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Luciano Cerqueira

Pesquisador do Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior (GEA-ES) da Flacso Brasil; Pesquisador associado do Laboratório de Políticas Públicas (LPP-UERJ) e Doutor no Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da UERJ

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Os caminhos da Educação no Governo de Jair Bolsonaro

Com a redução de recursos para investimentos aprovada pela Proposta de EmendaConstitucional 55, que congela as verbas para a Educação por 20 anos, é sabido que as condições de trabalho nas universidades públicas irão se agravar, ano após ano.

Presidente Bolsonaro assina decreto liberando a compra de armas para cidadãos de bem. (Foto: Lula Marques)
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Com a redução de recursos para investimentos aprovada pela Proposta de EmendaConstitucional 55 (a PEC dos Gastos), que congela as verbas para a Educação por 20 anos, é sabido que as condições de trabalho nas universidades públicas irão se agravar, ano após ano. O que muitos não esperavam é que, já em 2019, o cenário estivesse perto da paralisia total, não só no ensino mas também nas pesquisa e extensão. Esse desmonte, que vem desde a saída de Dilma Rousseff da Presidência da República 2 , acentuou-se com Michel Temer e, agora, parece muito próximo de atingir seu ápice com apenas 6 meses de governo de Jair Bolsonaro, que transformou o Ministério da Educação (MEC) em um instrumento de perseguição a docentes, estudantes e aos defensores de ideais que considera serem seus inimigos.

Para essa cruzada contra a Educação obter sucesso é preciso existir pessoas dispostas acolocar as propostas de desmonte em prática. E isso, ao que tudo indica, parece não ser problema para o atual governo que, em menos de 6 meses, já nomeou o seu segundo Ministro da Educação. Ou, por outro lado, pode ser um baita problema, visto a escassa competência demonstrada pelos escolhidos.

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O primeiro Ministro da Educação foi Ricardo Vélez Rodríguez,  teólogo, filósofo,ensaísta e professor colombiano naturalizado brasileiro que, na rápida passagem pelo MEC (100 dias), se envolveu em diversas polêmicas, muitas delas ligadas diretamente à Educação Superior. A primeira controvérsia em que o Ministro se envolveu foi a publicação de um edital para compra de livros sem a indicação de aspectos importantes que deveriam nortear a aquisição das obras. Dentre os critérios que tradicionalmente constavam de editais similares, podemos ressaltar a exclusão daqueles restritivos à compra de obras com erros (aqui não sabemos se seriam permitidos só erros ortográficos ou se também erros históricos) e propagandas. O edital também não trazia mais a exigência de que as obras retratassem a diversidade étnica e o compromisso com ações de combate à violência contra a mulher. No dia seguinte à sua publicação, o edital foi anulado.

Ainda no mês de janeiro, o Ministro exonera do cargo a presidente do Instituto Nacionalde Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Maria Inês Fini, no cargo há 3 anos. No lugar dela, nomeia o ex-professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) MarcusVinicius Rodrigues, que fica no cargo somente dois meses e sai fazendo críticas ao então Ministro.

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No mês seguinte, o Ministro anuncia a extinção da Avaliação Nacional de Alfabetização(ANA), salientando que a expectativa era de que as crianças fossem avaliadas no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). No entanto, na portaria do Saeb não havia qualquer menção à realização da avaliação por meio do sistema. Um dia depois, a decisão anunciada foi anulada. Em seguida, o Ministro anuncia a retomada do Projeto Rondon 3 e a intenção de levar de volta às escolas as aulas de Educação Moral e Cívica.

Ainda em fevereiro, o então Ministro envia uma carta a todas as escolas do país pedindo paraque fosse lido o slogan de campanha de Jair Bolsonaro e que as crianças fossem filmadas cantando o Hino Nacional. Tal atitude feriu frontalmente a Constituição Federal, por transgredir os princípios de impessoalidade e publicidade. Além disso, a gravação de crianças sem autorização dos responsáveis contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No entanto estas atitudes, mesmo flagrantemente contrárias à lei, não culminaram com a demissão do Ministro. Espontaneamente, a única medida corretiva adotada posteriormente pelo MEC foi a exclusão da orientação de leitura do slogan de campanha.

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Nova polêmica envolvendo a pasta deu-se quando, já sob nova direção, o Inep nomeou umacomissão para monitorar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e avaliar o conteúdo das provas. A comissão em questão seria responsável por fazer uma “leitura transversal” das questões que fazem parte do banco de dados do MEC, a fim de averiguar se estas questões estavam de acordo com a realidade social. Por conta do ato ter a clara intenção de censurar temas, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF)  pediu esclarecimentos ao MEC. A comissão que foi criada por meio de portaria continua valendo. Ainda com relação aos conteúdos, outra polêmica. Vélez disse que faria uma revisão nos livros didáticos que contam a história do golpe de 1964 e da ditadura militar no Brasil, por entender que o ocorrido foi fruto de “decisão soberana da sociedade brasileira”, sendo certo que mudanças poderiam ser aplicadas ao conteúdo progressivamente. Educadores e historiadores afirmaram que a revisão seria um retrocesso.

Foram dias de muitas controvérsias envolvendo não só o Ministro, mas envolvendo amaioria dos integrantes do segundo escalão do Ministério. Nesse tempo, foram substituídos vários funcionários de carreira do MEC, que deram lugar a pessoas de confiança do Ministro e, em seguida, foram estes substituídos por militares, sem nenhuma ligação com a pasta da Educação.

