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Pedro Maciel

Advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007

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Operário em construção

"Bem, o poema em questão trata de liberdade e igualdade, fala de dignidade e ética; é uma metáfora para a construção da consciência; é um texto de seu tempo, fortemente influenciado por preocupações sociais e políticas"

(Foto: Arquivo pessoal)
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E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.E Jesus, respondendo, disse-lhe:– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorará o Senhor teu Deus e só a Ele servirá.(Lucas, cap. V, vs. 5-8)

Como nem só de mau-humor vive o ser humano, busquei na biblioteca de casa um livro de poesia, certo de que isso me traria de volta a necessária leveza, acabou “caindo” nas minhas mãos um livro de Vinicius de Moraes. 

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Comecei a leitura e me deparei com o poema “Um operário em Construção”.

Reler o poema me levou de volta a 1979, ao Colégio Vitor Meirelles, além de me trazer a gostosa lembrança da Professora de Literatura, a “Dona” Enide, que me apresentou livros fundamentais para minha formação; lembranças de um tempo em que éramos donos do mundo, que podíamos tudo, que tudo era alcançável.

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Bem, o poema em questão trata de liberdade e igualdade, fala de dignidade e ética; é uma metáfora para a construção da consciência; é um texto de seu tempo, fortemente influenciado por preocupações sociais e políticas.

A primeira estrofe apresenta o operário da construção civil, ainda sem consciência de sua importância na sociedade e para a sociedade.

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Era ele que erguia casas

Onde antes só havia chão.

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Como um pássaro sem asas

Ele subia com as casas

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Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconheciaDe sua grande missão

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Nos versos seguintes, as palavras liberdade e escravidão estão presentes.

Não sabia, por exemploQue a casa de um homem é um temploUm templo sem religiãoComo tampouco sabiaQue a casa que ele faziaSendo a sua liberdadeEra a sua escravidão.Em contraste com a alienação inicial, o operário é tomado por uma súbita revelação e a tomada de consciência de que tudo à sua volta é fruto de seu trabalho: “casa, cidade, nação! / Tudo o que existia / era ele quem o fazia”.

A partir desse ponto, o poema mostra como a tomada de consciência do operário, revelação que passa a interferir em seu dia a dia.

O operário emocionado

Olhou sua própria mão

Sua rude mão de operário

De operário em construção

E olhando bem para ela

Teve um segundo a impressão

De que não havia no mundo

Coisa que fosse mais bela.

Os versos “O que um operário dizia / outro operário escutava” representam a necessária interação, o compartilhar, o semear ideias para que floresçam consciências livres e críticas. O poeta promove uma reflexão sobre as desigualdades existentes:

Notou que sua marmitaEra o prato do patrãoQue sua cerveja pretaEra o uísque do patrãoQue seu macacão de zuarteEra o terno do patrãoQue o casebre onde moravaEra a mansão do patrãoQue seus dois pés andarilhosEram as rodas do patrãoQue a dureza do seu diaEra a noite do patrãoQue sua imensa fadigaEra amiga do patrão.Versos mostram a influência do operário sobre os outros empregados, até o momento em que é delatado pelos colegas: “Como era de se esperar/ As bocas da delação/ Começaram a dizer coisas/Aos ouvidos do patrão.”. O patrão ordena que o funcionário seja “convencido” a mudar suas convicções.

Dia seguinte, o operário

Ao sair da construção

Viu-se súbito cercado

Dos homens da delação

E sofreu, por destinado

Sua primeira agressão.

Teve seu rosto cuspido

Teve seu braço quebrado

Mas quando foi perguntado

O operário disse: Não!

A epígrafe que abre o texto é extraída do evangelho de São Lucas (Lc 5, 5-8). Na passagem bíblica, Cristo é levado pelo Diabo ao alto de um monte e ali é desafiado a adorar seu opositor. No poema o operário é desafiado a abandonar sua ética em troca de favores de seu patrão, após esse perceber que nem mesmo a violência o convenceria:

De sorte que o foi levandoAo alto da construçãoE num momento de tempoMostrou-lhe toda a regiãoE apontando-a ao operárioFez-lhe esta declaração:– Dar-te-ei todo esse poderE a sua satisfaçãoPorque a mim me foi entregueE dou-o a quem bem quiser.Dou-te tempo de lazerDou-te tempo de mulher.Portanto, tudo o que vêsSerá teu se me adoraresE, ainda mais, se abandonaresO que te faz dizer não.O poeta se refere a duas classes sociais que vivem em lados opostos: “Via tudo que fazia / O lucro do seu patrão/ E em cada coisa que via / Misteriosamente havia / A marca de sua mão. / O trabalhador reluta e, ao dizer “Não!”, ou seja, a liberdade de pensamento e a ética do operário não são negociáveis.O poema é de 1959, mas a realidade mudou pouco, tanto que em 2020 o Papa Francisco assinou a Encíclica “Fratelli Tutti”, propôs um caminho de fraternidade, “uma forma de vida com sabor do Evangelho”, ou seja: amar o próximo como a ti mesmo.O mundo precisa de fraternidade, e a encíclica é um texto dedicado à fraternidade e à amizade social e procura acender uma luz de esperança numa humanidade sofrida, pois, sem fraternidade não há liberdade e igualdade, sem fraternidade nunca nos encontraremos em experiência de autêntica liberdade e igualdade.

Se olharmos com atenção para aquilo que orienta a vida pública da comunidade internacional, a fraternidade não foi verdadeiramente assumida, essa é a razão das dificuldades em vivermos a liberdade e a igualdade. 

Sem fraternidade nunca viveremos liberdade e igualdade. 

Nós não podemos silenciar, pois apesar de muitos amarem Vinicius de Moraes e o Papa Francisco, parece que poucos os ouvem, afinal continua a haver nações ricas e nações pobres e pouca fraternidade. 

Essas são as reflexões.

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