, tomado pela ira. 

Apesar da Ilíada ser um poema da força e da violência, como pensou Simone Weil, a cena é cheia de delicadeza e pathos, uma das mais comoventes de toda a história da literatura. Príamo queria que a barbárie com o cadáver de seu filho cessasse e o corpo lhe fosse entregue para que ele pudesse dar a Heitor um destino digno. Como o pai de Erick. Aquiles, comovido, cedeu.

É improvável que o senhor Joselito tenha o consolo que teve Príamo. Imagino que ele tampouco receba como um pedido de desculpas do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, o que poderia ser um pequeno lenitivo para sua dor. O homem que ocupa o poder na maior cidade da América Latina já demonstrou que é totalmente incapaz de assumir qualquer tipo de responsabilidade. Para ele, o problema é sempre dos outros. 

O bode expiatório da vez é o governo federal, acusado pelo prefeito de estar preparando a situação para a renovação da concessão de energia de São Paulo. Para tirar o foco da sua incompetência, o prefeito criou um factóide. A tática é velha, surrada e enche de indignação quem vive na cidade mais rica do país, mas precisa viver com medo da chuva. 

Ricardo Nunes acabou com a permeabilidade do solo da cidade com sua política de recapeamento que desconsidera as chuvas, fez um plano diretor que verticaliza áreas inteiras e vai agravar a situação ano a ano e mesmo com o maior orçamento que a cidade já teve, não consegue o básico: manter bueiros desentupidos e árvores podadas. Quando começa a chover e você se apavora pensando onde estão seus filhos é dele a responsabilidade. 

Na Ilíada, Aquiles, em sua matança iracunda, encheu o Rio Xantos de cadáveres. O curso d’água, não aguentando mais tantas mortes, vendo o seu leito tingido pelo sangue dos troianos que o grego massacrava, entrou em luta aberta contra ele. Revoltando suas águas, ameaçou jogar contra ele todos os corpos que boiavam sem sepultura. 

A sociedade paulistana, como o Rio Xantos, não deve aceitar a politicagem do prefeito. Chegou a hora de exigir que Ricardo Nunes assuma a responsabilidade de evitar as tragédias que não param de enlutar a cidade. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.