Onde estão os pés, está a cabeça
'As vitórias revolucionárias têm um poder insuperável de convencimento', escreve o sociólogo Emir Sader
O otimismo e o pessimismo podem ser inteligentes ou não. Podem ser um otimismo que toda ideia de transformação do mundo precisa. Ou serem uma visão cética, que na realidade acaba sendo uma trava a toda saída positiva das crises.
Tudo depende de onde se fala. De onde se tem os pés, como se fala no título deste texto.
Difícil se abstrair de um texto escrito desde a Argentina ou a Bolívia de hoje, sem nos darmos conta do tom pessimista. Da mesma forma que é impossível perceber em textos escritos do México e do Brasil, um tom otimista. Sem reduzir as análises de um lugar ou de outro, à mera localização geográfica ou política.
Os bolcheviques, diante da sua extraordinária e surpreendente vitória, achavam que se iniciava ali a revolução mundial e a derrubada do capitalismo em todo o mundo. A fundação da Terceira Internacional se deu para colocar esse projeto em prática.
Tinham os pés sobre uma sociedade revolucionada, que parecia apontar para a fragilidade do capitalismo e para o poderio da ação do proletariado, como classe dirigente. Era o otimismo em estado puro.
As vitórias revolucionárias têm um poder insuperável de convencimento. A força da vitória surpreendente da Revolução Cubana continha um poder de argumentação, como se fosse possível reproduzir algo similar em outros países do continente, independente das suas condições sociais e políticas específicas. E sem levar em conta que em outros países, depois da Revolução Cubana, o fator surpresa já não valia mais. O imperialismo e a direita estavam alerta diante de qualquer manifestação de esquerda.
Como convencer a um jovem no Brasil, de forma diferente ao chamado do Marighella e do Lamarca para reproduzir a vida guerrilheira da Revolução Cubana aqui? A morte do Che parecia ser apenas uma circunstância concreta e não o sinal de que havia que refletir sobre o caminho das guerras de guerrilhas no continente. Sua morte se haveria dado por circunstâncias políticas locais e seu sacrifício seria uma nova conclamação a seguir a mesma via.
O otimismo parecia estar do lado da reprodução da via da Revolução Cubana. Todo sintoma era interpretado com um tom otimista, sobre as guerrilhas na Venezuela, no Peru, na Guatemala, na Argentina e no próprio Brasil. Os que divergiam pareciam pessimistas, que não acreditavam na força da luta revolucionária.
Quando Marighella foi à reunião da Osal em Cuba, numa sala com a frase do Che: “O dever de todo revolucionário é fazer a revolução”, voltava com uma convocação forte para a juventude de esquerda. Escreveu o Manual do guerrilheiro urbano, cujo primeiro capítulo tinha o título: A alma do guerrilheiro é a bala!
A solidão em que foi pilhado pela repressão numa alameda de São Paulo, assim como também a solidão em que foi morto Lamarca no interior da Bahia, eram não apenas expressões de seus isolamentos de massa, mas também de como o projeto da guerrilha rural não avançava e seu isolamento na cidade e no campo era fatal.
O pessimismo predominou, a partir dali. A própria morte do Che passou a ser reinterpretada como um sinal do esgotamento do período guerrilheiro na América Latina. O capítulo seguinte da esquerda latino-americana já foi bem distinto, com a vitória eleitoral de Salvador Allende, em 1970 – três anos depois da morte do Che -, e sua proposta da construção do socialismo pela via legal e institucional.
O otimismo mudou de lugar e de fisionomia. Das forças guerrilheiras, o eixo da esquerda latino-americana se transferiu para a luta política e legal. O socialismo parecia ter uma trajetória distinta para se realizar. Os pés da esquerda mudavam de terreno e o otimismo ganhava novos contornos. Volto à atualidade latino-americana. Repito: encarar o futuro desde Buenos Aires ou São Paulo, da Cidade do México ou de La Paz, contem fortes pesos otimistas ou pessimistas.
Haveria então que ser otimista ou pessimista? Eu sempre tendo ao otimismo. A militância política requer um grau de otimismo, de crença na força da organização popular, de confiança na capacidade de condução dos dirigentes de esquerda, sem o que a confiança na possibilidade de transformação do mundo não tem sentido.
O pessimismo, embora possa parecer realista em certas circunstâncias, tem um componente de perda de confiança no potencial de transformação da realidade, até de desmoralização dos que estão em outra perspectiva, que até produz ceticismo. Ceticismo, que é uma doença infantil do pessimismo.
Quem tem razão, sempre fica transferido para o futuro. Mas a capacidade do pensamento dialético, foi muito bem resumida por Lenin, em sua enorme capacidade de síntese: “A análise concreta da situação concreta é a alma viva, a essência do marxismo.” E, para terminar com outra citação, otimista, como dizia Sartre, um não marxista: “O marxismo é a filosofia insuperável do nosso tempo.”
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



