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Fernando Lavieri

Jornalista, com passagens pela IstoÉ e revista Caros Amigos

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Operação Just Cause e afins

Mais uma vez, os EUA inventam falsa história para intervir militarmente em nação sul-americana. O presidente da vez mudou, mas a rotina de mentiras continua

Donald Trump e Nicolás Maduro (Foto: Manaure Quintero/Reuters I Piroschka Van De Wouw/Reuters)

No dia 20 de dezembro de 1989, os Estados Unidos enviaram tropas militares, muitas tropas, para invadir o Panamá. O ataque sanguinário começou à noite, durou três dias e a população, cerca de 2,5 milhões, foi rapidamente dominada. Nesse momento cruel, infernal, vinte e sete áreas foram atingidas, algumas densamente povoadas. Os estadunidenses aplicaram violência atroz contra os panamenhos com amplo bombardeio aéreo, mais de quatrocentas bombas arremessadas. O resultado foi algo brutal, o Panamá foi destroçado: algo como vinte mil pessoas perderam suas casas, cerca de quatro mil civis morreram com a instalação da Operação Just Cause, mas o número exato ainda é um mistério, pois os militares estadunidenses controlaram por anos os hospitais e cemitérios. Sabe-se, no entanto, que a barbárie protagonizada por Washington foi completa. Houve campos de concentração, queima de corpos, outros jogados ao mar e covas coletivas. O presidente dos EUA na época era George Bush, o pai. Ele alegou, sem demonstrar remorso algum, que aplicou extrema brutalidade contra o Panamá para assegurar a vida dos estadunidenses que viviam no Panamá. Patranha! O sistema de Justiça ianque cooperou com a barbárie e autorizou com celeridade a prisão de Manuel Noriega, presidente do Panamá, que fora arrancado de seu país. O conluio entre o Judiciário e o Executivo foi integral. Manuel Noriega foi julgado, condenado e preso nos EUA por narcotráfico e extorsão. O Tio Sam, naquela fase, havia abandonado as acusações em torno do tema sobre o “perigo” universal de implantação do comunismo internacional, era coisa da Guerra Fria.

Naquele tempo da invasão do Panamá, como agora, a farsa da Casa Branca foi plenamente adotada pela grande imprensa. A imposição do discurso que vem de Washington é tão forte que, independentemente de quão sombrio, perverso ou inverossímil ele seja, fica compreendido como a verdade. Por quê? Nesse contexto, vamos à Venezuela. Primeiro, na Venezuela não há ditador monstruoso à frente da nação, um líder de esquerda que oprime a sua população, domina a Justiça e o Legislativo. Um tirano que obrigou a Justiça Eleitoral a retirar os direitos políticos de inocentes, como a pobre e indefesa Maria Corina Machado. Na ótica da imprensa e da extrema direita latino-americana, ela teria chances reais de derrotar o chavismo nas eleições presidenciais de 2024. Depois, o fato de o presidente Donald Trump afirmar que o seu colega Nicolás Maduro é chefe inconteste de perigosa organização narcoterrorista internacional tampouco é válido. Mas, a partir da visão estadunidense, de forma alguma Maduro pode continuar no poder e, assim, com a aceitação universal do discurso mentiroso, Donald Trump e Marco Rubio podem fazer qualquer coisa contra a Venezuela. E o que a cruel dupla anda fazendo? É fundamental lembrar: definiram recompensa pela cabeça de Maduro, cinquenta mil dólares; explodiram vinte e um barcos, matando mais de oitenta pessoas sem prestar contas a ninguém; e enviaram frota marítima ameaçadora às águas internacionais.

Agora, por que pontuar que as acusações feitas pelos EUA a respeito da geopolítica são mentiras absolutas? Resposta: primeiro, porque as imputações são mesmo inverídicas se olharmos os fatos e principalmente a história das guerras produzidas por Washington. E, em segundo lugar, porque a mentira é um meio de convencimento universal e convencer é fundamental para que não haja reação. Em outras palavras, estar atento ao discurso estadunidense é tão importante quanto às ações que certamente virão. Ainda sobre a Venezuela, imagine que a nação vizinha, ao invés de petróleo, tivesse ameixas e rúcula em quantidades suficientes para durar cem anos, como ela tem petróleo. Haveria essa enorme preocupação com a democracia naquele país? Evidentemente, não. Mais: fosse a Venezuela uma ditadura terrível, haveria candidatos oposicionistas disputando eleições? Evidentemente, não. Se a oposição não cumpre as regras eleitorais, simplesmente não pode concorrer. Ah, e Juan Guaidó? Ora garimpeiro, ora político de oposição ao chavismo, ora autoproclamado presidente da Venezuela e prontamente reconhecido internacionalmente como chefe de Estado; ele, em meio ao bloqueio econômico estadunidense, foi alçado como gestor dos recursos financeiros da Venezuela no exterior e hoje passa noites de sono tranquilo em Miami. Nicolás Maduro, se fosse ditador e narcoterrorista perigoso, teria que, por óbvio, mandar assassinar Juan Guaidó, certo? Isso ocorreu? Evidentemente, não. Por essas e muitas outras, é patente: não há ditadura na Venezuela. O que Donald Trump e outros presidentes ianques sempre quiseram é controlar o território e principalmente o petróleo. Hoje, apenas falta dar um nome à operação para que ela seja iniciada.

O ex-presidente Hugo Chávez certa vez contou que, em conversa com Fidel Castro, o grande líder cubano, latino-americano, o alertou sobre as verdadeiras intenções dos Estados Unidos. Disse algo assim o presidente Chávez: “trata-se da fórmula Noriega, eles, os EUA, tentarão me acusar da mesma forma. ‘É um narcotraficante internacional!’”. Muito bem. Ambos, Fidel Castro e Hugo Chávez, sabiam das coisas. E, por se tratar de um criminoso narcotraficante, os EUA estão previamente autorizados a fazer o que acharem necessário para libertar o povo da tirania e reestruturar a democracia, certo? É exatamente o que os Estados Unidos pretendem fazer agora contra a Venezuela e o presidente Nicolás Maduro. O império estadunidense continua seguindo a mesma cartilha do século XX: Doutrina Monroe e a política do Big Stick.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.