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Depois de muitas especulações sobre o futuro do Ministro, no início de abril, JairBolsonaro demite Ricardo Vélez e nomeia em seu lugar Abraham Weintraub. Weintraub é professor licenciado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mestre em administração na área de finanças e graduado em ciências econômicas pela Universidade de São Paulo (USP).Foi integrante da equipe de transição de Bolsonaro e ocupou o cargo de secretário executivo da Casa Civil, sob o comando de Onyx Lorenzoni.

Com a chegada do novo Ministro, os ataques à Educação Superior se intensificaram.Uma das primeiras medidas tomadas foi anunciar o corte de recursos destinados a universidades e a institutos federais que não apresentassem o desempenho acadêmico esperado e, ao mesmo tempo, que promovem “balbúrdia” em seu campus. O contingenciamento, segundo informou inicialmente o governo, seria aplicado sobre gastos não obrigatórios, como: água, luz, terceirizados, obras, equipamentos e realização de pesquisas. Despesas obrigatórias, tais como assistência estudantil, pagamento de salários e aposentadorias, não seriam afetadas.

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De acordo com Weintraub, universidades 4 têm permitido que aconteçam em suasinstalações eventos políticos, manifestações partidárias ou festas inadequadas ao ambiente universitário. Tudo isso feito com o dinheiro público. Quando questionado se este critério, na verdade, não se caracterizava uma “lei da mordaça” nestas universidades – dessa forma ferindo o direito da liberdade de expressão de estudantes e professores – o ministro defendeu-se dizendo que não tinha a intenção de “calar” ninguém. Mas, para que a “mordaça”, via corte de repasses, não acontecesse era obrigatório que as universidades mantivessem seu desempenho.

Ocorre que, a despeito do que declarou o Ministro, as universidades acusadas depromover “balbúrdia” são destaque nas avaliações internacionais. O ranking da publicação britânica Times Higher Education (THE), um dos principais em avaliação do ensino superior, mostra que Unb e UFBA tiveram uma ótima avaliação na última edição. Junto a isso, relatório recente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – o Clarivate, de 2018 5 – demonstra que, das 20 universidades que mais produzem conhecimento no país, 15 são federais. Após a polêmica dos critérios subjetivos ter sido duramente atacada, o governo decidiu generalizar o corte (insistindo em chamá-lo de contingenciamento). Assim, todas as universidades passaram a perder recursos indiscriminadamente.

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Esse cenário tem trazido uma série de consequências para as universidades federais.Com o corte, percebe-se uma falta de ânimo dos docentes que estão chegando às universidades, pois se, antes, esse era um trabalho que garantia estabilidade e satisfação, hoje tem levado apreensão aos novos docentes 6 . O corte também afetará a formação de novos mestres e doutores, especialmente nas áreas em que o corte de recursos impediu aaquisição de equipamentos. Além disso, tem a questão das bolsas de estudos que serão canceladas, deixando milhares de estudantes sem recursos para estudarem e desenvolverem suas pesquisas.

No fim do ano passado, entidades da comunidade científica brasileira solicitaram umaumento de repasse ao CNPq 7 , de cerca de R$ 800 milhões, para que fosse possível manter o mesmo patamar de recursos de 2018. As entidades chamaram atenção para o fato de que o pagamento de bolsas de iniciação científica e de pós-graduação poderia ser suspenso em setembro de 2018, prejudicando cerca de 80 mil bolsistas. A redução (ou extinção) do financiamento das bolsas pode trazer impactos negativos para todos, pois este tem sido o berço da descoberta e da formação de talentos na área de pesquisa nas últimas décadas. Os cortes também atingiram o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que perdeu 42,2% do seu orçamento.

No total, considerando todas as universidades, o corte é de R$ 1,7 bilhão, o querepresenta 24,84% dos gastos não obrigatórios (chamados de discricionários) e 3,43% do orçamento total das federais. Por conta dos cortes na área da Educação, o Ministro Weintraub foi convocado a prestar esclarecimentos durante audiência na Comissão de Educação do Senado Federal, no último dia 07 de maio, ocasião em que defendeu a ideia de que não haveria corte, mas sim um contingenciamento. Além disso, o Ministro coleciona (assim como fez seu antecessor) uma galeria de polêmicas, a exemplo de ter afirmado ser contra a criação de novos cursos de Filosofia no Nordeste; ter nomeado (contrariamente aos anseios de toda a comunidade acadêmica local) uma interventora para a reitoria da Universidade Federal da Grande Dourados; ter afirmado que a maior parte das bolsas de pesquisa destina-se à área de Humanas e que esse investimento não traz retorno efetivo ao país etc.

Vemos hoje que a possibilidade da situação orçamentária ser revertida é mínima (pelomenos nos próximos anos), porque o atual Congresso Nacional é composto por poucos representantes com interesse em fomentar a Educação e a Pesquisa Científica no Brasil e por muitos que representam o interesse do capital ligado à Educação. As medidas do governo Bolsonaro para a Educação, apenas ratificam a ideia de que somos um país que não pesquisa, um país que não se envolve, e não envolve os seus cidadãos, na pesquisa científica e tecnológica. Um país que não pesquisa, que não produz conhecimento, está fadado a se restringir única e exclusivamente a ser produtor de bens primários.

Com a manutenção dos cortes dos recursos para a manutenção de prédios, laboratórios,bibliotecas etc., assistiremos ao sucateamento da Ciência brasileira, com a redução da qualidade e quantidade de conhecimento produzido nas universidades públicas. Essa redução na produção de conhecimento científico brasileiro, coloca em risco muito mais que estudantes, docentes e a produção de conhecimento em si. Essa medida afetará aformulação de novas políticas públicas, a formação de pessoal qualificado, o desenvolvimento de remédios e vacinas, a criação de soluções que contribuam para o desenvolvimento nacional, para o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas. O cenário é aterrador.

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